20-2. Lily

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Atlas está furioso, mas é um tipo de raiva que não me dá medo.

Percebo a importância deste momento. Estou sozinha com um homem furioso no meu apartamento, mas sem temer pela minha própria vida, pois ele não está com raiva de mim. Está com raiva da pessoa que me feriu. É uma raiva protetora, e há uma diferença imensurável entre as minhas reações à raiva de Ryle e a minha reação à raiva de Atlas.

Quando Atlas se vira de novo para mim, vejo seu maxilar retesado e suas veias saltando quando diz: Como poderei ser civilizado com ele, Lily? - Há culpa em sua voz quando diz: - Eu deveria ter ficado do seu lado. Deveria ter feito mais.

Compreendo sua raiva, mas Atlas não precisa sentir nenhuma culpa. Naquele momento da minha vida, não havia nada que ele pudesse ter dito ou feito para me fazer mudar de opi- nião em relação a Ryle. Isso foi algo que precisei fazer sozinha.

Eu me aproximo de Atlas e me encosto na parede, virada para ele. Ele faz o mesmo na parede oposta, então ficamos um de frente para o outro. Ele está lidando com muitas emoções no momento, e quero lhe dar espaço para que o faça. Porém, também tenho muito a dizer a respeito da culpa que está sentindo.

A primeira vez que Ryle me bateu foi porque eu ri dele. Eu estava um pouco bêbada, e achei que uma coisa era engraçada quando não era. Então ele me bateu com as costas da mão.

Atlas precisa desviar o olhar depois de me ouvir dizer isso. Não sei se ele quer saber desses detalhes, mas faz um bom tem- po que eu queria lhe contar tudo isso. Ele continua na mesma posição, mas parece estar usando todas as suas forças para não sair correndo atrás de Ryle neste exato momento. Quando me encara de novo, esperando que eu termine de falar, seus olhos estão atentos.

- Na segunda vez, ele me empurrou escada abaixo. A discussão começou porque ele encontrou seu número escondido na capa do meu celular. E quando me mordeu no ombro... Você tem razão. Foi porque tinha lido os diários e descoberto que minha tatuagem era por sua causa e que o ímã que eu deixava na geladeira tinha sido um presente seu. Olho para baixo rapidamente, pois é difícil ver o quanto Atlas está ficando aba- lado. - Antes eu pensava que as coisas que eu fazia justificavam as reações dele. Como se, caso eu não tivesse rido, talvez ele não tivesse batido em mim. Se eu não tivesse seu número no meu celular, talvez ele não tivesse ficado tão furioso a ponto de me empurrar da escada.

Atlas nem está mais me olhando. Está com a cabeça encostada na parede, encarando o teto, assimilando tudo, paralisado pela raiva.

- Sempre que eu começava a me sentir culpada e a justificar as ações de Ryle, eu pensava em você. Eu me perguntava qual teria sido sua reação e a comparava à de Ryle. Porque eu sabia que teria sido diferente. Se eu tivesse rido de você nas mesmas circunstâncias em que ri de Ryle, você teria rido comigo. Você nunca teria me batido. E se qualquer homem do mundo inteiro me desse o número dele para me proteger de alguém que ele temia ser perigoso, você lhe agradeceria por ter feito isso. Você não teria me empurrado numa escada. E se os diários que eu deixei você ler falassem de um garoto do meu colégio que não fosse você, você teria tirado sarro de mim. Provavelmente teria sublinhado as frases que achasse bregas e riria delas comigo.

Paro de falar até o momento em que Atlas me olha de novo, então concluo: - Sempre que eu duvidava de mim e pensava que merecia o que Ryle tinha feito, tudo o que eu precisava fazer era pensar em você, Atlas. Pensava em como cada situação teria sido diferente se fosse com você, e isso me ajudava a lembrar que nada daquilo era culpa minha. Você é um dos maiores motivos pelos quais eu consegui enfrentar aquilo, mesmo sem estar presente.

Atlas assimila tudo que eu disse por uns cinco segundos, mas depois se aproxima de mim e me beija. Finalmente. Finalmente.

Sua mão direita envolve minha cintura enquanto ele me puxa para perto, com a língua delicada e morna deslizando em meus lábios e abrindo caminho entre eles. Sua mão esquerda serpenteia pelo meu cabelo até a palma se ajustar na parte de trás da minha cabeça. Um carretel de desejo começa a se desenrolar dentro de mim.

Não há nenhuma hesitação em seu beijo. Sua boca encontra a minha com confiança, e a minha reage a ela com alívio. Puxo-o, querendo absorver seu calor. Sua boca e seu toque são familiares, porque já fizemos isso antes, mas ao mesmo tempo é algo completamente novo, pois este beijo é composto de ingredientes completamente novos. Nosso primeiro beijo era composto de medo e inexperiência juvenil.

Este beijo é esperança. É conforto e segurança e estabilidade. É tudo que estava faltando na minha vida adulta, e estou tão feliz que Atlas e eu temos um ao outro novamente que poderia até chorar.

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