✧ PETRUS ✧Os dias que se seguiram trouxeram uma rotina estranhamente familiar. Entre os passeios pela mansão, sob constante vigilância, e as refeições na cela, comecei a sentir uma sensação de inquietação. Era como se, a cada passo que dava, algo me empurrasse para um confronto inevitável comigo mesmo.
Esta manhã, era Marcus quem me acompanhava, tal como Margarita noutros momentos, e de vez em quando Lysander também fazia o trabalho de me vigiar. A presença de Marcus não era hostil, mas havia uma distância evidente. Ele mantinha-se sempre a meio passo atrás de mim, os braços cruzados e o olhar atento.
— Sentes-te confortável no papel de guarda? — perguntei, lançando-lhe um olhar por cima do ombro. — Não me digas que na academia sonhavas em ser o guarda de honra dos dissidentes.
— Nem todos nós tivemos o privilégio de treinar para ser caçadores de inimigos da ordem, — respondeu ele, com um toque de sarcasmo. — Alguns de nós tiveram de aprender a proteger aquilo que amam de outra forma.
O silêncio que se seguiu foi preenchido apenas pelos nossos passos ao longo do corredor de pedra. A lembrança da academia veio à tona na minha mente, com memórias de treinos árduos e lições rigorosas. Marcus fora um dos poucos que mantivera uma rivalidade amigável comigo, desafiando-me constantemente, mas nunca a um ponto que nos tornasse inimigos.
— Nunca pensei ver-te aqui, — admiti, sem olhar para ele. — Lutávamos lado a lado na academia. Agora, estamos em lados opostos.
— Eu também nunca pensei que as nossas escolhas nos trouxessem para caminhos tão diferentes, — disse ele, com uma frieza que não me era familiar. — Mas talvez as coisas sejam assim porque nunca tivemos a chance de ver o outro lado.
A conversa terminou abruptamente quando passámos pela sala de combate físico. Parei instintivamente à porta, observando o treino que decorria lá dentro.
Cate estava no centro do ringue, a enfrentar outro dissidente com uma determinação feroz no olhar. A intensidade dos seus movimentos, a forma como antecipava os golpes do adversário, revelavam uma evolução clara em relação aos treinos que eu tinha visto antes.
Marcus parou ao meu lado, os olhos fixos na cena. — Ela é impressionante, não achas?
Soltei um grunhido. — Ela aprende rápido, admito. Mas isso não faz dela uma guerreira. Ainda há muito que ela não sabe.
Marcus ergueu uma sobrancelha e olhou para mim com um leve sorriso. — Estás a pensar em dar-lhe conselhos, Petrus? Ou só a observar por diversão?
Ignorei a provocação dele e voltei a minha atenção para o treino. Cate avançou com uma série de golpes rápidos, tentando derrubar o adversário, mas ele desviou-se a tempo, e num contra-ataque ágil, desequilibrou-a. Ela caiu no chão com um baque surdo, ofegante, mas não demorou a recuperar a postura. O olhar de frustração nos seus olhos era óbvio, mas havia também uma determinação que não tinha visto nela antes.
— Estás a perder o foco, Cate, — ouvi Lysander dizer enquanto se aproximava para a ajudar a levantar. — Tenta manter a mente clara, ou vais acabar no chão mais vezes do que consegues contar.
— Obrigada pela dica, Lys, — respondeu ela, com um sorriso irónico. — Como se eu não soubesse.
Revirei os olhos ao ouvir o apelido que já reparei mais vezes que ela lhe havia dado, e uma irritação inesperada começou a crescer dentro de mim. Mas, ignorei rapidamente esse sentimento estranho.
— Queres saber uma coisa, Marcus? — disse eu, num tom mais baixo, ainda a observar Cate. — Ela nunca vai conseguir lutar de verdade enquanto não aprender a lidar com as suas emoções. Estar zangada ou frustrada no meio de uma luta só a vai tornar mais vulnerável.
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O Despertar das Sombras
FantasíaNum mundo onde as estrelas guardam segredos antigos e perigosos, Cate Vesper, uma jovem aparentemente comum, descobre que está ligada a uma constelação proibida, e carrega um destino a que não pode escapar. Com um amuleto misterioso na sua posse e m...