Duo

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O vento continuava a uivar à minha volta, como se o próprio ar estivesse a tentar sussurrar-me um segredo que eu não conseguia entender. A mão dele, estendida à minha frente, parecia uma oferta que eu sempre soube que viria. Uma escolha. Uma resposta para todas as perguntas que sempre assombraram os meus pensamentos. Mas... algo não estava certo.

Olhei de novo para ele, para aqueles olhos profundos e sombrios que pareciam conter mais mistérios do que respostas. Havia uma escuridão ali, uma sombra que se movia nos recantos da sua expressão, e por um instante, duvidei. Porquê agora? Quem era ele realmente?

O meu coração ainda pulsava na minha garganta, o peso da decisão a apertar-me o peito. As palavras dele faziam sentido — havia algo dentro de mim, algo que eu não conseguia explicar, algo que sempre soube que estava à espera de despertar. Mas a forma como ele apareceu, de repente, na calada da noite, e a maneira como falava com uma certeza fria... fez-me hesitar.

Eu não sabia o seu nome, de onde vinha, o que queria realmente. Só tinha as suas promessas. Promessas que poderiam ser tão vazias quanto as estrelas que ele dizia estarem a me observar.

Puxei a minha mão de volta contra o meu corpo. Respirei fundo, a tentar acalmar o turbilhão de pensamentos na minha cabeça. O vento aumentava a intensidade, como se quisesse apressar a minha escolha, e o peso da mão dele, ainda estendida, tornava-se insuportável. Algo estava errado. Senti isso profundamente.

Dei um passo atrás, a minha respiração a acelerar. Ele franziu ligeiramente o sobrolho, como se não esperasse essa reação.

— Não — disse eu, com a voz mais firme do que sentia. — Não vou contigo.

A escuridão nos seus olhos ondulou, como se a minha resposta tivesse rompido algo na sua compostura. A mão dele caiu lentamente, e o silêncio entre nós tornou-se pesado.

— Não tens escolha, Cate — disse ele, a voz baixa e ameaçadora. A suavidade inicial da sua abordagem desapareceu num instante. — As estrelas já decidiram por ti.

A minha boca ficou seca, o pânico a crescer no fundo do meu estômago. Dei mais um passo atrás, sem quebrar o contacto visual. As estrelas, as constelações, o destino... tudo isso parecia maior do que eu, uma força que eu não entendia. Mas algo me dizia que eu não devia confiar cegamente nele. Não assim.

— Eu faço as minhas escolhas — repliquei, sentindo uma faísca de raiva misturada com o medo. — E não vou contigo.

Ele ficou imóvel por um momento, como se estivesse a considerar as minhas palavras. Depois, algo no seu rosto endureceu. O frio no ar intensificou-se, e a sua presença tornou-se mais ameaçadora.

— Isso não é uma escolha que possas fazer sozinha — disse ele, dando um passo em frente. A sua capa esvoaçava com o vento, como se estivesse viva, envolta em sombras que pareciam ter vontade própria. — O teu destino foi selado no momento em que nasceste.

O pânico dentro de mim começou a transbordar. Ele não era quem dizia ser. Este estranho não estava aqui para me oferecer respostas — estava aqui para me tirar o que eu ainda nem compreendia.

— Sai daqui — ordenei, dando mais um passo atrás, mas sentindo as pernas fraquejarem sob o peso do medo. — Eu não vou a lado nenhum contigo.

O sorriso que surgiu nos seus lábios era frio, distante, e não tinha nada de humano. Ele ergueu a mão novamente, mas desta vez não era um convite. Era uma ordem.

— Estás a desperdiçar o meu tempo, Cate — disse ele, e o ar em volta de nós pareceu congelar no lugar. — As estrelas não esperam.

O vento soprou mais forte, e senti algo a agarrar-me, como se o próprio ar se estivesse a fechar em torno do meu corpo. O pânico explodiu dentro de mim. Era como se eu estivesse a ser puxada por uma força invisível, uma corrente a arrastar-me para o destino que ele prometia. Tentei gritar, mas o som ficou preso na minha garganta.

Mas, naquele momento, algo mudou.

A luz das estrelas, que sempre me observou à distância, pareceu intensificar-se, como se tivessem passado a observar para intervir. O ar ao meu redor brilhou, e o aperto que eu sentia na pele começou a ceder. Havia algo... a proteger-me.

