40 | Marina

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A manhã tinha um ar pesado, como se a própria casa estivesse absorvendo a tensão que nos envolvia. Os primeiros raios de sol atravessavam a janela do quarto, destacando as partículas de poeira que dançavam no ar. Eu me sentia exausta, mas sabia que precisava criar coragem para encarar a Rosane. Não havia espaço para fraqueza. A noite passada havia deixado marcas profundas — não apenas na minha mente, mas também no ambiente ao meu redor.

Vestida com minha calça jeans favorita, um pouco desbotada, e uma camisa branca que trazia a ilusão de leveza, encarei o espelho. Meu reflexo parecia tão cansado quanto eu me sentia. As olheiras sob meus olhos denunciavam as horas perdidas de sono, e meus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo malfeito, reflexo da pressa e do desânimo. Respirei fundo, tentando reunir algum ânimo, mas o peso no peito não aliviava.

Roberto ainda dormia profundamente. Seus traços, normalmente marcados pela intensidade e determinação, agora estavam relaxados, quase inocentes. Ele parecia alheio ao caos que tínhamos causado, embora eu soubesse que isso era apenas aparência. Ele ficara acordado até quase o amanhecer, debatendo em silêncio as possibilidades do que fazer a seguir. Eu não tinha respostas para ele. Não tinha respostas nem para mim mesma.

Meus passos pelo quarto eram pequenos e constantes, enquanto eu tentava organizar a avalanche de pensamentos. Quando finalmente decidi sair, um frio percorreu minha espinha ao me aproximar do corredor. A porta do quarto de Rosane estava aberta, revelando o vazio que eu já esperava, mas que ainda assim me provocava um aperto no coração. Desci as escadas lentamente, o aroma de café me guiando como um lembrete do que era familiar em meio ao caos.

Na cozinha, encontrei Rosane. Sua postura estava diferente, menos rígida, mas ainda carregada de algo que eu não conseguia decifrar completamente. De costas para mim, ela lavava a louça de forma quase mecânica, os movimentos repetitivos talvez sendo uma tentativa de encontrar alguma paz. Seus cabelos estavam presos de qualquer jeito, e o pijama amarrotado parecia refletir o estado interno dela. Fiquei parada na porta por alguns segundos, tentando reunir a coragem necessária.

— Bom dia. — Minha voz saiu mais baixa do que eu esperava.

Ela se virou levemente, o rosto sem expressão, mas os olhos carregados de mágoa. O simples assentir dela foi o suficiente para me fazer estremecer. Sem querer perder o momento, decidi me aproximar. Meu coração batia forte, mas minha voz saiu com mais firmeza.

— Quero te pedir desculpas por você ter descoberto daquela forma.

Rosane colocou a última peça de louça no escorredor, enxugando as mãos com um pano antes de finalmente me encarar. Seus olhos buscaram os meus, como se tentassem encontrar algo além da confusão e do arrependimento.

— Não te culpo por nada do que aconteceu com o Roberto, Nina. — Sua voz era inesperadamente suave, mas cada palavra parecia pesar uma tonelada. — A culpa é minha. Eu deveria ter prestado mais atenção em você. Deveria ter te orientado melhor. Mas você sempre pareceu tão independente, tão madura para a sua idade... Esqueci que você ainda é uma menina, que precisa de alguém para te guiar.

O nó na minha garganta apertou. As palavras dela eram ao mesmo tempo um consolo e um golpe doloroso. Eu sabia que a culpa não era apenas dela. Na verdade, ela tinha razão em me culpar.

— Sendo honesta… mesmo que você tivesse sido mais presente, eu teria feito o mesmo. — Minha voz era hesitante, mas sincera. — Desde o momento em que conheci o Roberto, eu senti algo... Eu sei que é horrível dizer isso, mas não quero mentir. A atração sempre esteve lá. E, no final, fui eu quem decidiu seguir em frente com isso.

Ela me olhou por um longo momento, como se tentasse decidir o que dizer. Por fim, suspirou, os ombros caindo levemente.

— Eu percebi. Eu via como você olhava para ele. Mas achei que fosse só uma fase, como aquelas paixões bobas que garotas têm por caras mais velhos, maus ou diferentes. Nunca imaginei que você fosse realmente se envolver com ele sabendo que ele é meu quase ex-marido.

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