13. Promessa

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- Por favor, pode me emprestar suas anotações sobre a aula de hoje? - pediu Alex
Corrêa, no final da aula de geografia do primeiro tempo, enquanto eu guardava meu material na mochila. Eu o havia visto bater papo a aula inteira com Bruno Henrique,
uma versão mais franzina do próprio Alex, então não me admirava que ele precisasse
recorrer a alguém para pedir anotações emprestadas.
- Hã, claro! Mas, minha letra não é muito boa, então... não sei se conseguirá decifrá-la.
- confessei, enquanto lhe entregava o caderno. - Tem bastante coisa, viu? - eu disse, caminhando para fora da sala.
Alex me seguiu pelo corredor.
- Prometo que te devolvo amanhã. - garantiu, guardando meu caderno na mochila, quando chegamos em frente ao banheiro feminino. - Não sei o que seria de mim sem você!
Ele estava sorrindo para mim, um sorrisinho meio esquisito que não consegui entender.
- Disponha. - escorreguei para dentro do banheiro, dando as costas para aquela fileira alva de dentes.
Na hora do almoço tive a maior decepção, não vi Robert Castro.
Como ele não estava em sua mesa, quando me sentei no refeitório com meus colegas,
resolvi dar um pulinho na biblioteca antes do sinal tocar, mas ele também não estava lá, passei pelo laboratório de biologia e também pela quadra de esportes, nada. Só então resolvi checar o estacionamento. Decepção total. A vaga embaixo do ipê amarelo estava vazia, nenhum jipe preto me esperava alí.
Não consegui me interessar pelas últimas aulas. Estava tão inquieta que só pensava em ir para casa. O dia havia sido insuportável.
Voltei para casa com Marcos, pedalando desanimada debaixo do sol forte - sempre forte.
Quando viramos a esquina, entrando em nossa rua, avistei, saindo da frente do nosso
prédio, um carro muito familiar. Um carro que eu já havia visto na entrada da casa da família Castro.
Meu coração disparou. Acelerei o ritmo das pedaladas, tentando alcançar o carro que se
afastava.
- O que foi? - gritou Marcos, surpreso com minha reação exagerada.
Parei ofegante em frente ao prédio, fitando a traseira do carro que já dobrava a outra
esquina.
- Aquele carro, o prata, era o carro da Clarice e acho que estava saindo da frente do nosso prédio. - eu disse, quando Marcos parou ao meu lado - Será que ela procurava por mim? Será que... queria falar comigo?
Um início de pânico se instalou em mim. Robert não fora a escola, e agora o carro da tia dele aparecia na frente da minha casa? E se tivesse acontecido alguma coisa?
- Clarice não é a única a ter um Citroen prata no Rio de Janeiro, Ísi, por favor! - disse Marcos, subindo na calçada. Parecia irritado. Havia uma intimidade na forma como ele se referiu a Clarice, e isso logo levantou suspeitas.
- Você a conhece? - perguntei, indo atrás dele.
Marcos não me olhou, abriu a porta do prédio e seguiu para debaixo das escadas, trancou sua bicicleta e depois, ainda evitando me olhar, pegou minha chave no guidom, destravou a tranca e prendeu minha bicicleta também.
Quando se virou deu de cara comigo. Esperando uma resposta.
- Não, eu não a conheço. - respondeu secamente, com o queixo trincado. Sua resposta não me convenceu.
- Parece que tem alguém mentindo por aqui! - observei.
Marcos cerrou os olhos.
- Tá, talvez eu conheça essa Clarice, e daí? - ele deu de ombros, como se essa revelação não fosse importante.
- De onde a conhece? - indaguei com mais urgência do que pretendia. Não fazia
sentindo para mim que Marcos conhecesse a tia de Robert.
Ele me ignorou e começou a subir as escadas em completo silencio.
- De onde conhece Clarice? - insisti, parando na frente dele, dois degraus acima.
Marcos hesitou alguns segundos, talvez decidindo se responderia minha pergunta ou tentaria passar por mim correndo. Acho que ficou com a primeira opção.
- Certo, e se eu te dissesse que talvez Clarice não tenha vindo até aqui para falar com
você? E se eu te dissesse que talvez tenha vindo falar com... Suzana.
- Suzana? - indaguei perdida, afinal o que Clarice teria para falar com Suz?
Meu amigo encarou-me, esperando até que todas as peças se encaixassem em minha
cabeça de vento. Torrei alguns neurônios, utilizando-me das pistas implícitas em seu
olhar, e, com muito esforço, elaborei um palpite. Era mais uma pergunta que um palpite na verdade. Uma pergunta sem fundamento sólido e um pouco indiscreta, mas foi só o que consegui.
Tomei coragem para dizer o que estava pensando, rezando para que Marcos não se
chateasse demais comigo.
- Quem é o pai da Jéssica? - eu nunca tinha me perguntado isso antes, porque de fato
não me interessava. Até agora.
Marcos me encarou por um momento e, quando finalmente falou, respondeu a minha pergunta indiretamente.
- Você não deixa passar nada, heim? - observou com um suspiro.
Isso queria dizer que eu estava certa.
- Por que nunca me contou? - perguntei.
Ele riu ironicamente.
- Faria alguma diferença, pra você?
Marcos sentou-se no degrau da escada em que estava, desci um pouco e sentei-me a seu lado.
- Certo. Então Clarice estava aqui para... - instiguei.
- Trazer um cheque.
- O Sr. Castro... dá dinheiro pra vocês? - tentei não colocar julgamento em minha
pergunta.
- Para Jéssi, - corrigiu Marcos, quase ofendido - afinal, ele é o pai dela!
- Claro! - concordei constrangida com minha precipitação. - Não quis ofender.
Marcos pendeu a cabeça para o lado e sorriu.
- Clarice insiste em entregar o cheque pessoalmente todo mês. Sei lá, talvez para ter certeza de que o dinheiro está sendo bem gasto. - ele suspirou irritado.
- Olha... sei que não é da minha conta, mas por que Suz se envolveu com um homem
casado? Quero dizer, ela é jovem, bonita e inteligente, então... por que entrar nesse tipo
de furada?
- Ela não sabia que ele era casado, desconfiava, mas estava apaixonada demais para levar a sério qualquer desconfiança, e então quando ela descobriu que estava grávida, seu príncipe encantado disse que era casado e que não deixaria a esposa em hipótese alguma.
- Que... canalha!
- É. - Marcoss concordou sorrindo e pareceu gostar do adjetivo que usei. - Suz ficou arrasada e resolveu contar tudo para a esposa traída. Mas, obviamente, Clarice perdoou o marido. Sabe como é essa gente rica, não é? Fazem de tudo para evitar um escândalo. Então tudo ficou bem no final. Mas quando Jéssi nasceu o casal Castro foi visitar Suz e a bebê no hospital e fizeram a oferta de adotarem a criança por uma boa quantia em dinheiro.
- Adotar Jéssica?
- Não percebeu meu sarcasmo na palavra adotar? - perguntou ele sorrindo. - Eles
queriam dar dinheiro à minha irmã em troca da criança, entende isso?
- É, acho que sim. - murmurei incrédula. - Isso... não é contra a lei?
- É claro que é, Ísi. E só por isso eles não entraram na justiça pra tirar Jéssi de Suzana, porque Suz tem uma carta na manga. Ou você acha que aquela mulher desistiria assim facilmente do sonho de ser mãe?
- Sonho de ser mãe? - indaguei insegura de minha curiosidade.
__ Você não sabia? - Marcos sondou-me.
- Sabia o quê?
- Clarice não pode engravidar. - revelou espantado com minha surpresa mal
disfarçada. - Quando Jéssica nasceu, ela implorou a Suzana pela criança, coitada.
Nunca vi uma mulher tão angustiada como ela estava naquela manhã, seus olhos... ela
parecia uma louca psicótica, que não se importaria de ser a mãe da filha do marido com outra mulher, tamanho era seu desespero. Confesso que senti pena, realmente senti pena dela, por mais que eu quisesse negar, aqueles olhos despertaram compaixão em mim, mas... depois veio a história do suborno. - Marcos interrompeu-se com um suspiro contrariado.
- Entendo! - murmurei, sentindo a cabeça pesada com tanta informação.
Jéssi era filha de Suzana com o Sr. Castro, portanto, enteada de Clarice, sobrinha de
Marcos, e prima de Robert e Sofia? Que loucura! E ainda tinha a parte do suborno, a
esterilidade de Clarice, a traição do Sr. Castro...
Era um bocado de coisa para se absorver de uma só vez. Pelo menos agora algumas
coisas faziam sentido, como por exemplo, a falta de simpatia de Marcos e Lena com
Robert. Os dois eram apegados demais a pequena Jéssi para conseguirem sorrir para o sobrinho da mulher que lhes quis tirar a criança.
Que absurdo, como se Robert tivesse alguma coisa a ver com isso.
Fui pra cama cedo aquela noite, depois de fazer o dever de casa e ajudar Lena com a
louça do jantar, e tive um sonho. Foi um sonho reprisado, como se eu tivesse voltado às cenas de um filme na TV.
Era o mesmo sonho do jardim, com as árvores, o manto branco flutuante sorrindo-me medonho enquanto escondia-se na escuridão. Eu sabia que estava sonhando, mas não conseguia conter o pavor cada vez que os risos de meu companheiro invisível chegavam até meus ouvidos.
Acordei ofegante no meio da madrugada, sentei na cama e esfreguei os olhos tentando
enxergar na escuridão. Meu relógio de cabeceira marcava 2h43min. Percebi o quanto eu estava sedenta. Levantei e arrastei-me sonolenta até a cozinha. O apartamento estava na escuridão total, mas não acendi as luzes pelo caminho, eu já sabia como chegar à cozinha mesmo sem enxergar nada. Fui até a geladeira e me servi do que restava de um suco de laranja, não foi o suficiente, então bebi um pouco de água gelada, lavei o copo, enxuguei-o e coloquei-o no armário dos copos. Meus movimentos eram automáticos, eu estava bêbada de sono.
Então, enquanto eu seguia pelo corredor escuro até meu quarto, um barulho me fez
parar no caminho. Era um arranhado baixo e vibrante, como alguém passando as unhas
num quadro negro. Por um segundo não respirei para poder ouvir melhor.
O som parecia distante, mas eu tinha certeza de que vinha... do meu ateliê?
Caminhei lentamente para lá, ainda prestando atenção ao ruído, temerosa com o que poderia encontrar pela frente. Seria possível que tivessem ratos naquele apartamento?
Abri a porta com cuidado e tentei perceber alguma coisa no escuro. Aparentemente tudo igual.
Acendi a luz fraca, passei os olhos pelo cômodo. Nada. Não havia nada ali e
estranhamente o ruído havia cessado com a claridade.
Apaguei a luz novamente. Dessa vez a escuridão parecia mais intensa pelo fato de meus olhos terem acabado de sair da luz. O ruído voltou, arranhando alguma coisa com
cuidado no fundo do pequeno quarto. Meu coração disparou.
Acendi a luz outra vez, pronta para um flagra infalível.
Silêncio absoluto.
"Que ratos espertos", pensei, entrando no cômodo. Meu corpo tremia
involuntariamente. Procurei, sem saber bem pelo o quê, e tudo o que encontrei foram
pincéis, tubos de tinta, paletas, telas... Nada de diferente havia alí.
Respirei aliviada e sorri sozinha balançando a cabeça para espantar o que restara do
medo.
Eu devia estar impressionada com meu sonho, era isso. Caminhei até o cavalete, tirei o lençol que cobria minha tela frustrada. Ver o esboço do rosto de Robert com certeza me
ajudaria a dormir melhor. Era medíocre demais para ser o rosto do garoto que eu
conhecia, mas era só o que eu tinha. Seus olhos acinzentados olharam-me com carinho, desejando-me boa noite. Encarei-o por um instante e não consegui deixar de sorrir enquanto o cobria outra vez.
Resolvi voltar pra cama, o sono ainda me pesava nas pálpebras, então, de repente,
enquanto eu caminhava para a porta, um vento morno, quase quente, tocou meu corpo, por trás, jogando meus cabelos por cima dos ombros.
Girei nos calcanhares e olhei para a janela do cômodo.
Estava fechada.
Meu coração congelou, a respiração perdeu o ritmo, fiquei imóvel no meio do quarto,
esperando minhas pernas terem forças suficientes para sair dali.
De onde viera o vento? E por que eu tinha a impressão de que não era um vento comum
como qualquer outro? Por que de repente eu tinha a forte sensação de que não estava
mais sozinha? Permaneci imóvel, esperando que alguma coisa acontecesse: mais ruídos
ou um novo vento. Tornei-me uma estátua no meio do quarto, apavorada e de olhos
arregalados. Esperei, mas não houve nada.
Esforcei-me para me convencer de que o sono cooperara para que eu exagerasse as
coisas. Eu devia voltar a dormir. O ruído não voltou quando apaguei a luz pela última vez e saí.
Voltei pra cama tentando não pensar no que acabara de acontecer. Concentrei-me nos
olhos que eu havia pintado. E dormir com a imagem dos olhos de Robert Castro foi bem mais fácil.
Tive um segundo sonho aquela noite. E fora outro sonho reprisado, mas dessa vez
era um sonho que eu não cansaria de sonhar.
Robert estava diante de mim, encarando-me profundo, mas dessa vez parecia haver algo
diferente em seus olhos, preocupação talvez. Mas não importava muito, ele estava alí
comigo. E permaneceu assim, até a manhã seguinte.

Mais um capítulo, pra vocês! Ebaaa!!!!
Nem ouso tentar me desculpar pela demora nas atualizações. Acho que já nem tenho mais este direito. É um verdadeiro milagre que alguém ainda esteja acompanhando a história, mesmo eu demorando um bocado com novos caps.
Bom, espero que gostem, votem e comentem!!!!
Bjs bjs!!!!!!

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