O estranho deu um passo atrás, os olhos estreitando-se com raiva.

— O que é isto...? — murmurou ele, a sua mão a baixar lentamente. O poder que ele tinha sobre mim estava a desaparecer, e o brilho das estrelas parecia afastá-lo.

A minha respiração voltou, ofegante, mas o medo deu lugar a algo novo. Algo que eu nunca tinha sentido antes. Poder. Um calor que começou a crescer no meu peito, uma luz que parecia responder ao chamamento das estrelas. Ergui a cabeça, e por um momento, tudo fez sentido.

Eu não estava à mercê dele. Nunca estive.

As estrelas... estavam de alguma forma a proteger-me.

Ele deu mais um passo atrás, os seus olhos escurecendo com algo que parecia ser medo. Não de mim, mas do que as estrelas estavam a fazer. O vento, que antes lhe obedecia, começou a mudar de direção, soprando contra ele.

— Isto não deveria acontecer — disse ele entre dentes. — Não és... tu não estás pronta...

A sua voz estava cheia de fúria, mas também de desespero. Ele deu-me um último olhar, e então, sem aviso, virou-se e desapareceu na noite, como uma sombra a dissipar-se com a luz.

Eu fiquei lá, imóvel, ofegante, enquanto o brilho das estrelas suavemente começava a desaparecer. A minha pele ainda formigava com a sensação de algo antigo, algo poderoso, mas a adrenalina a correr-me nas veias começou a acalmar.

Eu sabia que aquilo não tinha acabado. Não por muito tempo. Eu sentia que algo estava errado. Mas, naquele momento, tinha ganho uma pequena vitória, contra alguém ou algo que nem conhecia. Tinha recusado o destino que ele me oferecera. Tinha feito a minha escolha.

Mas, o que vinha a seguir... isso ainda estava por descobrir.

⋆。°✩

Acordei na manhã seguinte com um sentimento estranho. A sensação de perigo da noite anterior ainda pairava no ar, mas havia também uma calma silenciosa, como se o universo estivesse a recuperar o fôlego. Eu mal tinha dormido, os pensamentos a correrem pela minha mente a uma velocidade insuportável. As estrelas... tinham-me protegido. E aquele homem, quem quer que fosse, estava a tentar forçar-me a um caminho que eu não compreendia.

Enquanto descia as escadas para a livraria, o cheiro familiar de café e pão fresco encheu o ar. A minha mãe estava atrás do balcão, a organizar livros como sempre. Quando me viu, o seu sorriso habitual apareceu, mas os seus olhos... havia preocupação neles. Ela sabia que algo estava errado.

— Dormiste bem? — perguntou, a tentar soar casual, mas havia uma tensão na sua voz.

— Mais ou menos — respondi, sentando-me numa das cadeiras junto à janela. Olhei lá para fora, para a calma enganadora de Veridia. Ninguém ali fazia ideia do que tinha acontecido na noite passada. Talvez nem eu tivesse.

Ela colocou uma chávena de café à minha frente e sentou-se ao meu lado, o que era raro. Normalmente, ela deixava-me sozinha com os meus pensamentos, mas hoje era diferente. Ela sabia que algo tinha mudado.

— O que aconteceu ontem? — perguntou, a voz baixa e suave.

Por um momento, pensei em contar-lhe. Sobre o homem à nossa porta, sobre as estrelas, sobre a sensação de poder que tinha crescido dentro de mim. Mas algo me impediu. Não sabia se ela entenderia, se acreditaria, e uma parte de mim temia o que ela diria.

— Só tive um sonho estranho — menti, olhando para a chávena de café, sem coragem de a encarar.

Ela ficou em silêncio por um momento, mas o peso das suas palavras não se dissipou.

— Cate... — começou ela, mas foi interrompida por um som que veio da porta. A campainha soou, e alguém entrou na livraria.

Eu olhei para cima, e o meu coração parou por um momento. Era ele. O estranho da noite anterior.

Mas algo estava diferente. Ele não parecia tão ameaçador agora, e havia algo nos seus olhos que parecia... arrependido? Ele olhou diretamente para mim, e senti o meu corpo a ficar tenso.

— Precisamos de falar — disse ele, a voz calma, mas urgente.

O Despertar das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora