𝟏𝟖 ⌁ 𓈒 ֹ ANGELINA CORVETTI ˳ׄ ⬞

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O toque foi uma revelação silenciosa. Quando os lábios de Lorenzo se encontraram com os de Angelina, algo profundo e inédito emergiu entre eles, um segredo que nem o confinamento do porão poderia sufocar. A loira ficou estática, os olhos arregalados e os sentidos mergulhados na intensidade daquele momento. O beijo foi apenas um toque demorado, como se Lorenzo estivesse buscando nela não apenas uma conexão, mas um consolo para sua própria dor. No calor daquele toque, o mundo exterior, com toda a sua brutalidade, parecia se dissipar, dando espaço a uma quietude quase sagrada.

Um tremor percorreu o corpo dela, uma onda de choque que deixou seus músculos rígidos, como se cada fibra sua estivesse resistindo, e ao mesmo tempo, se entregando. Havia algo delicado naquele beijo, uma vulnerabilidade desconhecida que Lorenzo parecia carregar consigo, e o gosto que ele deixava era doce, sutil e perigoso. Ela sabia que, se cedesse, correria o risco de se viciar naquele toque. Mas Lorenzo não pediu nada, não exigiu uma resposta; apenas se manteve ali, numa troca silenciosa, como se selassem um pacto secreto.

Quando ele se afastou, o calor ainda permanecia em seus lábios, deixando uma sensação estranha de culpa e alívio entrelaçados. Angelina não conseguia entender o que sentia; só sabia que, por um breve segundo, o peso das memórias dolorosas que a sufocavam havia desaparecido. E, em um instante, a imagem de Enrico surgiu em sua mente, como uma sombra que lhe cobrava um retorno à realidade. Sentiu a culpa queimar em sua pele — pelo beijo que não deveria ter acontecido e, talvez mais ainda, por desejar que ele acontecesse outra vez.

Ao ouvir o pedido de desculpas do Don, Angelina compreendeu de outra forma, uma verdade não comprovada por trás daquele beijo: um impulso momentâneo, fruto da vulnerabilidade que ambos carregavam. Angel achava que Lorenzo não buscava aquilo nela; o que ele queria, sem talvez perceber, era um consolo para o vazio deixado por alguém que já não estava ali. Ela era, para ele, uma imagem borrada, um reflexo tênue do afeto que ele perdera, talvez o impulso da saudade de Lucy. Sentiu o peso dessa compreensão atravessá-la, e com um suspiro, aceitou o gesto como algo que não lhe pertencia de verdade, mas a um passado que Lorenzo ainda não havia superado.



Exausta, Angelina se deixou vencer pelo sono, com a cabeça apoiada no ombro de Lorenzo, que, naquele momento, era o único abrigo que restava. Era o melhor lugar ali. Era o melhor lugar em qualquer circunstância. Mas o momento de paz foi abruptamente interrompido pelos barulhos intensos que vinham do lado de fora do porão. O estrondo da porta sendo arrombada fez ambos protegerem seus rostos com os próprios braços. E então, Enrico apareceu. Desceu as escadas com o semblante feroz e decidido, mas ao os dois, seu rosto suavizou-se em um alívio visível. Os soldados da Casa Nostra viam logo atrás, apertando os passos para ajudar Lorenzo a se levantar.

Angelina usou os pequenos fragmentos de força para se levantar e correr até Enrico, permitido-se ser protegida por seus braços. Ela segurou o rosto dele com firmeza, sentindo o calor do toque, e, num gesto espontâneo, uniu seus lábios aos dele. O beijo foi uma mistura de gratidão e desespero, uma expressão de tudo o que não fora dito. E, no entanto, por baixo daquela gratidão, um vestígio de dúvida se formou. Lorenzo ainda pairava em sua mente, e ela se perguntava se, ao beijar Enrico, não estava traindo a si mesma.

Lá fora, a cena era de caos. Os corpos espalhados pelo chão compunham uma paisagem horrorosa, e o ar cheirava a pólvora e violência. Vestígios de fogo e sangue. Angelina sentiu o estômago embrulhar, e a força começou a abandoná-la. Sua visão se tornava cada vez mais turva, e ela já não conseguia discernir claramente o que acontecia. Um paramédico a deitou em uma maca, e a garota lutou para seus olhos não se fecharem.

Antes de perder a consciência, Angelina lançou um último olhar para Enrico e Lorenzo, que trocavam um abraço contido. Um leve sorriso despontou em seus lábios, antes de finalmente se entregar ao cansaço.

Quando acordou, piscou lentamente, emergindo de um sono denso. A claridade do quarto de hospital invadiu sua visão, trazendo de volta a realidade, ainda que de forma tênue. O cheiro estéril e a sensação áspera dos lençóis sob suas mãos confirmaram que estava viva.

Sentado em um pequeno sofá ao lado, Enrico estava curvado, com os cotovelos apoiados nos joelhos, como se o peso do mundo descansasse sobre ele. A vulnerabilidade que se estampava no rosto do rapaz era algo que Angelina nunca vira; parecia tão exausto quanto ela, o rosto marcado por noites de insônia e ansiedade.

— Enrico... — murmurou ela, a voz rouca e fraca.

Ele ergueu o olhar, e o encontro de seus olhos encheu o quarto de um silêncio denso, onde palavras pareciam desnecessárias. Por um instante, toda a preocupação se dissipou dos traços dele, substituída por um alívio puro. Ele se inclinou para frente, os olhos intensos, e perguntou suavemente como ela estava.

— Estou feliz em estar em uma cama de verdade. — respondeu, esboçando um sorriso fraco para quebrar a tensão que os envolvia.

Enrico sorriu também, e a risada mansa que escapou dos lábios dele trouxe uma paz momentânea ao ambiente. Ele se aproximou mais, segurando sua mão com delicadeza.

— Obrigada — murmurou ela, os olhos transmitindo uma gratidão silenciosa. — De verdade, obrigada por nos salvar.

─  Você não precisa me agradecer. Nada disso deveria ter acontecido, e eu juro que nunca mais vai acontecer.

Ele acenou levemente, e ela o observou enquanto ele suspirava, claramente aliviado. Mas os pensamentos de Angelina vagavam; ela queria saber de Lorenzo, se ele estava bem. Haviam tantas perguntas e sentimentos confusos que a consumiam, tantas coisas que não saberia como explicar.

Se ajeitou na cama sem movimentar muito os braços, para não embolar os fios ligados a ela. Abriu um espaço para o rapaz se encostar, ficando assim mais próximos. No impulso do momento, com os sentimentos e a tensão daquele encontro, Angelina apertou a mão de Enrico, e antes que pudesse hesitar, deixou escapar as palavras que martelavam sua cabeça e que a garota tentava se convencer de ser o certo.

— Quero me casar com você — disparou, num sussurro suave, como se temesse que, ao falar, pudesse quebrar a fragilidade daquela confissão.

Dentro dela, a dúvida ainda persistia, um desejo oculto e contraditório, pois sabia que, ao fazer essa promessa, tentava se convencer de que não cederia ao que sentia por Lorenzo. Tentava convencer-se de que estava tomando a decisão certa, mesmo que, em seu íntimo, soubesse que seu coração ainda se prendia a um sentimento proibido que talvez nunca pudesse existir.

𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽Onde histórias criam vida. Descubra agora