O dia amanheceu diferente...
Mágico.
Acordei com uma disposição que não sentia há dias. Tomei um banho gelado e quando olhei meu rosto no espelho do quarto, percebi que eu estava diferente.
Havia um brilho em meus olhos que não estava ali no dia anterior, minha pele parecia muito mais macia e quente. Eu parecia outra Heloísi.
Uma Heloísi feliz.
O sol brilhava do lado de fora da minha janela e também dentro de mim, as flores de minha primavera espalhavam suas cores por todo meu espírito, inundando-me com seus perfumes adoráveis.
Fechei os olhos e vi o rosto de Robert Castro diante de mim. Lembrei-me de meus dois sonhos, principalmente o segundo deles, tinham sido tão reais, tão vívidos... Dois sonhos diferentes em uma única noite? Estranho. Mais estranho ainda era conseguir lembrar perfeitamente de cada um
deles.
Tomei o café da manhã sozinha, Lena já estava no hospital, e quando Marcos me apanhou percebeu meu bom humor.
- Está feliz hoje? - perguntou a caminho da escola. Tentei controlar a alegria ao responder.
- Tive uma boa noite de sono, é isso. Fico com ótimo humor quando consigo dormir bem. -
justifiquei.
Percorremos o restante do caminho quietos. Nunca foi tão agradável pedalar pelas ruas
agitadas do Rio de Janeiro.
Assim que tranquei minha bicicleta, quando chegamos ao estacionamento do colégio, avistei Beatriz toda eufórica já esperando por mim na porta do prédio dois, e eu sabia bem qual era o motivo de toda aquela excitação. Eu havia mencionado para ela, durante a educação física, sobre Robert passar no apartamento de Lena para discutirmos sobre o trabalho, e ela me fez jurar que eu contaria cada detalhe no dia seguinte.
- Vamos pra sala, lá a gente conversa. - sussurrei, antes que ela me fizesse qualquer
pergunta.
Beatriz simplesmente me segurou pelo cotovelo e me arrastou para sala, como se estivesse desesperada para salvar a vida de alguém.
- Conte-me tudo! - exclamou ela, sentando-se em sua carteira e cravando os olhos em mim.
- O que quer saber? - indaguei com indiferença.
- Como o quê? Quero saber tudo, cada palavra, cada gesto. Tudo! - sua ansiedade era quase irritante.
- Humm... não falamos quase nada, sabe...
- Ele falou de mim? - ela me interrompeu, não dando a mínima para o que eu estava
dizendo. - Você falou de mim pra ele? - sua voz era urgente.
Reprimi um impulso de revirar os olhos com a pergunta absurda.
- Não, não falei de você pra ele. - assim que pronunciei essas palavras um arrependimento caiu sobre meus ombros.
Beatriz encarou-me colérica e então eu soube: Eu devia ter falado dela para ele, ou pelo menos devia ter dito a ela que havia falado dela pra ele. Tentei manter a voz estável quando voltei a falar
- Ele foi até a minha casa para fazermos um trabalho e não para ficarmos conversando sobre os alunos da escola. - eu disse com convicção.
Ela ainda me olhava com aqueles olhos que me causavam certo arrepio na espinha.
- Não acredito que ficou sozinha com o garoto dos meus sonhos e nem ao menos mencionou minha existência para ele! - sua voz era automática. Ela parecia cética.
- Eu já disse, ele foi lá para fazermos um trabalho e não...
- Dane-se o trabalho! - seus olhos eram quase desumanos.
Ela sabia como assustar.
- Bom, mesmo... que... que eu quisesse... falar qualquer coisa a seu respeito... não seria
possível! - gaguejei, ainda tentando entender aquele estranho brilho em seu olhar.
- E por que não?
- Ah...Marcos apareceu por lá antes mesmo que conseguíssemos pensar em um livro para o trabalho - revirei os olhos ao me lembrar da cena.
Beatriz pareceu aliviada, e antes que pudesse dar continuidade ao assunto o professor entrou na sala e me salvou de meu interrogatório indesejado.
Eu sabia que só veria Robert na hora do almoço, não tínhamos nenhuma aula juntos hoje, por isso senti-me especialmente feliz quando a campainha do sinal tocou, avisando que chegara o momento mais desejado.
Segui com Beatriz e Mei até o refeitório, meus olhos buscavam descaradamente a mesa dele.
O refeitório ainda estava meio vazio e Robert não estava lá. Arrastei-me impaciente até nossa mesa, esperando pelo momento de finalmente vê-lo.
- Não vai comer? - perguntou-me Marcos, sentando-se a meu lado.
Olhei para sua bandeja, e havia uma variedade incrível de comida ali.
- Não sei, estou meio sem fome hoje.
- Bom, acho que você devia comer, não quero que volte a ter aquelas suas vertigens! - destacou ele com preocupação.
Suspirei.
Ana Paula chegou logo em seguida, acompanhada do Renan. Beatriz e Mei seguiram para a fila do almoço. Resmunguei qualquer desculpa, para evitar a comida, eu não estava com espírito para comer.
A mesa dele ainda estava vazia.
Tentei camuflar minha impaciência, o que pra meu alívio foi quase fácil, pois em poucos minutos o refeitório começou a se encher, e pude avistar, com prazer, o garoto dos meus sonhos - literalmente - atravessar o enorme salão.
Ele mantinha os olhos grudados em mim, um sorriso leve cobrindo-lhe os lábios. Olhei em seus olhos, e estavam tão intensos quanto em meu sonho - "continue respirando Ísi, inspira, expira, é fácil você consegue!" - ordenei a mim mesma.
