Capítulo 1

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Fim de mudança, um dos maiores alívios da vida. Nada mais de caixas ou poeira, tudo limpo e organizado. E depois de tomar um banho muito relaxante de banheira, tudo o que eu queria fazer era deitar na minha cama, mas minha irmã mais nova, Kara, insistia para que eu colocasse todos os cabos na TV antes de respirar.

Por isso desci as escadas fingindo um ânimo que eu não tinha e fui até a nossa nova sala de TV, conectei os cabos onde deveria e liguei o aparelho, Kara, ao ouvir o barulho, correu até a sala, sorriu para mim com seus olhos castanhos enormes e sentou no nosso novo sofá branco, que eu sabia, depois de alguns meses, se tornaria em marrom.

Detectei um sinal de fome na minha barriga e me arrastei até a cozinha, onde minha mãe, uma mulher alta, magra e de cabelos castanhos claros cacheados estava. Encarava a grande janela da cozinha, de onde dava para ver a rua, com um copo de água na mão, e suspirava de segundo em segundo. Eu não sabia se ela estava feliz com a mudança, mas provavelmente não estava, o motivo daquilo tudo, não era feliz.

- Sabe, a casa é realmente legal - eu disse, chamando sua atenção

- É... - ela respondeu, e suspirou novamente 

- Mãe? - chamei 

Ela me olhou, mas com o olhar tão vago e perdido que me deu pena.

- Vamos ficar bem - eu sorri 

- Ah, Kaya. Você é uma grande mentirosa - e então ela sorriu, caminhou até mim, tocou minha mão e se retirou.

Na verdade, eu não era uma grande mentirosa, eu não era nada boa em mentir. Mas eu estava falando a verdade. Nós íamos ficar bem. Não que eu estivesse feliz com a mudança, eu não estava, nem um pouco, mas eu sabia que dávamos conta de tudo. O problema, é que tudo era tão estranho. Nossa antiga casa era cheia de fotografias, em todos os cômodos tínhamos porta-retratos, mas esses porta-retratos estavam agora guardados em caixas e nunca mais sairiam de lá. Mamãe não queria lembranças, o que eu achava ridículo. Exatamente por isso, subi as escadas atrás dela e entrei em seu quarto.

- Vamos tirar as fotos das caixas. - eu disse, simplesmente.

- Não - ela nem me olhou, permaneceu deitada na cama, encarando o teto.<br>

- Ele não morreu sabe? Está há 60 km. No presídio.

- Eu me lembro disso em todos os segundos desde que ele foi preso na minha frente, Kaya - ela quase sussurrou 

- Ok. Então, pra quê guardar as fotos? 

- Pra que eu esqueça que ele não está aqui por alguns segundos! 

- Mãe...

- Kaya, nós mal chegamos aqui, as pessoas já nos conhecem, já sabem o que ele - e então ela fez aspas com as mãos - fez, e nos olham torto. Eu preciso de uns segundos sem lembrar de tudo isso.

- Eu quero as fotos, ponho algumas no meu quarto. Eu preciso me lembrar dele, e que ele não matou ninguém - foi minha palavra final e saí.

Meu pai era Tommas Stockler, preso há um mês, acusado de matar o melhor amigo. Fora transferido para um presídio de segurança máxima, motivo da nossa mudança. Além de querer um novo começo, nossa família queria ficar o mais perto dele possível. Então nos mudamos para essa pequena cidade no litoral do nosso país. A cidade tinha 30 mil habitantes, não é tão pequena assim, mas ainda assim, é pequena. Papai tinha sido preso numa tarde de terça feira, enquanto jogávamos cartas e ouvíamos um rock clássico no rádio. Eu estava com enxaqueca e Kara não parava de gritar. A polícia bateu na porta e declarou prisão para ele na nossa frente. Quando disseram que ele tinha sido acusado de matar o tio Carlos, eu ri. Primeiramente porque eu não sabia que ele tinha morrido, segundamente porque eles eram melhores amigos muito antes de eu nascer ou de minha mãe aparecer na vida do meu pai. Não fazia o menor sentido. Mas Carlos havia sido encontrado morto em sua casa e no corpo dele, assim como em alguns objetos próximos a ele, estavam as digitais e marcas de sapato do meu pai. Quando aquilo foi dito olhei para o meu pai, ele estava com um olhar de arrependimento, mas não de culpa. E antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, eles o levaram. 

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