14. Mais difícil do que deveria ser.

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Encontrei Robert na biblioteca, antes do segundo tempo. Ele olhava os livros na estante.
- E aí? - perguntei, tentando parecer natural, mantendo os olhos nos livros também - Aconteceu alguma coisa ontem? Porque... você não veio à escola, então... - dei de ombros sem conseguir terminar a frase. Achei melhor me calar antes que fosse tarde demais, eu poderia acabar falando coisas desnecessárias do tipo "Procurei seu carro por todo o estacionamento" ou "Fiquei deprimida o restante do dia quando percebi que você não tinha vindo a escola". Isso seria bem constrangedor.
Robert manteve os olhos nos livros.
__ Resolvi prolongar o final de semana, só isso! - disse, pegando um livro qualquer e
folheando-o sem muito interesse.
Senti uma pontada aguda bem no meio do estomago ao ouvir sua resposta.
"Só isso?" Eu me sentia tão idiota. Passei o domingo inteiro desejando desesperadamente a segunda-feira, para finalmente poder colocar meus olhos sobre o rosto dele outra vez, enquanto ele apenas desejava prolongar o fim de semana, isso!
Sufoquei, com um suspiro seco, a dor que começava a se alojar em meu peito lentamente, eu tinha uma missão a cumprir - convidá-lo para o cinema - então não podia ficar deprimida agora.
Respirei fundo antes de começar.
__ Tem planos para hoje, depois da escola? - perguntei diretamente, sem rodeios, queria obter uma resposta rápida e sair correndo da frente dele.
Robert nem ao menos pareceu pensar a respeito, sua resposta foi automática.
- Tenho.
- Ah, tudo bem! - eu não conseguia distinguir se achava aquilo bom ou ruim. Não ter que aturar Beatriz se derretendo toda pra cima dele seria um alivio, entretanto isso significava também não passar mais algumas horas ao lado dele. - Tudo bem! - repeti, sentindo minha
voz desaparecer no ar. Não ficar deprimida seria meio difícil afinal.
Robert encarou-me por um instante, buscando o fundo dos meus olhos com um olhar intenso.
Aquele era um olhar que eu conhecia bem. Ele já havia me olhado daquela maneira outras vezes, talvez não tão intensamente como agora. Aquele era o olhar que me fazia perder o ar, que me dizia que meu coração e minha alma não mais me pertenciam, era o olhar que me levava ao paraíso.
Puxei o ar com violência, depois de alguns minutos sem oxigenação interior, e soltei-o
pesadamente lembrando que não devia perder a calma.
- O que foi? - ele quis saber, quando abanei a cabeça, discordando da voz irritante em minha mente que me dizia para não me iludir com aqueles olhos.
- Nada. - murmurei, corando por ter sido tão transparente
- Nada? - ele sorriu, induzindo-me a falar.
- Bom, é que às vezes... você me olha... de um jeito... - me interrompi, dando de ombros.
O sorriso desapareceu do rosto dele.
- Que jeito? - ele ainda me encarava.
Estava fazendo de novo.
- Como está me olhando agora, por exemplo! - acusei, cada vez mais sem ar.
Robert manteve o olhar.
- E isso te incomoda? - perguntou num murmúrio rouco.
Ofeguei involuntariamente.
- Não. - garanti - É que... só é meio... diferente! - confessei, esforçando-me para continuar respirando.
Ele riu, mas não parecia achar graça, e depois de alguns segundos finalmente desviou os olhos, libertando-me. - no fundo eu não queria estar liberta.
Mantive os olhos em seu rosto, não tinha força suficiente para olhar para qualquer outro lugar.
Por que ele precisava estar ainda mais bonito hoje? As coisas já estariam bem difíceis com sua beleza habitual, mas naquela manhã ele estava excepcionalmente mais bonito do que em qualquer outro dia. Seus cabelos brilhavam mais do que era permitido que um cabelo brilhasse; seus olhos eram como chamas acesas no quadro de seu rosto, não havia muitas nuvens, apenas uma ou outra, mas que não trariam chuva alguma. Ele também parecia mais alto, mais forte, muito, muitíssimo mais atraente do que sempre fora. Seus braços, soltos ao lado do corpo, totalmente relaxados, não pareciam com os braços do Robert que eu vira da última vez. As linhas definidas de seu rosto pareciam ter sido aperfeiçoadas milimetricamente. Era mais do que meus olhos podiam suportar. E seus lábios...
