𝟑𝟐 ⌁ 𓈒 ֹ ANGELINA CORVETTI ˳ׄ ⬞

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Angelina compreendeu que Giorgia sempre tivera razão quando avistou a ilha de Stella pela primeira vez. O lugar era, de fato, deslumbrante. Foi tomada por uma sensação quase vertiginosa ao contemplar a paisagem diante de si - um espetáculo onde a natureza e o homem pareciam ter conspirado para criar algo à altura dos sonhos mais refinados. A ilha, esculpida para ser ao mesmo tempo imponente e encantadora, combinava elegância com história, um luxo moderno que não apagava o charme preservado de seu passado.

Os resorts erguiam-se com uma arquitetura de linhas arrojadas, as varandas projetando-se sobre o azul cristalino do oceano, como mirantes suspensos sobre a vastidão do mar. Angelina imaginou o luxo secreto que cada suíte guardava, a vista impressionante que se revelaria ao amanhecer, como se os hóspedes fossem personagens dentro de uma pintura aquática.

Mas não era apenas o glamour que a fascinava. A natureza, cuidadosamente preservada, parecia mais viva e vibrante do que jamais vira, e seus olhos brilhavam diante daquela visão. Ela desejava gravar cada detalhe, inspirando-se em cada linha, cor e textura daquela paisagem.

Enquanto a mansão dos Mattioli e os resorts ao redor se enchiam com os convidados que chegavam à ilha, Angelina lamentava não ter explorado cada canto vazio do lugar no dia anterior. A extensão da ilha, com todos os seus recantos secretos, era grande demais para se desvendar em poucas horas. Mas sabia que, cedo ou tarde, faria disso uma missão.

Apesar de estar tomada pelos preparativos do noivado, um aperto incômodo invadia seu peito. Talvez fosse a expectativa de ver Lorenzo depois de alguns dias de ausência, ou a iminente presença de seu pai, com quem teria de lidar mais uma vez. A personalidade rude de ambos pressionava-a de uma maneira sufocante. Tentava afastar esses pensamentos, ocupando-se com qualquer outra coisa que mantivesse a mente em movimento. Preferia o cansaço ao sufocamento que a própria mente lhe causava. Mas, vez ou outra, traída por suas próprias lembranças, ela se via pensando em tudo novamente, como em uma onda que a puxava de volta para o mesmo lugar.


Angelina buscava refúgio da incessante movimentação ao seu redor, cansada do falatório que preenchia todos os recantos da ilha. O fluxo constante de convidados, ansiosos pelo grande noivado, fazia a mansão principal dos Mattioli parecer um labirinto inescapável.

Seus passos ecoavam suavemente pelo piso de mármore dos longos corredores, enquanto ela tentava encontrar um canto de silêncio, onde pudesse estar sozinha com seus pensamentos.

Explorando uma ala menos frequentada, notou um corredor estreito que a intrigou. As portas ali eram majestosamente esculpidas, mas uma delas, de madeira escura adornada com entalhes de vinhas e uvas, se destacava das demais. Havia algo na forma como a luz refletia em seus detalhes que parecia convidá-la a entrar.

Atrás daquela porta, uma escada descia, e conforme Angelina seguia por ela, o ar tornava-se mais denso, carregado com o aroma terroso das uvas envelhecidas. Ao chegar ao final e acender a luz, ficou maravilhada com a visão da adega privada: prateleiras de carvalho subiam até o teto, repletas de garrafas organizadas com meticuloso cuidado, cada uma etiquetada com nomes que contavam histórias de safras antigas. No centro, uma mesa de madeira polida com taças finas e uma seleção de vinhos raros refletia a luz suave, fazendo os rubros e dourados dos líquidos brilharem de forma hipnotizante.

Angel caminhou lentamente pelo espaço, tocando as garrafas com reverência, absorvendo o silêncio confortável daquele ambiente. Ao se aproximar da mesa de degustação, notou um caderno de anotações ao lado de uma garrafa especialmente antiga. Curiosa, abriu-o e se perdeu nas descrições das técnicas de cultivo, nas nuances de cada safra, nos segredos guardados por cada rótulo. Por um instante, esqueceu-se de tudo, imersa na beleza daquele momento, voltando sua atenção para as garrafas.

O silêncio, porém, foi interrompido por uma voz inesperada que fez Angelina paralisar. Seu coração acelerou ao perceber que era Lorenzo. Por dias, ela tentara evitá-lo, afastando-se de sua presença, mas ali estava ele, no único lugar onde ela havia encontrado paz. Sentiu o caos ressurgir dentro dela, e ao se virar devagar, não fez questão de esconder a raiva em seu rosto.

