Capítulo 18

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Acordei confusa, não lembrava de ter ido dormir. Olhei o quarto ao meu redor, meus olhos caíram sobre o notebook de Carlos. Aberto e ligado. Caminhei até o banheiro, lavei meu rosto, escovei os dentes e sentei novamente em frente ao notebook. Naquele momento planejei ficar ali o dia inteiro, parando apenas para o essencial. Liguei para o serviço de quarto e pedi algo para comer, estalei alguns ossos da coluna e respirei fundo. Voltei aos arquivos.

"Uma das piores coisas que pode nos acontecer, é o conflito entre nós mesmos. Quando nós mesmos não nos entendemos, mas precisamos entender para que possamos sair da angústia. E se nós não nos entendemos, quais as chances de alguém nos entender? Isso tem acontecido tão frequentemente, que já me acostumei em calar o mundo, imergir em mim mesmo, e tentar me entender. Infelizmente, não tenho conseguido êxito. Estou fora do trilho. Devo voltar? Ou devo ficar onde estou?"

Abri um documento vazio no notebook para fazer anotações. Carlos estava em conflito consigo mesmo. E não conseguia se compreender. Talvez ele não soubesse ao certo o que estava fazendo. O que ele estava fazendo?

Depois de fazer algumas anotações, e comer o que haviam trazido para mim, abri outro arquivo.

" 'Às vezes é bom não saber o que é certo e errado', ela disse, olhando o horizonte enquanto eu a observava. Perguntei o que ela queria dizer com isso. 'Certo e errado pressionam, as vezes quero a alma livre. Você não?' Então sorriu e me olhou, vi nela algo que não vira ainda, mesmo a conhecendo por anos."

Confusa, agoniada e angustiada, peguei meu celular e digitei rapidamente o número de Kat. Ainda o sabia de cor. Costumava ligar para ela em alguns momentos de crise. Ela atendeu no segundo toque.

- Preciso de você – falei

- O que houve?

- Estou lendo os arquivos dele. Não consigo fazer isso sozinha.

- Estou a caminho. – ela disse e desligou.

Mais ou menos meia hora depois, Kat apareceu no quarto do hotel, completamente disposta a me ajudar. Sentou-se ao meu lado, respirou fundo e leu comigo alguns arquivos. No entanto, os arquivos que abrimos naquela tarde apenas descreviam como Carlos se sentia. Confuso, perdido, disposto a fazer a coisa certa, mas sem saber o que era o certo. Depois de algumas horas, fechei os olhos e massageei as têmporas, estava exausta mentalmente. Kat levantou, e pediu algo para comermos. Quando a comida chegou, comemos em completo silêncio. Não havia espaço para nossas vozes, os pensamentos preenchiam tudo. Estávamos confusas, e quanto mais nós líamos, menos respostas tínhamos, apenas mais questões.

- Vamos dar uma pausa – Kat disse, quando terminou de comer – Eu tenho que resolver algumas coisas. Saia com seus amigos, quando voltarmos, continuamos, certo?

Não respondi. Eu queria continuar, embora estivesse muito cansada, pois queria que aquilo acabasse o mais rápido possível, mas eu não tinha certeza se conseguia.

- Não seja imediatista, Kaya – falou, pegando suas coisas e se preparando para partir – Tudo acontece em seu devido tempo.

Assenti, e dei um meio sorriso, ela sorriu de volta e saiu.

Assim, que ela saiu, sentei novamente de frente para o notebook e abri um dos últimos arquivos.

"Estou roubando dela. Como posso? Não me sinto mal enquanto faço, sinto-me alegre, cheio de vida, sinto-me... Extasiado! Como se nada mais pudesse me fazer feliz. Mas quando paro, e estou distante... Vejo que não é justo."

Até aquele ponto, eu havia aprendido, por meio daqueles arquivos, que Carlos não escrevia de forma literal. Ele usava palavras para disfarçar outras. Achei que naquela pasta, tudo seria verdadeiro, seria a forma mais pura de seus pensamentos e emoções, mas percebi que estava errada. Tudo se tratava de enigmas, quebra-cabeças cruéis que me estressavam.

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