Robert virou-se para me encarar novamente, acho que percebeu minha imobilidade súbita encarando loucamente seu rosto, estreitou os olhos para mim e ergueu uma das sobrancelhas perfeitas, como se questionasse o motivo de eu estar com aquele ar de quem acaba de ver
passarinhos verdes.
"Não fique babando em cima de mim... Eu não suportaria olhar pra você se você se apaixonasse..." As palavras dele começaram a dançar dentro da minha cabeça.
"Droga. Não posso simplesmente ficar encarando ele assim toda vez. Isso é ridículo."
- O que acha de irmos ao cinema depois da aula? - falei, seguindo para outro corredor de livros. A única forma de não ficar olhando para ele era não estar perto dele.
Robert me acompanhou.
- Qual filme?
- Que importância isso tem? Você quer ou não ir ao cinema comigo? - eu disse enfatizando a última palavra e me arrependendo em seguida.
Ele riu alto. E seu riso me fez lembrar o verdadeiro motivo daquele convite. Lembrei-me também do meu sonho, o segundo sonh, e não consegui evitar a ideia de que mais alguém havia sonhado com ele a noite passada. "Eu prometo" foi o que eu disse a ela. Foi o que prometi a uma garota desesperada. Agora não tinha volta.
- Comigo e... com Beatriz. - emendei rapidamente.
- Beatriz? - ele repetiu com espanto.
- Sim, e... Marcos também. - completei com cautela.
- Marcos?
- Algum problema?
- Não, só pensei que... deixa pra lá. - ele pareceu decepcionado, ou estaria apenas furioso?
- E então, você topa? - perguntei, na esperança de que a resposta fosse uma negativa total.
- Claro! - disse, sem o ânimo de um minuto atrás.
Suspirei.
__ Mas você já não tinha planos?
__ Acabei de cancelar! - ele estava quase sério.
- Ótimo! - eu disse - A gente se fala depois, então. - murmurei e saí quase correndo para dar a notícia à Beatriz, não sem antes ir ao banheiro tomar fôlego.
Beatriz quase se ajoelhou aos meus pés quando eu lhe disse que Robert aceitara o convite.
Farpas pontiagudas açoitavam meu consciente, obrigando-me a lembrar que havia uma promessa a ser cumprida, e que, por esse motivo, meu coração não devia doer, como estava doendo.
Passei o dia rezando para que um dos dois, Robert ou Marcos, aparece para cancelar tudo, já que eu tinha certeza de que Beatriz não faria uma coisa dessas. Fiquei pensando que, se até o fim do dia, ninguém cancelasse eu mesma cancelaria.
Bom, o dia passou e, como um milagre vindo direto dos céus, Marcos disse, na última hora, que não poderia ir, teria que ficar de babá da Jéssica.
__ Suz teve uma consulta de emergência, com um de seus clientes problemáticos - justificou-se ele, quando bati em sua porta pra dizer que Robert passaria para nos pegar às 17:45.
Desconfio de que foi mais uma desculpa descabida do que uma emergência de verdade, mas, de qualquer forma, era uma tensão a menos.
Lena não chegaria do hospital antes da 18:30, por isso deixei um bilhete na porta da geladeira, avisando que estava no cinema com um "pessoal" da escola, e que ela não precisava se preocupar, eu estaria de volta às 21:00.
Então, lá estávamos nós, Beatriz e eu, no carro de Robert, indo para o cinema. Ela não gostou muito da ideia de ir no banco de trás, mas colocá-la lá não foi minha culpa. Mesmo tendo passado na casa dela antes, Robert insistiu para que trocássemos de lugar, pra que eu fosse na frente.
Para compensar o fato de estar "longe" dele, a garota tagarelou o caminho todo. Ás vezes eu resmungava alguma coisa, outras Robert fazia isso no meu lugar. Era nítido que nenhum de nós estava totalmente à vontade.
Enfim chegamos e a única sessão que não estava esgotada já havia começado há alguns minutos e exibia um filme de ação, qualquer coisa com o nome "Fúria sobre Rodas", ou "Velocidade sobre Rodas", sei lá.
