O sol estava torrando do lado de fora da casa, e ainda entrava pela minha janela com certa força. Com ele, o calor. Meu quarto estava vazio, a não ser por latas de tinta, ferramentas, eu e Isaac.
- Para de olhar pra fora - Isaac revirou os olhos - Você pediu minha ajuda, não que eu fizesse tudo sozinho.
- Você é um reclamão - eu ri e dei um tapa nele.
Isaac estava pintando minha parede de um certo tom de azul, meu plano era colar fotos em toda aquela parede, fotos minhas, com meu pai, amigos, etc.
- Quando isso acabar, eu quero no mínimo uma foto minha nessa parede - ele continuou reclamando.
Peguei meu celular e tirei uma foto dele pintando a parede, todo sujo de tinta, sem camisa, reclamando.
- Vai ser essa, então. - eu mostrei a ele
- Apaga isso - ele riu
- Não mesmo.
Ele tentou pegar meu celular, corremos pelo quarto por alguns segundos até que ele segurou meus braços de modo que eu não conseguia me soltar, ficamos face a face, nos olhando. Um segundo. E então, tinta na minha cara.
- Eu vou te matar! - gritei
- Você nem se sujou ainda, eu to todo sujo aqui - ele disse, entre risadas.
- Eu te odeio - falei, rindo.
- X - Um barulho de foto e a voz da minha mãe - Essa foto devia ir pro seu mural.
Ela nos mostrou, eu e Isaac rindo, sujos de tinta, ao ver a foto, nós sorrimos.
- Definitivamente, vai estar no mural - falei
- É bom mesmo - Isaac disse
- Trouxe um lanche pra vocês - minha mãe colocou sanduíches e suco num banco.
- Obrigada senhora - Isaac sorriu.
- Isaac, me chame de Melissa - ela revirou os olhos, sorriu e saiu.
- Sua mãe está com um humor melhor. - ele observou.
- Recebeu uma proposta de emprego - eu disse, sentando para comer. - Embora essa proposta, como todas as outras coisas, esteja sendo afetada pelo nosso rótulo.
Isaac não respondeu, só assentiu. Sentou e começou a comer.
- Posso te fazer uma pergunta? - eu o olhei, ele assentiu novamente, dessa vez, comendo. - Porque você me levou naquele lugar quando me viu, você sabe... Chutando a lata? Poderia simplesmente não fazer nada, ignorar, passar sem dizer nada, mas ao invés disso você me levou lá, e não me largou até agora. Por que?
- Por que... - ele sorriu, um sorriso puro e verdadeiro - eu sei o que você está passando, sei como é ser o vira-lata.
- Eu sou uma vira-lata? <br>
- É, rejeitada, ignorada, esquecida - ele riu - e brava.
Dei um tapa na cabeça dele e ele continuou rindo.
- O ponto é - ele prosseguiu - aquele lugar foi a única coisa que me ajudou, eu passei por isso praticamente sozinho, eu não podia simplesmente não fazer nada.
- Você... Pode contar?
- Meu irmão também foi preso. Tráfico de drogas. Quando ele foi preso, a cidade inteira começou a me tratar como leproso. Inclusive meus amigos. Então eu conheço, a raiva, a solidão.
Eu não consegui dizer nada, nem sequer uma palavra. Apenas o olhei, reconhecendo uma pessoa como eu, mas completamente diferente. E eu estava imensamente grata, por ele ter entrado na minha vida, por nossas vidas terem se entrelaçado, e não por acaso.

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Interlace
RomanceUm assassinato acontece, e depois disso, tudo muda. Nova cidade, nova vida, porém mesma angústia, dor e confusão. É uma saída acreditar na inocência, mesmo quando tudo aponta o contrário? Ou é a verdade? Em meio ao caos, a nova cidade oferece um por...