𝟐𝟒 ⌁ 𓈒 ֹ ANGELINA CORVETTI ˳ׄ ⬞

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O toque suave de Giorgia suavizava a tempestade que rugia dentro de Angelina. As palavras dela, aos poucos, foram silenciando os gritos internos que atormentavam a jovem. Inspirando fundo, Angel se concentrou em acalmar a respiração antes de lançar uma pergunta que fez a matriarca mergulhar em pensamentos.

Por um instante, Angelina temeu ter ido longe demais com suas questões. Mas assim que a mais velha começou a falar, os sentimentos profundos que a mais velha guardava transbordaram em sua expressão.

Angelina escutava com atenção, absorvendo cada palavra como se fossem verdades raras. Sentia, com certeza e clareza, que, entre bilhões de pessoas, apenas Giorgia compreendia o mundo com o mesmo olhar que ela. Só Giorgia, com toda a carga de suas experiências e renúncias, podia compreender, realmente, o medo que Angel sentia naquele momento.

As rejeições, as discussões, o desentendimento que cercavam Angelina, a mais velha entendia tudo aquilo de forma profunda. Nos segredos que a matriarca compartilhava, Angel percebeu que existia a possibilidade de viver um amor escolhido, mesmo quando o coração, sem controle nenhuma, bate por alguém que foge de suas opções. Giorgia amava Donato. E Donato amava Giorgia. Aprenderam a se amar, apesar das diferenças, dos conflitos e dos desencontros. O amor prevaleceu, como deveria ser.

Um sorriso leve surgiu nos lábios da matriarca, e Angelina, sem perceber, sorriu também. A atmosfera tornou-se mais leve; respirar ficou mais fácil. Angel agradeceu, primeiro com o olhar, pois havia encontrado o abrigo que tanto precisava naquele instante.

Cada conselho, cada palavra e detalhe que a mais velha lhe oferecia com carinho e cuidado foram cuidadosamente guardados. A admiração que Angelina já sentia pela mulher transformou-se em desejo de ser forte como ela, de moldar seu futuro inspirada por aquela força.

Angelina, no entanto, ainda não sabia se havia tomado a decisão certa. Aceitar o pedido de Enrico era o que seu coração realmente desejava? Tentou afastar a dúvida, preferindo ouvir a razão e encerrando mais um dia com o rosto molhado.

Optou, porém, por acreditar nas palavras de sua futura sogra: que, com o tempo, aquilo que lhe parecia um erro se revelaria como o caminho certo, o qual sempre deveria ter seguido. Acreditava, e rezava para que fosse verdade.

Apesar de tudo, Angel era profundamente grata por ter conhecido Giorgia, a pessoa que arrancou, com tanta ternura, o desespero que habitava em seu interior. Esse desespero residia nela há tanto tempo que Angelina sequer lembrava de como era viver sem temer suas próprias escolhas.

"Siga seu coração..."

A mulher sabia que, se seguisse esse conselho ao pé da letra, não seria Enrico quem teria corrido atrás de Lorenzo, quando ele abandonou a sala de jantar com sua frustração. Seria ela – ela teria impedido que ele partisse mais uma vez.

— Obrigada... — Angel murmurou, aceitando o beijo na testa e, com ele, todas as lições que Giorgia lhe transmitira. — Obrigada por ser tão boa, tão mãe. Por me acolher na sua família, por me oferecer seu colo.

Angelina permitiu-se fechar os olhos, sentindo a boa energia que a matriarca dos Mattioli emanava. Gio era paz, o eixo que sustentava a confusão daquela casa, essencial em cada canto, em cada detalhe. Ela era mãe. E, pela primeira vez em tantos anos, Angelina sentiu-se em casa, aceitando que aquele, enfim, seria seu novo lar.

Despediu-se de Giorgia com um abraço longo e caloroso. A mulher sugeriu alguns planos para os próximos dias: provas dos vestidos, escolhas do buffet, detalhes da decoração – tudo que uma noiva precisaria para um casamento perfeito. E, acima de tudo, convidou Angel a passar mais tempo com ela. Sempre teria uma amiga para confiar.