Beatriz prontificou a se dizer amante dos filmes de ação, Robert parecia não fazer objeções quanto ao gênero, e o que eu pensava pouco importava naquele momento, contanto que colocasse os dois sentados lado a lado, como Beatriz me havia feito prometer: "Assim, poderei me aproximar dele sutilmente."
Compramos nossos bilhetes e entramos. A sala não estava muito cheia, escolhi uma fileira bem no meio, e entrei no estreito corredor de poltronas vermelhas, seguida de Robert e de Beatriz logo atrás dele. Sentei e os dois fizeram o mesmo.
Eu, Robert, Beatriz e uma sessão de cinema pela frente. Ah, aquilo era tão Dawson's Creek: hipérboles juvenis, dúvidas desnecessárias, triângulos amorosos...
Sara e eu costumávamos assistir a alguns seriados dos anos noventa que passavam no canal por assinatura, e a história eternamente confusa e tumultuada de Dawson e Joe era nossa preferida, embora sempre achássemos que boa parte dos conflitos apresentados fossem realmente um exagero das personagens.
Mas agora eu estava começando a mudar de idéia quanto a isso.
Beatriz, enfim, estava sentada ao lado de Robert, mas eu sabia que não havia cumprido minha promessa totalmente - eu não devia estar sentada ao lado dele, devia estar sentada na outra poltrona, ao dela.
Olhei para a grande tela a nossa frente que mostrava dois homens conversando em um bar.
Deduzi que a ação ainda não havia começado, porque os dois conversavam descontraidamente enquanto tomavam cerveja. Senti-me colada à poltrona macia e confortável. Eu estava rígida e pouco à vontade. Meus olhos fitavam a tela, mas pela visão periférica pude notar Robert, também pouco à vontade ao meu lado, ou talvez, pouco à vontade ao lado de Beatriz. Pensei
por um instante que tipo de sutileza ela poderia estar pensando em usar naquele momento.
Segurar a mão dele, talvez? Não, ela não chegaria a isso, certo? Mas se ela não seguraria a mão dele o que mais sutil do isso ela poderia fazer, então?
- Argh! - arfei, baixo demais para um grito, alto demais para o cinema.
- Shhh! - sussurrou Robert para mim. - Calma, o filme só está começando. - ele estava sorrindo.
Dois carros haviam se chocado causando uma explosão estrondosa que me tirara num salto de minhas indagações, para me colocar à sombra da sala de projeção.
- Não acredito que você se assustou com isso! - comentou ele num sussurro mais baixo que o primeiro e com um sorriso reprovador nos lábios.
As chamas vermelho-alaranjadas tomavam conta de toda a enorme tela, iluminando a sala, permitindo que eu visse nitidamente os olhos de Robert, intrigados e divertidos me encarando.
- Eu não... estava esperando por isso! - justifiquei.
Ele balançou a cabeça reprovando. O fogo na tela ardia em seus olhos e eu não conseguia
desviar os meus olhos dele.
"Beatriz", lembrei-me. Eu devia deixar as sutilezas para ela, não era sensato ficar encarando Robert depois de ter feito uma promessa.
Desviei, contragosto, os olhos para a tela onde a cena da explosão já havia sido substituída por uma festa de aniversário infantil. Os dois homens do bar estavam presentes na festa também. Eles conversavam baixo, desta vez planejando algo que não entendi o que era, porque na verdade não estava prestando realmente atenção.
Beatriz colocava seu plano em ação.
Ela cochichava "sutilmente" alguma coisa no ouvido de Robert e todo meu esforço para tentar ouvir qualquer coisa era inútil. Ela tomava o devido cuidado de falar baixo o suficiente para que ninguém mais, além dele, pudesse ouvir, e a música idiota da festa de aniversário dificultava ainda mais meus esforços ridículos. Os dois riram baixinho e fui obrigada a fingir que estava entretida demais no filme para perceber.
De repente Robert inclinou-se para ela e também cochichou algo em seu ouvido. Acho que era a primeira vez que Beatriz ouvia a voz do "amor de sua vida" tão próximo. E eu imaginava como ela devia estar se sentindo.
Aquilo não devia me afligir. Eu não devia me incomodar.
Mas eu estava ridiculamente incomodada e aflita. Não era justo me sentir assim com o fato dele estar cochichando qualquer coisa no ouvido dela. Afinal não era exatamente para aquilo que eu os tinha levado lá aquela noite?
