𝟓𝟕 ⌁ 𓈒 ֹ ANGELINA CORVETTI ˳ׄ ⬞

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Giorgia havia se tornado a confidente feminina que Angelina tanto precisava, uma presença indispensável em seus dias. Se a tivesse conhecido antes, talvez muitos fardos desnecessários jamais teriam encontrado espaço em sua vida. Era reconfortante pensar que, ao lado dela, tantas tempestades poderiam ter sido evitadas.

A porta do carro se abriu, e ambas desceram com a leveza de quem aproveitara um dia pleno. Dois seguranças as seguiram, carregando as inúmeras sacolas que testemunhavam a tarde de compras e risadas compartilhadas. Haviam passeado pela cidade, colecionando momentos que Angelina guardaria no peito como relíquias sagradas, uma memória para ser revisitada nos dias de solidão.

No quarto, a loira desfazia suas compras com um sorriso discreto. Retirou os pincéis, telas e latas de tinta recém adquiridos, encantando-se com os tons vibrantes que prometiam dar vida a suas criações. Após organizar o espaço meticulosamente, contemplou o resultado com as mãos na cintura, sentindo uma rara serenidade. Tudo estava no lugar, não apenas em seu quarto, mas também, ao menos por aquele instante, em seu coração.

As batidas à porta interromperam o silêncio confortável. Em passos lentos, ela foi até a maçaneta. Ao abrir, deparou-se com Lorenzo, sua figura imponente dominando o corredor. Antes que pudesse reagir, ele a puxou para si com uma intensidade que ignorava os olhares curiosos de possíveis passantes.

Angelina sorriu contra o toque e, sem hesitar, empurrou a porta para fechá-la assim que estavam ambos no cômodo. O estalo da fechadura parecia selar não apenas o espaço, mas o instante que compartilhavam. Ela se entregou ao beijo, carregado de uma saudade quase palpável, sentindo nos lábios a urgência de quem se perdera na ausência do outro.

As mãos de Lorenzo repousavam firmes em sua cintura, e, embora Angel nunca admitisse em voz alta, apreciava o gesto. Havia algo no controle silencioso de seus toques, na forma como ele a mantinha perto, quase como um pedido mudo: fique. Quando seus olhos finalmente se encontraram, um sorriso desenhou-se em ambos os rostos, e Lorenzo quebrou o silêncio com um pedido inesperado.

Angelina arqueou a sobrancelha, desconfiada. Conhecia bem o homem à sua frente e sabia que suas ideias raramente eram simples ou seguras. A cautela, porém, não apagava o sorriso que Lorenzo exibia com frequência cada vez maior, um sorriso que ela aprendera a esperar.

Sem obter resposta imediata sobre os planos do Don, Angelina desistiu de insistir. Com uma risada irônica, lançou um último olhar antes de ceder. Seguiu para o armário, decidida a preparar-se para o desconhecido.

Optou por um vestido que moldava seu corpo com elegância, mas oferecia a liberdade que tanto prezava. O tecido fluía suavemente, perfeito para dançar com o vento, como se antecipasse um dia que prometia ser tão imprevisível quanto o homem que a aguardava.

Durante o percurso, Angelina tentava, em vão, arrancar de Lorenzo qualquer pista sobre o destino daquela noite. Usava de insinuações sutis, jogando o famoso "verde", mas enfrentava um adversário à altura. Era fácil esquecer que estava lidando com um Don, alguém para quem os segredos são um patrimônio levado ao túmulo.

Resignada, desviou a atenção para a janela, admirando o desfocado desfile de pessoas e paisagens. Era um hábito que a acalmava, como se o mundo lá fora fosse um quadro em movimento. Quando o carro finalmente parou, seus olhos analisaram o local antes mesmo de sair: um aeroporto.

Do lado de fora, os seguranças da Cosa Nostra já aguardavam, posicionados ao lado do jato particular da Mattioli Corporation, que ostentava um selo discreto na fuselagem. Angelina, inquieta como sempre, disparava perguntas, mas recebia apenas risadas evasivas como resposta.

