𝟐𝟐 ⌁ 𓈒 ֹ ANGELINA CORVETTI ˳ׄ ⬞

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Angelina observava seu reflexo no espelho. Tinha essa mania, essa necessidade de se julgar primeiro, como se pudesse se blindar contra o que os outros veriam e diriam. Havia sempre alguém para fazer isso, sempre alguém com olhos críticos, e ela conhecia muito bem quem.

Não era autodesprezo, mas uma defesa, um escudo que erguia contra as opiniões alheias. Observava-se no vestido azul que abraçava suas curvas, emoldurando-a com um toque de elegância que se harmonizava com a palidez da sua pele.

Estava linda. E precisava estar. Aquele momento era mais que um passo; seria uma memória da qual contaria um dia aos seus filhos, o dia em que sua vida mudaria de vez, o dia em que seu destino seria traçado.

Deixou o quarto com passos comedidos, deslizando pelos corredores até a sala de jantar, onde a reunião familiar já se desenhava. Enrico exibia animação, Giorgia, curiosidade, e Donnatela mantinha uma expressão de indiferença. Angelina estava nervosa, mas exibia uma felicidade construída, pois precisava estar feliz.

Lorenzo chegou logo depois. Puxou uma cadeira e, ao se sentar, os olhos dele se encontraram com os de Angelina. Ela prendeu a respiração, sentindo seu coração tropeçar no próprio ritmo. Não deveria mais se abalar com aquilo. Nunca se acostumaria, na verdade. Secretamente, desejava deixar de sentir.

Não trocavam uma palavra desde o retorno de Lorenzo, que passara semanas em repouso no hospital da Cosa Nostra. Angel queria agradecer por tudo, mas havia um abismo entre os dois, uma falta de coragem que a impedia de pronunciar qualquer sílaba na presença dele. Não sabia explicar o porquê.

Foi então que a voz de Enrico cortou o ar, e seu coração disparou. A ansiedade era densa, sufocante. Mesmo assim, ela permanecia ali, sentada, com um sorriso desenhado no rosto, as mãos sobre o peito enquanto observava Enrico ajoelhar-se diante dela. O diamante na pequena caixa vermelha brilhava, impondo-se. Tudo se desenrolava rápido demais, mas, ainda que estivesse distante em pensamento, ela permitiu que a razão guiasse sua resposta.

- Sim, sim! - respondeu prontamente, com um sorriso.

Respondeu do fundo do coração, mas não entendeu porquê no momento em que disse "sim" o rosto de Lorenzo veio em seu pensamento.

E lá estava ele, encarando-a, com olhos de incredulidade, de angústia, de alguma ferida invisível. Angelina piscou, tentando decifrar o olhar do Don, como se quisesse desculpar-se sem palavras. Levantou-se, conforme o ensaio mental que fizera para que tudo saísse perfeito.

Tinha tudo para ser perfeito, se ao menos fosse verdadeiro.

Aceitou as felicitações das mulheres presentes. Giorgia irradiava uma felicidade que Angelina queria absorver. Abraçou a futura sogra com firmeza, como se buscasse ali um amparo silencioso. E, por cima do ombro da mulher, Angel viu Lorenzo e Enrico se cumprimentarem.

As palavras que o Don proferiu em seguida caíram como lâminas sobre a garota, expondo uma dor latente, como um ferimento que se abre, o tipo de dor que alguém sente quando um carro capota e seu corpo é arremessado, ferindo-se até a dormência completa. Como já havia sentido.

Angelina quis bater na mesa, questionar Lorenzo, saber o que fazia sua opinião sobre ela oscilar tanto. Quis perguntar o que ele sentia ao olhar para ela, se também se sentia perdido, se compartilhava da mesma tempestade que ela. Se, de algum modo, ele também se encontrava nos braços dela, como ela havia se encontrado nos dele, naquele dia no porão.

O que ela havia feito de errado? Não era para isso que estava ali? Não era esse o propósito desde o princípio? Casar-se com Enrico?