Uma pontada de angústia me feriu direto no estômago quando tive este pensamento, mas eu estava decidida, por mais que me doesse.
Se Beatriz tinha qualquer chance, a mínima que fosse, de ficar com Robert, eu não iria me colocar no caminho deles. Eu deixaria que os dois seguissem suas vidas felizes e juntos. Ela o conheceu primeiro, eu não tinha direito de atrapalhar nada, certo? Não seria eu a pedra no caminho dela.
Mas... Mesmo decidida, eu não podia deixar de sentir pontadas agudas no peito, por estar vendo Robert com os lábios a centímetros da orelha dela.
Aquilo era demais para mim.
Levantei-me furiosa comigo mesma, por ser tão ridícula e dramática.
- Aonde vai? - perguntou Robert ainda com o sorriso nos lábios pelo que acabara de dizer a Beatriz. Ela também sorria e seus olhos estavam completamente acesos.
- Vou... comprar um refrigerante. - bufei, passando por ele.
- Vou com você. - disse ele colocando-se de pé.
- Não! - eu praticamente gritei. - Se... quer alguma coisa eu... posso trazer para você -
falei, tentando disfarçar meu súbito desespero.
- Eu não sei bem o que quero, vou pensar no caminho. - respondeu ele pensativo, e em seguida virou-se para Beatriz e perguntou educadamente: - Você quer alguma coisa?
Ela se derreteu toda na poltrona, percebi que encontrava dificuldades até mesmo para continuar respirando, parecia uma completa idiota. E eu sabia que era exatamente este o efeito que ela causava nas pessoas, principalmente quando lhes perguntava educadamente com sua voz rouca se elas
queriam alguma coisa. Eu não podia culpá-la, qualquer uma ficaria com cara de idiota diante daquele rosto fazendo tal pergunta. Se Beatriz fosse um pouco mais ousada e se eu não estivesse presente, posso apostar que a resposta à pergunta dele seria "Você, eu quero você".
- Uma... Coca-Cola, por favor. - respondeu ela, com voz fraca.
Nós dois saímos. Eu andava na frente, torturando o chão a cada passo. Quando chegamos à sala das guloseimas Robert me
olhou intrigado.
- O que foi? - perguntei querendo saber o motivo para aquele seu olhar analítico.
- Não sei. Me diga você!
- Não gosto muito de filmes de ação! - murmurei convincente, dirigindo-me ao balcão.
- É só isso? - ele me sondava. Como era possível ele me conhecer tão bem? Qualquer outra pessoa acreditaria em minha desculpa, mas não ele. Robert sabia que algo além do filme estava me incomodando, eu só esperava que não soubesse o quê.
- Não vejo muito sentido em explosões, perseguições e fugas em alta velocidade - eu disse.
Um jovem no balcão se aproximou de nós.
- O que vão querer? - perguntou, sorrindo com simpatia.
- Duas Cocas e... uma pipoca, por favor! - respondeu Robert, retribuindo a simpatia. Ele era sempre muito educado com as pessoas.
- E uma Coca pra mim também, por favor. - eu disse antes que o rapaz se afastasse, mas
Robert interveio.
- Só duas mesmo. - disse, para o rapaz que assentiu com cabeça e saiu para providenciar os pedidos. - Uma pra Beatriz e uma pra você! - ele disse explicativo debruçando-se charmosamente sobre o balcão.
Mais uma vez ele mostrava que me conhecia, sabia que eu pediria Coca e se adiantara pedindo por mim.
- Quem te disse que eu ia querer Coca? - perguntei, como se fosse possível eu ter outra opção em mente.
- Se não ia querer, por que é que pediu Coca ao balconista, então? - ele tinha uma
sobrancelha levantada e um sorriso presunçoso nos lábios. Senti-me infantil.
- Tá, tudo bem. - eu disse. - Mas e se eu realmente não quisesse Coca? Você não pode ficar pedindo as coisas por mim. Eu poderia muito bem querer beber outra coisa.
Ele riu.
- Ísi, já saquei o quanto você gosta de Coca-Cola. Então não me venha com essa, sei muito bem que não ia beber outra coisa.
O rapaz voltou com os refrigerantes e a pipoca. Robert pagou e me fez cara feia quando insinuei que eu mesma pagaria pelo meu refrigerante.
- Não comece. - advertiu ele, sem nenhum humor na voz. Guardei o dinheiro sem discutir.