Seguiu Lorenzo para dentro da aeronave, onde foram recebidos por uma equipe educada e discreta. Acomodou-se em uma das poltronas, seus olhos inevitavelmente recaindo sobre o homem à sua frente. Lorenzo ajeitou-se, e o olhar que lançou para ela era suspeito, carregado de um mistério que nenhuma de suas perguntas conseguia decifrar.

Espero que tenha inventado uma desculpa bem bonitinha e convincente para o nosso sumiço. — soltou no ar, provocativa, tentando conter o riso. — Se a chata da Donnatela descobrir...

Sua frase ficou suspensa no ar enquanto o avião começava a decolar. Ela levou aos lábios o champanhe oferecido pela aeromoça, saboreando o gosto doce que, há tempos, não experimentava.

A ausência de uma mala começou a preocupá-la, mas Lorenzo, com a calma habitual, garantiu que Paola, a governanta, já havia cuidado de tudo.

Céus, até a Paola entrou nessa história? — riu, sua voz ecoando suavemente pela cabine, misturando-se ao ruído abafado dos motores.

Mas a leveza do momento logo deu lugar a uma seriedade que ela não esperava. O olhar de Lorenzo mudou, e ela inclinou-se instintivamente, como se quisesse reduzir a distância entre eles e captar melhor suas palavras. Ele falava de escolhas e do futuro que a aguardava, um destino que parecia tão inevitável quanto qualquer outra coisa.

Meu amor... — murmurou Angelina, sua voz aveludada contrastando com o peso de suas palavras enquanto esticava seu braço para alcançar as mãos dele. — Assim como sua mãe, eu nasci e fui moldada para isso. Desde pequena, exigiram de mim perfeição. Sempre fui preparada para ser a sombra de um homem poderoso, mesmo nunca desejando esse papel. Nunca tive outra escolha, na verdade, nunca tive escolha pra absolutamente nada.

Ela suspirou profundamente, como se estivesse exalando anos de submissão e frustração.

Se Angelina pudesse escolher uma vida, escolheria algo tranquilo e feliz. Seria a florista que cultiva beleza em cada gesto, o padeiro que encontra amor no calor do lar, ou até mesmo um pássaro, que não pertence a lugar nenhum, mas transforma o mundo inteiro em sua casa.

Ela parou por um momento, observando Lorenzo. Um sorriso suave iluminou seus lábios, mas seus olhos brilhavam com lágrimas contidas.

Mas agora, você me tá me dando a oportunidade de escolher... e eu escolho você, Lorenzo. Porque a liberdade não vale nada se não for ao seu lado.

Havia uma coragem vulnerável em sua declaração, um amor que desafiava as amarras de sua realidade. Angelina sabia, melhor do que ninguém, o que significava ser a esposa de um Don. Era uma vida de luxos cintilantes e sombras densas, de jantares opulentos que escondiam segredos mortais. Era caminhar por corredores decorados como palácios, mas que mais se pareciam com prisões.

Ela aceitaria os riscos, a constante vigilância, o peso de um amor que, muitas vezes, se torna uma moeda de troca em um mundo impiedoso. Estaria pronta para ser mais que uma mulher ao lado de um homem poderoso; seria o escudo, a máscara e o alicerce que sustentaria o equilíbrio entre caos e controle.

Mas, naquele momento, nenhum desses fardos importava. O que importava era a escolha. Pela primeira vez, a escolha era dela.

E Angelina, com toda a força de seu coração, escolheu Lorenzo. Escolheu o calor de seus toques ao invés dos ventos livres. Escolheu a incerteza e o perigo, porque amar também é um ato de coragem.

Ela sabia que as consequências viriam. Sempre vêm. Mas, naquele avião, preferiu não pensar nelas. Afinal, o amor verdadeiro é também a maior de todas as apostas.

E ela apostou tudo nele.

𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽Onde histórias criam vida. Descubra agora