41. Possibilidades

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Apenas me dei conta de que havíamos parado, quando Robert abriu a porta do caro para mim.
- Vamos? - disse, trazendo­-me de volta para a realidade.
Saltei do carro, ainda meio absorta em meus pensamentos e me deparei com uma casa de tijolos brancos. Era uma construção charmosa, o teto, quase vermelho e anguloso acima do segundo andar, dava a impressão
de que eu estava diante de uma casinha de bonecas em tamanho extra-grande. Olhei em volta e não havia nada além de árvores para todos os lados. Era uma casa no meio do nada. Fiquei feliz por estar no meio de
lugar nenhum com Robert. Respirei fundo de satisfação por, apesar de tudo, ter o que me era mais importante.
Ele.
O ar ali era úmido e tinha um cheiro salgado. Apurei meus ouvidos um
instante e lá no fundo, como uma canção esquecida, pude ouvir o barulho das ondas quebrando nas pedras.
- É... o mar? - perguntei espantada, com um fiozinho de alegria se irradiando em mim.
Robert confirmou com um movimento de cabeça, sorrindo ao sentir meu novo estado de espírito, depois pegou nossas coisas no carro e caminhou para a porta da frente. Eu o acompanhei.
Ele pegou a chave escondida no beiral da porta e a destrancou, esperou até que eu entrasse e então a fechou atrás de si. Meus olhos correram pelo ambiente, a casa parecia ainda maior vista dali de dentro.
No meio da sala um sofá marrom de vime ganhava espaço na frente de uma tela de TV imensa e uma estante abarrotada de DVDs; não havia tapete no chão. De frente para a porta de entrada, uma escada com
corrimão de madeira e ferro, levava aos cômodos de cima - provavelmente os quartos e banheiros. A cozinha ficava ao sul, depois de uma porta de abas. Tirei meu casaco e coloquei­o em cima do sofá.
__ É lindo aqui! - eu disse, seguindo pela sala espaçosa até uma porta de vidro inteiro, que me deixava ver o mar lá longe.
Robert me seguiu.
Aquilo era realmente lindo! Nos fundos da casa tinha uma varanda envidraçada com acesso direto à areia branquinha da praia.
- Meus tios quase nunca aparecem aqui, nem sei porque os dois compraram esta casa! - ele disse, encostando no batente da porta, as mãos nos bolsos da calça, a cabeça meio pendida para o lado, uma visão espetacular que aquecia meu coração tão machucado.
Sentamos nas espreguiçadeiras acolchoadas da varanda e ficamos contemplando o
mar. Eu poderia passar dias ali sem me entediar, sem me cansar, olhar o mar era um ato quase hipnótico para mim.

- Acha que ela está bem? - perguntei, depois de algum tempo em silêncio.
Não olhei para o rosto de Robert, mantive os olhos no mar, mas pela visão periférica pude ver que ele me encarava.
- Sara, acha que ela está bem, onde quer que esteja? - repeti a pergunta.
- É claro que ela está bem, Ísi. - foi só o que ele disse e era só o que eu precisava ouvir.
Sim, eu precisava acreditar que Sara estava bem, aonde quer que ela estivesse. Precisava acreditar que ela ainda estava cuidando de mim e me amando como sempre.
Fechei os olhos e não tentei impedir que as lágrimas voltassem, seria inútil tentar contê-las. Chorei em silêncio e em paz. A dor era grande em meu peito, mas não havia desespero, e de repente me dei conta de que era por causa dele. Meu anjo da guarda estava trabalhando duro para cicatrizar aquela ferida enorme e profunta em minha alma. Se não fosse isso, eu provavelmente não teria suportado.
Olhei para ele, mas Robert continuava encarando o mar, as mandíbulas tão contraídas quanto possível
- Obrigada! - murmurei, secando uma última lágrima em minha bochecha.
Robert se virou para mim, então levei uma mão até a altura do coração.
- Obrigada, por isso! - repeti.
Ele assentiu de leve, sabia pelo quê eu estava agradecendo.
Os olhos de Robert se demoraram nos meus longamente, daquele jeito intenso que sempre fazia meu coração doer um pouquinho, e havia alguma coisa diferente em seu olhar que fez meu coração doer um pouco mais que o habitual.
- Eu não pude sentir você! - ele disse, com uma calma calculada, uma calma inventada - Quando você estava nos fundos da casa da Amanda, no jardim, eu... eu não pude sentir você.
Continuei olhando para ele, tentando entender o que ele estava me dizendo, tentando entender aquela preocupação em seu olhar.
- Eu sabia que havia algo errado, quando voltei com os refrigerantes, você não estava me esperando na sala... Eu podia sentir sua vibração vindo através da noite, trazida pela brisa, mas... Eu não pude sentir seu coração, Ísi! - a voz de Robert parecia rouca demais, controlada demais. Eu estava com olhos vidrados naquele rosto magnífico.
Havia dor em seus olhos, e algum tipo de culpa também.
- Foi a primeira vez, desde que existo, que não sei o que você sentiu. Que não senti o que você sentiu. Não sei como ele fez isso, nem mesmo imaginei que fosse possível...
- Ogue? - indaguei, sentindo o peso daquele nome terrível. - É dele que está falando?
- Você disse que ele estava lá, não disse?
Robert me encarou por um instante, analisando meu rosto com cuidado.
- Sim, ele estava lá, ainda que apenas dentro da minha cabeça, mas... eu o vi aquela noite, tenho certeza disso!
As mandíbulas de Robert se travaram completamente, dava para ver seu maxilar se contraindo, enquanto ele se esforçava para manter a calma. Essa reação me deixou preocupada.
- Me diga o que sentiu, exatamente o que sentiu naquele momento... Por favor! - havia urgência no pedido dele.
Tentei me lembrar da sensação que me dominou quando encontrei aquele anjo perveso entre as arvores no pequeno bosque na casa da Amanda.
Meu coração se contraiu com a lembrança daquela risada sinistra ecoando através da noite, os lábios anêmicos e imóveis, enquanto as palavras maldosas chegavam até meus ovidos, trazidas pela brisa...
- Eu... não sei o que senti... eu... - era difícil tentar reviver aqueles instantes sombrios.
- Teve medo? - havia preocupação nas palavras dele.
Respirei fundo antes de responder.
- Sim... e não! - afirmei - Jamais senti nada parecido em minha vida, não tenho ideia de como descrever a intensidade da sensação, e honestamente, fico feliz em descobrir que você não experimentou aquela tortura.
Robert manteve os olhos em mim, depois suspirou longamente, voltando a encarar o mar. A impressão que eu tinha era de que ele não teria suportado tamanha emoção, sua estrutura tão pura, por mais que já tivesse provado inúmeras sensações através do meu coração, teria sucumbido com a experiência terrível de sentir o pavor da nossa separação precipitando-se através do sorriso daquele anjo quase demoníaco.

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