Quando bebi um gole do refrigerante, ele me olhou com satisfação e riu.
- O que foi agora? - perguntei impaciente. Ele meneou a cabeça.
- Até parece mesmo que você iria beber outra coisa! - Xeque-mate.
Enquanto voltávamos, caminhando devagar para a sala de exibição, fiquei pensando no por quê? Por que ele precisava me conhecer tão bem?
Seria muito mais fácil não entrar em nenhuma competição com Beatriz. Certamente eu não estaria sendo cravejada por agulhas finíssimas direto no peito apenas pelo fato de ele estar sorrindo para mim agora. Mas não, ele precisava dificultar as coisas, como se não bastasse ser
engraçado, inteligente, educado, divertido, charmoso, atencioso, gostar de conversar, de ler, de boa música, sorrir lindamente, ser bom no jogo de damas, e ser simplesmente lindo, ele precisava tornar-se uma espécie de amigo, precisava me conhecer mais e melhor do que eu esperava. Eu não tinha chances de resistir. Era uma batalha perdida desde o primeiro segundo.
Meus instintos, até então muito obedientes, me diziam aos berros que a competição seria inevitável, eu já estava envolvida demais para entregar os pontos. Não havia mais volta, mesmo que eu negasse com todas as minhas forças, eu iniciara a guerra com Beatriz no exato momento em que me levantei para sair da sala de projeção. Sair daquela sala foi o ponto de partida. Eu sabia que Robert não ficaria sozinho com ela pelo tempo que eu precisasse para comprar um refrigerante, mesmo que demorasse apenas um minuto. Eu sabia disso, e quis provar à mim mesma que ele preferia à mim do que à ela.
Estávamos de volta, e pude ver os olhos de Beatriz me fuzilarem quando passei por ela para me sentar em minha poltrona.
Eu, Robert e Beatriz.
Beatriz, Robert e eu.
Dependendo da ordem que eu colocasse uma de nós ficava separada dele por uma simples
vírgula, enquanto que a outra ficava unida a ele por uma simples conjunção. Robert e...?
De quem seria o nome? Heloísi? Beatriz? Nenhuma das duas?
Desisti de tentar acompanhar o sentido do filme, eu só queria ir embora. Não aguentava mais ter que fingir que estava assistindo a um filme do qual eu não fazia a menor ideia do que se tratava. Se alguém me perguntasse qualquer coisa sobre o filme, eu só saberia dizer que teve uma explosão alucinante e nada além disso. Eu queria, desesperadamente, sair daquele cinema
e dei graças aos céus, quando os créditos finais começaram a subir.
Do lado de fora da sala de exibição, tentamos nos manter unidos por causa do grande fluxo de pessoas que também saiam das outras sessões. Beatriz não desgrudava de Robert. Ela estava literalmente unida a ele.
Beatriz tagarelou ainda mais no caminho de volta - nenhum de nós três fez qualquer
comentário sobre o filme, talvez ninguém tenha prestado muita atenção.
Nós a deixamos em sua casa por volta das 20:30 e seguimos para o apartamento de Lena.
Robert estacionou na frente do prédio e desligou o motor. O rádio também estava desligado, então o silêncio que pairou foi absoluto. Eu sabia que devia dizer boa-noite, abrir a porta do carro, correr o mais rápido possível para dentro do prédio e esconder-me em meu quarto. Não era seguro ficar sozinha alí com ele, dentro de um carro silencioso, com pouca iluminação. Eu corria o risco eminente de fraquejar, de fazer exatamente o que eu queria fazer, mas que era exatamente o que eu não deveria fazer.
Respirei fundo, destravando o cinto de segurança. Depois de dizer boa-noite, eu realmente pretendia sair correndo, mas Robert de repente ligou o rádio e sorriu para mim. A música baixa nos envolveu - era a mesma trilha sonora que tocara no sábado.
"Você fez uma promessa, lembra?", atacou de imediato a voz no fundo da minha cabeça.
"Eu sei, e ainda estou tentando honrá-la" - argumentei em defesa própria.
"Tentando honrá- ficando aqui com ele?"
"Eu vou me despedir, quero olhar este rosto por mais um segundo."
"É melhor você entrar agora."
"Por quê?"
"Porque sei exatamente o desfecho que
imaginou para o final desta noite."
"Não posso sonhar?"
"Se não fugir agora, isso pode virar
um pesadelo"
"Nossa, você é irritante."
"Eu sei."
"Quer saber? Vou te provar que pretendo honrar minha promessa."
"Ah é, e como?"
- Beatriz é uma garota bem legal, não é mesmo? - eu disse em voz alta, enfatizando a parte do legal.
"Viu ?", provoquei a voz irritante.
Robert estreitou os olhos para mim. Eu sabia que havia exagerado no entusiasmo, mas
precisava provar que minhas intenções eram, ou pelo menos poderiam ser, realmente boas.
- Depende do seu conceito de legal! - foi a resposta dele.
" , é o melhor que pode fazer?"
"o enche."
- Ah, fala sério, Robert, ela é bastante divertida! - argumentei.
Ele deu de ombros.
- Pode ser!
" , o que me diz agora?"
"Quem pensa que está enganando, Ísi. Ele não disse nada demais, sabe disso."
"Por que não cala a boca?"
- Preciso entrar. - murmurei derrotada, ignorando o riso de vitória que soou alto apenas para mim.- Eu disse a Lena que estaria em casa às nove. - Robert olhou para o relógio do rádio.
- Te restam ainda cinco minutos! - por que ele estava fazendo isso?
"Entre agora."
"Está bem, não precisa gritar."
- O relógio da minha irmã é adiantado em dez minutos, ou seja, tecnicamente, estou atrasada. Então... boa noite. - murmurei infeliz.
Nesse momento, Robert fez o que eu mais desejava, e menos esperava que ele fizesse. Inclinou-se para mim e tocou os lábios, bem de leve, sobre a pele de meu rosto.
- Boa noite! - sussurrou, sorrindo, olhando-me direto nos olhos, como que pedindo permissão para avançar.
Acho que até a voz dentro da minha cabeça acabou ficando muda de expectativa.
Ah, ele estava tão perto... E era tão lindo. Eu podia sentir seu hálito morno e doce tocando meu rosto, embriagando-me compmetamente.
"O que eu faço agora?", implorei por algum conselho daquela voz irritante, mas a filha da mãe parecia não ter nada a dizer justamente agora.
Eu sabia que nao tinha muito que eu pudesse fazer. Ele já estava perto o bastante para que o beijo fosse realmente inevitável. Então, sem pensar em Beatriz, em promessas e em possíveis consequências, simplesmente fechei os olhos, dando à ele toda permissão do mundo. Eu só queria que ele me beijasse... Nada mais importava naquele momento. Eu só queria que ele me beijasse, e o mundo poderia acabar depois. Não importaria.
Esperei por alguns segundos, mantendo os olhos fechados, eu estava tremendo tanto, que tive medo de que ele escutasse meus dentes batendo uns nos outros. Eu esperei, ordenando à mim mesma que não fizesse nenhuma besteira do tipo, arrancar um pedaço dos lábios dele, ou quebrar um de seus dentes. Eu esperei, mas quando notei que a respiração dele não estava mais tocando meu rosto... Achei que era melhor abrir os olhos.
Sim, o mundo realmente poderia acabar agora, e eu ficaria muito feliz por morrer com o resto da humanidades, ao invés de morrer sozinha de constrangimento e humilhação.
Quando abri os olhos, Robert estava segurando o volante do carro, firmemente. O rosto sério, quase sombrio. Olhava para frente, para a rua iluminada pelos postes de luz, como se nunca tivesse passado por sua cabeça qualquer ideia sobre me beijar.
"Você devia ter fugido quando teve chance!"
"Por favor, agora não!"
Respirei fundo, reuni o que restava da minha integridade, abri a porta e
escorreguei para fora do carro.
Subi os degraus da entrada e ouvi o motor rugir alto quando fechei a porta atrás de mim. Parei um minuto para respirar, e deixar que algumas lágrimas escapassem, antes de enfrentar todos aqueles lances de escadas até o apartamento. Fiquei feliz que a voz irritante na minha cabeça não tivesse começado uma seção gratuita de tortura, talvez ela soubesse o quanto eu já estava mal, qualquer sermão seria desnecessário.


Capítulo looonnngooo kkkkk!
Espero que tenham gostado!
Comentem, para que eu possa saber as opiniões e expectativas de vocês!
Bjs bjs, e até a próxima!

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