As perguntas se entrelaçavam na mente dela enquanto acompanhava Lorenzo deixar a sala, seguido por Enrico, que parecia tão confuso quanto qualquer outra pessoa presente.

- O que você fez, Angelina? - Donnatela questionou, rompendo o silêncio pesado que pairava após a saída do Don. - O que você...

Angel interrompeu a frase com um movimento abrupto, seus passos pesados ecoando pelo corredor. Agarrou o vestido, erguendo-o minimamente para não tropeçar no tecido - e, talvez, nas suas próprias escolhas.

Correu até o quarto, sem se preocupar em fechar a porta completamente. Sentou-se na cama e desmoronou. As mãos abafavam o som de seu choro, as pernas trêmulas. Desejava, desesperadamente, que qualquer outra dor substituísse aquela que queimava em seu peito.

Logo, outro som se fez ouvir. Três batidas leves na porta antes de Giorgia, a mais velha dos Mattioli, entrar delicadamente. A fechadura soou em um estalo suave, selando o quarto em um espaço íntimo, só delas.

Angelina ergueu o rosto e encontrou o olhar de Giorgia, que lhe oferecia um sorriso caloroso, como se absorvesse cada fragmento da angústia que a mais nova revelava.

Ali estavam, apenas elas duas, em um santuário silencioso.

Gio se sentou ao lado de Angel, passando a mão por suas costas em um gesto de carinho.

- O que aconteceu, meu amor?

A voz de Giulia era um sussurro maternal, carregada de compreensão, de quem sabia e entendia. Ela já estivera ali, já conhecera aquele medo, aquelas lágrimas.

- Eu não entendo... - Angel começou, interrompida por um soluço. - Por que ele me trata assim? O que há de errado com Lorenzo? Eu juro... Juro com tudo que há em mim que nunca fiz mal algum para que ele me odiasse tanto.

─ Oh, Angel, querida... ─ murmurou Giorgia, com uma voz baixa e cheia de carinho, puxando Angelina para perto. ─ Isso não é sobre você, entenda. Lorenzo... ele está passando por muita coisa, especialmente com o peso de Bartor nas costas. Ele foi insensível, eu sei. Mas confie em mim, ele vai se desculpar. Não se culpe, querida, não leve essa mágoa para si.

Suas palavras escapavam em murmúrios, mas a mais velha escutava com atenção.

- Eu não fiz nada de errado... - continuou, as lágrimas rompendo a barreira, caindo livres.

─ Sei que você não fez nada errado, Angel. Na verdade, você é incrível ─ Giulia continuou, em um tom mais suave, tentando trazer algum alívio àquele olhar triste. ─ Não é à toa que Enrico está tão encantado por você. Para mim, você já é parte da família. Por favor, não leve a sério as coisas que Lorenzo disse, ele não sabe o que fala.

O polegar de Giorgia deslizou suavemente pela pele pálida de Angel, apagando o rastro borrado do rímel. Angel não se preparara para chorar naquela noite, e a maquiagem simples que fizera horas antes não era mais resistente que ela mesma. Era, na verdade, tão frágil quanto.

Inspirou profundamente, tentando recuperar o controle, enquanto as palavras da matriarca, tranquilas e ponderadas, a envolviam, preenchendo as lacunas de sua angústia.

- Posso te fazer uma pergunta indiscreta? - perguntou Angel, enxugando-lhe as bochechas com a mão antes de continuar ao ver o sinal de aprovação. - Você e seu esposo se amavam?

Angelina não sabia muito sobre os Mattioli, mas bastava olhar para saber que dentro da máfia, desde sempre, casamentos não eram questões de amor. A lembrança das palavras de Donnatela, no dia em que fora apresentada à família, ainda ecoava em sua mente.

"Você acha que Giulia amava o marido falecido? Que nosso pai amava nossa mãe? Enrico jamais irá te amar."

Seria Angelina capaz de amar Enrico, mesmo assim?

Ali, ao lado de Giorgia, encontrou uma confidência silenciosa, a de quem compreendia o peso de ter tão poucas escolhas na vida.

𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽Onde histórias criam vida. Descubra agora