Pelo amor de Deus, será possível que você não tenha um pingo de educação? — disparou, cruzando os braços com firmeza.

Ela bufou, fechando os olhos e tentando controlar a onda de frustração que a inundava. Respirou fundo e, ao abrir novamente, encarou-o de frente.

Vamos lá, Lorenzo, qual é o seu problema? — insistiu, sem lhe dar tempo para responder. — Eu tento te entender, juro que tento. Passamos por um inferno juntos, você se abriu para mim, e agora me trata como se eu fosse um monstro?

─ Eu te trato como um monstro? ─ disparou o homem a sua frente, os olhos brilhando com uma mistura de dor e raiva. Sua voz estava carregada de uma indignação que fazia o ar ao redor deles parecer mais denso, quase impossível de respirar. ─ Eu me expus para você, Angelina. Te mostrei quem eu realmente sou, abri o meu coração de uma forma que nunca fiz com ninguém. E para quê? Para correr para os braços dele como se eu fosse apenas uma sombra?

Pela primeira vez, Angelina deixou suas emoções falarem por si, ignorando completamente o fato de estar falando com o Don. Ali, naquele porão, o que via diante dela não era o líder da Cosa Nostra, mas apenas Lorenzo Mattioli.

Foi pra isso que eu vim para a Italia, merda! Foi para isso que fui criada a vida toda.

Angelina ainda não entendia o motivo pelo qual Lorenzo se incomodava tanto com a proximidade dela com Enrico, e isso a deixava ainda mais revoltada.

─ Ai você diz que eu não "sirvo" para o seu irmão? - sinalizou as aspas com os dedos, lembrando-se da forma como ele a desmerecera no jantar. - Então me diz, Lorenzo, que tipo de mulher serve para ele? Donnatela? Seria melhor se eu fosse como ela? Ou como as mulheres com quem vocês estão acostumados?

A cada palavra, Angelina se aproximava sem notar, sendo guiada por sua inquietação.

O que eu preciso ser para que você me veja como alguém que vale a pena? — continuou, sua voz carregada de uma vulnerabilidade que ela não conseguia mais esconder.

Sentia o peso de cada palavra reverberar dentro dela. Ao buscar uma resposta, parecia esquecer-se de sua própria força, desejando ser algo que Lorenzo poderia valorizar. Naquele momento, o porão, com toda sua grandiosidade, pareceu pequeno demais para conter o turbilhão que Angelina sentia.

Você é só um babaca arrogante que acha que pode controlar a vida de todos ao seu redor — sua voz transbordava indignação. — Você pode comandar muitas coisas, mas não o futuro do seu irmão. E muito menos o meu. Eu e Enrico vamos nos casar, quer você queira ou não.

A declaração era um desabafo furioso, e a cada palavra ela se aproximava mais do rapaz, esquecendo a distância respeitosa entre eles.

E eu tenho tanta raiva de você, tanta raiva que não consigo por em palavras. Acho até que raiva é pouco, eu odeio tudo o que você me faz sentir. A forma como suas palavras cortam, como seu silêncio é sufocante. Eu odeio isso, odeio tudo. Eu odeio você! — exclamou, sentindo os olhos arderem. — Sinto vontade de te bater e...

Angelina apontou um dedo firme no peito do homem, deixando a indignação fluir livremente. Mas quando seus olhos finalmente encontraram os dele, as palavras sumiram. Por um instante, o mundo se calou, como se tudo ao redor tivesse deixado de existir. Silêncio. O silêncio que buscava finalmente a envolvia, mas agora, diante dele, parecia ter outro significado.

Sem pensar, movida por um impulso irrefreável, ela tocou seu rosto e puxou-o para um beijo forte, carregado de vontade e, acima de tudo, saudade. Perdeu-se naquele toque, ignorando o tempo.

Quando finalmente se afastou, sua boca ainda quentes, levou uma mão aos próprios lábios, em choque com o que havia feito.

Meu Deus, me...

Tentou se desculpar, mas no fundo, sabia que não havia motivos para pedir desculpas. Afinal, não nos desculpamos por algo que se desejamos fazer com toda a alma.

𝗙𝗜𝗥𝗘 𝗔𝗡𝗗 𝗕𝗟𝗢𝗢𝗗 - @𝗅𝟢𝗌𝗍𝗋𝖾𝗂𝖽Onde histórias criam vida. Descubra agora