Tres

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As primeiras horas da manhã em Veridia eram sempre as mais calmas, mas aquela sensação de tranquilidade tinha sido completamente varrida pela presença dele. Estava ali, na entrada da livraria, a mesma presença que me assombrou na noite anterior. O que me surpreendia agora era que já não o via com a mesma ameaça. Desta vez parecia um rapaz normal, talvez mais velho apenas uns 2 ou 3 anos do que eu. O perigo permanecia, mas não havia o medo imediato que senti antes. Havia algo mais... uma sensação de urgência e mistério que parecia sugar o ar da sala.

Ele entrou lentamente, os passos ecoando no chão de madeira da livraria, o som ampliado pelo silêncio tenso que me rodeava. A minha mãe, que até então parecia calma, afastou-se ligeiramente, mantendo os olhos nele. Senti o peso do olhar dela sobre mim, um misto de preocupação e antecipação.

— Cate — disse ele, num tom que quase parecia gentil, embora soubesse que nada nele era suave. — Precisamos de falar. A sério desta vez.

As suas palavras bateram em mim como um soco no estômago. A noite anterior voltava à minha mente, o vento, as estrelas, a forma como ele tentara forçar-me a aceitar algo que eu mal compreendia. Ele queria algo de mim, algo que até agora parecia indefinido, mas sabia que não era algo leve ou simples.

— Não estou interessada — repliquei, tentando parecer mais forte do que me sentia. O meu coração batia descontrolado no peito. — Vai-te embora.

A minha mãe olhou-me, os olhos dela arregalados por um breve segundo. Ela estava surpreendida, talvez não pelo facto de eu o ter confrontado, mas pela intensidade da situação que não podia mais ignorar. Eu sabia que ela queria intervir, perguntar-me o que estava a acontecer, mas ao mesmo tempo, parecia saber mais do que estava a deixar transparecer.

Ele respirou fundo, e vi uma sombra de frustração passar pelos seus olhos. Não sabia se isso era bom ou mau.

— Se eu pudesse deixar-te em paz, faria-o — disse ele, a voz agora mais dura. — Mas infelizmente para mim não é assim tão simples... Ontem, provaste que és mais forte do que esperava. Mas isso apenas confirma o que sempre soube sobre ti. Há algo dentro de ti, Cate, algo que nem tu mesma compreendes.

As suas palavras deixaram-me em choque. O que ele estava a tentar insinuar? Que eu era especial? Que havia uma razão para as estrelas parecerem tão próximas de mim? Há tanto tempo que eu lutava para ignorar essa sensação, para afastar os sonhos e os pressentimentos que me perseguiam. Agora, com ele ali, tudo o que tinha tentado suprimir veio à tona, de forma violenta. E real.

— O que queres de mim? — perguntei finalmente, com a voz tão firme quanto conseguia. Mas sentia-me a desmoronar por dentro.

Ele inclinou ligeiramente a cabeça, como se estivesse a ponderar a melhor forma de me responder.

— Não se trata do que eu quero de ti, Cate. Trata-se do que tu és. Do que estás destinada a ser. O teu lugar não é aqui, nesta aldeia — disse ele, com uma convicção que fez o meu corpo congelar. — Nunca foi.

As suas palavras fizeram com que o chão desaparecesse debaixo dos meus pés. Em toda a minha vida senti-me deslocada, como se houvesse uma parte de mim que não pertencesse a Veridia. Algo dentro de mim sempre esteve à espera, parecia querer aparecer nos meus sonhos, e sempre foi algo diferente. Mas ouvir aquilo em voz alta... tornou o sentimento real. Ele sabia. Ele sabia... parecia que ele sabia mais sobre mim do que eu mesma.

— Estás enganado — murmurei, desesperada para agarrar-me à vida que eu conhecia. — Eu sou apenas... Não sou ninguém especial.

Ele sorriu, mas o sorriso não trouxe calor. Pelo contrário, parecia estar a afirmar algo que eu ainda não compreendia.

O Despertar das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora