12. O Gênio da Lâmpada (II parte)

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Rodamos mais alguns quilômetros até pararmos em frente a uma espécie de boteco de beira de estrada, mas que parecia, razoavelmente, aconchegante e limpo.
Descemos do carro e entramos.
O lugar era apertado, quente e lotado de gente, o que era bastante estranho àquela hora do dia. As pessoas nos olharam quando passamos pela portinhola. Pareciam esses tipos mal encarados que marcam território e querem arrumar briga com qualquer um que ouse olhar em sua direção. Fiquei cautelosa, mas Robert parecia muito
à vontade alí, por isso consegui me sentir um pouco tranquila.
O bar era mal iluminado, mesmo durante o dia. O cheiro de álcool e a fumaça de cigarros impregnavam o ar, mas não chegava a ser realmente desconfortável. Duas garçonetes: uma velha e gorda, a outra pouco mais velha que eu e muito magra, trabalhavam servindo as mesas espalhadas de forma desordenada pelo salão. Todos pediam apenas cerveja.
Robert encontrou uma mesa para nós perto da janela, nos sentamos e quinze minutos depois a garçonete franzina veio nos trazer o cardápio.
- Como vão as coisas, Rita? - perguntou Robert educadamente. Fiquei meio
impressionada por ele falar com aquela garota com certa intimidade.
Discretamente eu a analisei, não a sua aparência, mas a forma como ela reagia a Robert.
Estranho, essa Rita devia ter algum problema sério, ela praticamente nem estava olhando para o deus grego que havia lhe perguntado como iam as coisas. Parecia meio irritada, enquanto segurava o bloquinho de pedidos e batucava com a caneta. Olhou-me de viés algumas vezes enquanto eu fingia analisar o cardápio.
- O que vão querer? - perguntou ela, arrancando o cardápio das minhas mãos
cuidadosamente. Olhei para Robert, sentindo-me meio intimidada.
- Vou querer o de sempre, - ele disse sorrindo para ela. Rita fechou ainda mais a cara. - E você? - perguntou ele, sorrindo para mim.
- Hã... o de sempre para mim também? - eu disse em dúvida. Nem imaginava o que seria
esse "o de sempre".
- Certo, o de sempre. - ela anotou em seu caderninho - E pra beber? - ela olhava pela
janela enquanto fazia a pergunta. A irritação era tão latente em seu rosto que de repente achei que entendia o porquê ela não nos olhava. Talvez estivesse irritada por achar que eu fosse mais que uma amiga, talvez ela tivesse sido mais que uma amiga um dia.
- Coca-cola, por favor! - eu disse timidamente.
- Duas! - disse Robert sorridente.
A garota saiu para a cozinha pisando fundo. Robert riu baixinho quando ela se afastou.
- O que foi isso? - perguntei - Por acaso ela é alguma ex-namorada? Porque, sei lá, parece que não gostou muito de me ver com você.
Robert parou de rir.
- Talvez ela não tenha gostado muito de me ver. - corrigiu com humor, mas sem sorriso.
- Então ela é mesmo uma... ex-namorada? - eu começava a duvidar que "o de sempre"
passasse pela minha garganta, de repente havia algo entalado alí.
- Não, claro que não. Rita nunca foi minha namorada. - disse Robert sério. Problema de
entalo resolvido. - Ela é só uma... amiga. - garantiu, para meu alívio total.
- E por que acha que ela não ficou feliz em te ver?
Robert meneou a cabeça.
- Rita é meio... bipolar. - foi a única resposta que ele me deu. Depois, me olhando dentro dos olhos, com aquela preocupação quase desnecessária que quase sempre tomava conta de suas feições, quis saber como eu estava me sentindo.
__ Está mais calma?
__ Acho que sim. - respondi simplesmente, mas acho que não consegui ser muito
convincente, porque a preocupação nos olhos dele não diminuiu nem um pouquinho.
Nossos pratos chegaram, e estranhei o fato de que quem os trouxe foi a garçonete mais
robusta. Acho que Rita se recusou a nos servir.
__ Desejam mais alguma coisa? - perguntou a senhora, com uma gentileza delicada, bem
diferente da outra garota.
__ Não, obrigado! - respondeu Robert sorrindo, e tive a impressão de que o rosto da senhora se iluminou por um brilho de surpresa ao ver aquele sorriso encantador. Ela olhou para mim, antes de se afastar, e sorriu balançando a cabeça positivamente, como que aprovando, ou me parabenizando, sei lá, por ter como companhia alguém com um sorriso como aquele.
Comemos o de sempre, que pra meu alívio eram: panquecas de queijo e batatas fritas.
- Você tinha razão, a comida aqui é mesmo muito boa! - elogiei.
- Bem, na verdade não foi apenas pela comida que eu te trouxe aqui. - sussurrou Robert, com uma sobrancelha levantada para mim.
- Não? - indaguei surpresa.
Ele se levantou e me tomou pela mão, arrastando-me dali.
- O que está fazendo? - perguntei timidamente. As pessoas das outras mesas se viravam e olhavam curiosas para nós.
- Acho que está faltando um pouco de diversão neste lugar! - reclamou Robert animado.
- O quê? - não entendi.
- Música! - alarmou ele, o sorriso no rosto todo.
Foi só então que me toquei. No canto esquerdo do salão, havia um pequeno palco e um desses aparelhos obsoletos de Karaokê. E era exatamente para lá que estávamos indo.
- Robert, não... - implorei, enquanto ele me arrastava pela mão.
- Sim! - ele estava se divertindo com aquilo. Robert colocou-me em cima do palco. Não fui capaz nem de impedir que ele fizesse isso. As pessoas nos olhavam ansiosas, já esperando pelo show.
- E então? Que música vai cantar? - perguntou ele, estendendo-me o menu de títulos.
- Ah, esquece... Não vou faze isso! - arfei com convicção. Eu estava tremendo. As pessoas aguardavam com os olhos pregados em nós.
- Seus fãs já estão esperando! - advertiu, indicando os rostos que eu evitava olhar. Permaneci paralisada. - Qual é, Ísi? Você disse que queria fazer isso um dia, não disse? Então, qual o problema desse dia ser hoje? - Psicologia reversa? Ah, ele sabia como ser persuasivo.
- Sem chances. Isso é... loucura. Eu não sei cantar... - murmurei envergonhada. Minha voz estava esganiçada de pavor.
- Sabe que não precisa se preocupar com notas, afinação, nem nada disso. A intenção é se divertir, lembra? - recordou ele, usando exatamente minhas palavras. Ele olhou novamente para a plateia, que já parecia entediada com a demora. - Vamos dar um pouco de diversão a eles... e a nós! - insistiu.
Respirei fundo. O que eu tinha a perder?
- Ah, tudo bem! - murmurei em rendição, ainda pasma por estar mesmo concordando com aquilo. - Com uma condição! - alertei, o dedo indicador em riste. Robert levantou as mãos espalmadas para mim, como quem está disposto a aceitar qualquer oferta. - Você me acompanha? - disparei, esperando que ele recusasse e assim eu não precisaria seguir em frente.
Robert sorriu abertamente e piscou um olho para mim, antes de responder.
- Não te deixaria ganhar todos os créditos sozinha! - anunciou.
Suspirei, derrotada.
Analisei o menu e escolhi a música aleatoriamente - I don't want to miss a thing.
- Essa aqui! - informei a Robert, e ele selecionou no aparelho.
Segurei o microfone com força, enquanto ouvia atentamente a canção, esperando o momento certo para entrar com minha voz esganiçada. Eu conhecia aquela música, todo mundo conhece música de filme, mas não sabia toda a letra, por isso meus olhos estavam pregados ao televisor minúsculo, onde a primeira frase aparecia com uma paisagem de inverno ao fundo.
Prestei muita atenção, mas na hora certa minha voz simplesmente não saiu.
Fiquei muda.
Eu estava tremendo, mas dessa vez não apenas por constrangimento, mas sim porque ele estava cantando. Eu sabia que não devia estar surpresa, afinal, com aquela voz rouca e divinal, cantar não devia ser problema para Robert. Mas eu simplesmente não conseguia evitar o choque "Ele é perfeito demais", ouvi a vozinha no fundo da minha cabeça murmurar sem ar.
Por sorte Steven Tyler não estava alí para ouvir, acho que ele ficaria deprimido. A música parecia muito mais profunda e verdadeira na voz arrebatadora de Robert.
Eu não conseguia respirar.
Ele cantou sozinho a primeira estrofe inteira, os olhos em mim, enquanto eu ainda tentava destravar.
- Vamos, cante! - sussurrou rapidamente, quando a música seguiu para o refrão.
Com alívio e satisfação, consegui encontrar minha voz em meio a surpresa, entrei um pouco atrasada com as palavras, mas consegui acompanhá-lo sem me perder.
Demorou um pouquinho, mas quando dei por mim, eu estava berrando no microfone,
totalmente entregue, totalmente à vontade. Nada importava, eu era a própria rock star.
Foi incrível, um dos momentos mais divertidos da minha vida. As pessoas cantaram com a gente, bateram palmas e até dançaram. Outras pareciam não estar gostando muito da minha falta de afinação - Rita, por exemplo -, mas o que isso importava?
Eu estava cansada e ofegante quando voltamos para nossa mesa.
- Caramba! - eu disse, tentando respirar - Isso... foi demais!
Olhei para o rosto do garoto a minha frente. Como não amá-lo? Como não deixar que meu coração, minha alma e tudo o que havia em mim pertencessem exclusivamente a ele? - O que foi? - perguntou Robert, preocupado com minha expressão, de repente, distante.
- Nada. - murmurei - Eu... só queria te agradecer, mas dizer "obrigada" não parece a forma mais correta de fazer isso, nem o suficiente para compensar tudo o que faz por mim.
- Não tem que se preocupar em me agradecer, te ver sorrindo já é o bastante!
Por que ele precisava dizer essas coisas? Tentei sorrir, não consegui.
- Algum problema? - perguntou, analisando-me incansavelmente.
- Você é bom demais pra ser amigo de uma pessoa como eu. O que eu faço por você? Nada. Enquanto você está sempre me divertindo - reclamei, baixando os olhos.
- Isso não é verdade, você me diverte muito mais do que imagina.
- Ah, claro, eu tenho tanto senso de humor. Sou tão engraçada e divertida que nem eu
mesma me aguento. - ironizei.
Ele riu.
- Está vendo? Até quando não quer você me diverte. Eu estava em dívida com você.
- Bom, considere sua dívida paga, então! - eu disse.
- Ainda não. - ele me sorriu maliciosamente. - Falta um item da sua lista de loucuras.
- Não vou pintar meu cabelo! - disparei, realmente apavorada com a ideia. Pintar o cabelo de roxo era o tipo de loucura que eu ainda não estava preparada para cometer.
Robert riu abertamente de meu desespero.
- É claro que não vai! - afirmou com segurança, enfiando a mão no bolso da camisa.
Ele me estendeu um pequeno envelope branco. Segurei-o cautelosa, ainda temendo que a qualquer momento ele tentasse me persuadir. Eu sabia que não conseguiria dizer não a ele.
Nunca.
- Abra! - ordenou ainda sorrindo.
Com muito cuidado e curiosidade abri o envelope.
Robert me olhava, ainda mais sorridente, quando voltei a encontrar seus olhos.
- Você disse que gostaria de pelo menos saber como ficaria. - ele deu de ombros - Acho que já dá pra se ter uma ideia. Não ficaria ruim.
Ele riu baixinho, enquanto eu voltava a analisar uma foto minha com o cabelo pintado de roxo. Era uma montagem perfeita, qualquer um que olhasse juraria que meu cabelo era mesmo daquela cor.
- Aonde conseguiu essa foto? - perguntei depois de um minuto divertindo-me com o novo look.
- No seu quarto! - disse, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
- Quando? Como? - perguntei em alerta. Não me lembrava de tê-lo deixado sozinho em meu quarto nem por um minuto.
- Um dia desses, não me lembro. - ele estava sendo evasivo demais.
- Você roubou esta foto do meu quarto e diz que não se lembra quando, nem como?
- Nossa! Há um segundo você não sabia como me agradecer, e agora está me acusando de roubo? - ele sorria tranquilamente, relaxado na cadeira.
- Não seria a primeira vez!
__ Aquele carro não é roubado, meu tio me emprestou, é sério - aquele seu sorrisinho ia
acabar me matando um dia - E, tecnicamente, também não te roubei, estou devolvendo sua foto, não estou? Isso devia contar pra alguma coisa.
Continuei em silêncio, esperando que ele se tocasse e respondesse minha pergunta. Depois de alguns minutos, tentando esgueirar-se com papo furado, ele finalmente entendeu que eu só voltaria a falar quando ele me dissesse a verdade.
- Tudo bem! - ele se rendeu. - Foi na semana passada. Estávamos lendo no sofá e você disse que iria ao banheiro. Aproveitei para ir ao seu quarto, e tirar uma foto da foto em que você e sua amiga estão montadas nos cavalos, depois usei um programa do celular para editar a imagem... Eu sinto muito, sei que não devia
ter mexido nas suas coisas sem sua permissão, mas...
- Tudo bem. - eu o interrompi. - Eu só queria saber a verdade! - depois sorri e olhei para a foto mais uma vez antes de guardá-la no envelope. - Acha mesmo que não ficaria ruim? - Robert me sorriu de volta balançando a cabeça, então tive certeza de que ele havia sido sincero com o comentário.
Passei a mão pelos meus fios algumas vezes, ajeitando o cabelo atrás da orelha.
- Mas ainda prefiro o seu tom, - completou ele ainda sorrindo, - principalmente ao sol! - apesar do sorriso, seus olhos eram estranhamente sérios. - E gosto também quando você faz isso.
- Isso? Isso... o quê? - indaguei surpresa e perdida.
Robert estendeu lentamente uma mão para meu cabelo, os olhos fixos nos meus. Paralisei completamente.
- Gosto quando coloca o cabelo atrás da orelha... desta forma. - ele ajeitou uma mexa com delicadeza. - É tão... você. É algo que não precisa pensar para fazer, é automático, natural, como respirar.
Permaneci muda, a respiração vacilante. Aquilo era mais do que eu estava preparada para suportar.
Passamos o dia inteiro juntos, dirigindo pelas ruas da cidade. E Robert me deixou em casa
pouco antes do jantar.
- Nos vemos na segunda! - prometeu.
- Na segunda, claro! - concordei, desanimada.
Um dia inteiro sem Robert? O que eu faria se começasse a sofrer uma crise compulsiva de
abstinência? Isso realmente poderia acontecer, já que eu não sabia mais o que era ficar tempo demais longe dele.
Esperei ansiosa pela segunda-feira, e ela, como quem brinca de pique-esconde, fugiu de mim o domingo inteiro, mas finalmente a alcancei.

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