𝟎𝟒 ⌁ 𓈒 ֹ ANGELINA CORVETTI ˳ׄ ⬞

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O olhar de Angelina vagueava pela decoração, absorvendo cada detalhe com uma intensidade silenciosa. Os móveis, as paredes, os pequenos adornos, tudo parecia escolhido com a precisão de um maestro. No meio de tantas minúcias, foram as obras de arte que mais chamaram sua atenção. Para Angelina, aquele passeio podia bem se encerrar ali, daria tudo para se perder, sem pressa, na contemplação de cada traço, de cada cor, de cada história contida em cada quadro. Havia algo naquele espaço que a puxava, uma curiosidade autêntica e quase infantil. Quem teria pintado aquilo? De qual época? Que técnica teria usado? Perguntas que preenchiam sua mente, até o momento em que foi forçada a deixar suas indagações de lado para seguir o extenso caminho até o jardim.

Ao contrário de Angelina, Donnatela não conhecia os limites do silêncio e, para ela, era como se sua voz devesse ecoar por cada cômodo da imensa casa Mattioli. Suas perguntas previsíveis e elogios forçados pairavam no ar, tão óbvios que Angelina sabia que não passavam de bajulações vazias, afinal, Donnatela não sabia elogiar o que não fosse relacionado a si mesma ou ao que lhe fosse dedicado.

Ao alcançar o jardim, Angelina abriu um sorriso, capturando com o olhar cada detalhe. As flores, as mesas, as cadeiras, os tons harmoniosos do lugar. Em sua mente, aquele seria um refúgio de paz em dias normais, não inteiramente silencioso, mas preenchido por uma melodia feita do canto dos pássaros e do sussurro do vento entre as folhas. Seu olhar então se voltou às pessoas presentes, e ela mantinha o sorriso a cada palavra amável dirigida a si. Seu sorriso era genuíno, iluminando seu rosto e fazendo seus olhos se fecharem levemente, ao contrário dos inúmeros outros lugares em que já estivera, ali, pela primeira vez, sentia-se verdadeiramente confortável.

Foi de encontro a cada familiar, insistindo em saber seus nomes, embora todos ali já conhecessem o seu. Donnatela, ao fundo, forçava um sorriso amargo, incomodada pela atenção que Angelina recebia, ainda mais sabendo que aquela reunião fora planejada para ela. Cada gesto de afeto ou admiração direcionado à irmã lhe despertava desconforto.

Angelina, por outro lado, se sentia cada vez mais à vontade a cada conversa breve. Fez algumas observações gentis a Enrico, que logo se dispersou para conversar com outros parentes, deixando-a solta novamente.

Com receio da inconveniência de Donnatela, Angelina preferiu manter certa distância dela, que agora perturbava a santa paciência de Giorgia. Secretamente, Angelina desejava poder afastá-la dali, arrancá-la de vez de sua vida e se livrar do mal que sua irmã e sua família lhe haviam causado. Mas sabia que seu poder sobre aquela situação era ínfimo, e, por enquanto, precisaria suportar.

Do outro lado, notou a mesa de bebidas e tentou, à distância, decifrar as letras minúsculas das garrafas. Seus olhos semicerraram-se na tentativa de ler melhor, mas, ao perceber o esforço inútil, decidiu se aproximar. Quando chegou, notou Lorenzo ao seu lado, examinando as garrafas e servindo um pouco de whisky para si. Por um instante pensou em recuar para não interromper, mas já estava ali, tão próxima que podia ler cada rótulo. Então, decidiu arriscar um elogio à família, quebrando o possível constrangimento do silêncio. O Don, no entanto, a surpreendeu ao oferecer algumas opções de bebida. Sua voz era grave e firme, e Angelina sentiu um leve arrepio percorrer-lhe a pele antes que as palavras lhe fizessem sentido.

Com um sorriso suave, ela desviou o olhar para o copo que Lorenzo segurava, processando a oferta. Recuou mentalmente ao tempo em que era criança, recordando seu pai. Quando algo dava errado nos negócios ou um conflito se instalava, o chefe da máfia se refugiava em sua poltrona com um copo de bebida na mão, horas a fio. A pequena Angelina, com sua inocência, imaginava que o álcool era algum tipo de anestésico para a dor. Após a morte da mãe, experimentou, aos treze anos, as garrafas que Theodoro colecionava enquanto o homem fazia uma de suas inúmeras viagens. O álcool ardia, mas a tristeza era mais forte, e ela buscava a todo custo silenciar a angústia. A noite terminou em risos soltos, lágrimas breves e uma tontura pesada em seu quarto. Sendo presenteada com uma forte dor de cabeça na manhã seguinte. Decidiu ali que não seria adequado reviver aquela experiência logo no primeiro almoço com sua nova família, optando por ficar nos sucos e na água.

- Hoje não, talvez em uma próxima. - respondeu, devolvendo o sorriso discreto de Lorenzo, voltando-se para as garrafas na tentativa de esconder o rubor nas bochechas.

Mas o comentário seguinte do Don desfez seu sorriso. O tom ríspido do homem fez a garota suspirar, por mais que fosse totalmente acostumada com esse tipo de comportamento. Entretanto, a percepção do rapaz era reconfortante, comprovando que ela não era a única incomodada com a presença de Donnatela. Mesmo sem encará-lo, sentiu-se obrigada a responder.

- Compartilho do seu incômodo, senhor. A presença da minha irmã me pareceu desnecessária desde o início. Não sou nenhuma criança para precisar de babá. - murmurou, mantendo o olhar baixo. - Quanto às intenções dela, não tenho dúvidas de que caminham pela mesma estrada que o senhor imagina.

Angelina soltou um longo suspiro, tentando dissipar a tensão. Reformulou o sorriso e encontrou novamente o olhar de Lorenzo.

- Gostaria de poder ajudá-lo com isso, mas, infelizmente, não tenho esse tipo de influência. Porém, acho que não deveria tolerar presenças indesejadas em sua casa, senhor Mattioli. - assentiu discretamente, lançando um olhar para Donnatela e Giorgia, que parecia gritar por socorro em silêncio.

Angelina ainda não tivera a oportunidade de falar com sua futura sogra. Donnatela, por outro lado, seguia incessante com seu falatório. Temia que a irmã estivesse insinuando coisas ruins sobre ela, e por isso decidiu tomar a iniciativa.

- Vou conversar um pouco com sua mãe. - disse a Lorenzo, que, surpreendentemente, atraía seu olhar mais que qualquer outro ali. - Foi um prazer conhecê-lo. Com licença.

Se virou calmamente, gostaria de ter desejado sorte antes de partir, pois sabia que Lorenzo, em breve, teria de lidar com seu pai sobre a presença indesejada de Donnatela. Mal havia se aproximado daquela nova família, e já temia que sua irmã, mais uma vez, estivesse à beira de destruir tudo.

𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽Onde histórias criam vida. Descubra agora