Após o banho, Angelina secava o cabelo com a toalha ainda úmida, caminhando pelo quarto enquanto esperava, em vão, o sono a envolver. Estava exausta, mas a insônia, teimosa, a castigava.

Terminou de secar os cabelos loiros e puxou o diário, seu fiel confidente. Folheou algumas páginas, rindo de antigos parágrafos e sentindo uma nostalgia que só ela poderia provocar em si mesma. Aquele pequeno caderno a acompanhava há tanto tempo que, em algumas páginas, via a letra infantil de outrora. Aquele diário crescera com ela, era parte dela, assim como tudo que havia construído.

Desde o falecimento de Cassandra, a escrita da pequena Angelina parecia mais arrastada, desbotada. Os detalhes alegres haviam se dissipado. Já não elogiava a cor do céu ao entardecer, não comentava sobre o canto dos passarinhos que, antes, vinham saudá-la na janelinha toda manhã. As tardes com suas bonecas pareciam algo remoto — não lembrava os nomes delas, mas sabia que existiram, porque nada deixa de existir. Perdera a inocência cedo demais, enterrada junto com sua mãe, junto com a força que a mantinha firme.

Parou em uma das páginas e leu uma anotação curta. Não lembrava ao certo quantos anos tinha quando escreveu aquilo.

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DIÁRIO DE ANGELINA

"Sinto falta de comemorar o Natal.

Já faz dois anos. Dois anos em que é apenas mais um dia qualquer. Lembro de decorarmos a árvore juntas, você me levantava para que eu colocasse a estrela no topo. Ainda tinha esperança de comemorarmos um todos juntos, de que magicamente o papai virasse uma pessoa boa e Donnatela seguisse o mesmo caminho. Mas já é tarde demais. Sinto falta da magia, mãe. Ela foi embora. Não só da nossa casa, mas de todo o mundo, desde que você também se foi."

Dizem que crianças de famílias disfuncionais raramente nutrem grandes sonhos. Angelina fazia parte desse grupo. Mantinha em segredo esse simples sonho. Viver datas festivas como nos filmes, um Natal feliz por exemplo, como deveria ser em todas as famílias completas. E, por nunca ter tido uma família inteira, decidira que, no futuro, faria das pequenas e grandes datas momentos memoráveis e significativos para seus filhos.

Ela queria ser uma boa mãe, uma boa esposa, uma boa pessoa. Desejava com força que suas escolhas a conduzissem até esses ideais. A garota pegou a caneta, apoiou o caderno na cama e balançou os pés antes de começar mais uma de suas anotações.

 ⊹

DIÁRIO DE ANGELINA

"Querida Angel, ou melhor, querida eu.

Hoje venho falar sobre como NÃO podemos mudar o que já está feito. Eu estou aqui e estarei em outros lugares, sempre me movendo, e isso segue comigo. Porque estou nesta cama, neste hoje, os caminhos são diferentes do que seriam se eu estivesse em outros lugares, se deixasse meus sentimentos me levarem para outros campos. Todas as decisões que tomei na vida me trouxeram até aqui. Tudo o que serei daqui por diante levará isso comigo, e os pequenos acontecimentos a partir daqui desenharão outros, em outros momentos.

Mesmo quando eu não estiver mais aqui, isso já existiu, e uma existência é inteira, absoluta, irrevogável. Tudo que existiu não deixa de existir. Não posso apagar as escolhas que fiz, as pessoas que conheci, tudo que vivi até hoje. Cada detalhe compõe quem sou. Preciso aceitar meu futuro, nosso futuro, pois tomei uma decisão e preciso encontrar paz em suas consequências.

Espero que daqui a alguns anos, quando ler isso, esteja satisfeita com o que eu escolhi para nós agora.

Eu não posso deixar de existir, assim como não posso apagar a existência dele em minha vida, nos meus pensamentos, e temo que também não consiga extinguir essa faísca que ele plantou no meu coração.

Bufou ao fechar o caderno, deslizando-o de volta para a gaveta. Embolou-se nos lençóis, apagando o abajur, e deixou que a escuridão do quarto lhe desse o golpe final, permitindo que o cansaço enfim a vencesse.

𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽Onde histórias criam vida. Descubra agora