Mas não era tão fácil, pois, de alguma forma, Robert parecia dividir o mesmo prazer que eu, como se também tivesse tido o mesmo sonho na noite passada. E como manter a calma quando nuvens de tempestade aproximam-se silenciosamente. Ah, ele era seguramente mais lindo do qualquer sonho que eu pudesse ter.
Senti um impulso de ir até ele e, quem sabe tentar conversar, tentar me desculpar por meu amigo praticamente ter o expulsado da minha casa na tarde anterior, tentar convencê-lo de que aquilo jamais se repetiria...
Mas quando eu já me preparava para levantar da minha cadeira, Robert virou o rosto bruscamente para o outro lado, a mesma irritação de ontem unindo novamente suas sobrancelhas, e depois sentou-se em sua mesa, de costas para mim.
Fiquei decepcionada com isso.
Parecia até que ele não queria falar comigo, ah, e se talvez nem me quisesse mais como
parceira de trabalho? Isso seria culpa de Marcos e de sua preocupação paranóica.
Eu teria que tomar alguma providência quanto à forma como Marcos sentia-se responsável por mim. Aquilo já estava passando dos limites.
Olhei para as costas de Robert mais uma vez. Eu precisava falar com ele, precisava ir até lá, entretanto eu sabia que com Marcos no encalço qualquer mínima aproximação exigiria muita estratégia.
- Não entendi muito bem a explicação sobre os lipídios. - dizia Ana, quando forcei minha
atenção a ficar em nossa mesa.
- Posso te ajudar com isso! - ofereceu Renan. - Não é difícil de entender.
Beatriz voltou com Mei, tagarelando sobre o cardápio deplorável do dia. Eu tentava parecer presente no meio das conversas, mas minha mente estava há alguns metros dali, em outra mesa, presa a uma conversa imaginária e inexistente. Impedi que meus olhos me entregassem, mantendo-os o máximo possível presos nos rostos a minha volta. Uma ansiedade medonha me
tomava enquanto eu decidia se iria até a mesa dele ou não.
Renan e Ana ainda falavam sobre lipídios e os outros aderiram ao assunto quando não
aguentei permanecer ali, fitando as costas perfeitas dele. Precisava me distrair com outra coisa.
- Vou comprar um refrigerante! - anunciei, levantando-me sem ousar olhar para o lado
proibido.
- Quer que eu te acompanhe? - ofereceu Marcos, como sempre prestativo.
Suspirei ao me lembrar que precisaria ter uma conversa com ele a respeito de seus cuidados excessivos.
- Não vou me perder no caminho da cantina - sussurrei, caminhando para longe dali.
Havia quatro alunos na minha frente na fila da cantina, esperei paciente até que chegasse minha vez, comprei uma Coca e quando estava voltando para minhas conversas triviais com meus amigos, Robert Castro apareceu, como uma miragem no deserto.
- Olá! - sua voz era encantadoramente boa de se ouvir.
- O-oi! - gaguejei, surpresa com sua aparição. - Te assustei? - estava tão nítido assim meu desconcerto?
- Éh, acho que um pouco! - admiti, tentando não estragar o momento.
- Vi quando se levantou. Então resolvi vir falar com você. - mas ele não estava sentado
totalmente de costas para mim?
- E... o que você quer me falar?
- Sobre o nosso trabalho. - "ah não, eu sabia". Robert iria me dispensar, iria me dizer que eu não servia para ser sua parceira, que era melhor pararmos por aqui, que devíamos conversar com a dona Celina e pedir para trocarmos de dupla. Eu sabia. Sabia.
Comecei a tagarelar feito uma maluca enquanto tentava me desculpar.
- Olha, eu sei, me desculpe por ontem, aquilo foi...vou conversar com Marcos... eu...
- Está tudo bem, Isi! - ele me interrompeu sorrindo.
Fiquei olhando pra cara dele, me esforçando para não acreditar em suas palavras, mas seus olhos eram tão verdadeiros que era impossível não acreditar.
__ Tudo Bem?
__ Eu não me incomodei nem um pouco com o que aconteceu ontem, então, por favor, não se incomode também. - ele estava sorrindo, não havia nenhum vestígio de irritação no rosto lindo.
Concordei com um aceno de cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa.
- Bom, se na sua casa é um pouco difícil de conseguirmos algo, talvez seja melhor
marcamos em outro lugar. - ele disse.
- Outro lugar... - repeti como um eco, o alívio por não ser dispensada desacelerando meus
batimentos.
- É, e pra começar podemos marcar na minha casa. - sugeriu num sussurro baixo, como se não quisesse que mais ninguém o ouvisse.
Sorri diante de sua descontração. Era tão fácil sorrir na presença dele.
- Isso é um convite? - indaguei num sussurro tão baixo quanto o dele.
- Só é se você aceitar! - ele sorria, e que brilho era aquele em seus olhos?
Claro! Claro! Claro e claro! Foi a resposta que berrei em pensamento, mas me limitei a dizer uma única vez em voz alta, não queria parecer uma desesperada.
- Claro! - esforcei-me um pouco para conter um sorriso deslumbrado.
- Ótimo! Então acho que terá que dispensar a companhia de seu amigo. - Robert me sorriu, mas sua expressão ficou quase rude de repente. - Até mais! - despediu-se ele
apressadamente, antes de sair andando para fora do refeitório a passos largos.
Permaneci imóvel enquanto via-o afastar-se de mim.
Não fora um sonho, eu precisava me certificar disto. Robert Castro acabara de vir falar comigo, e me convidar para ir até sua casa?
Eu estava radiante.
- Você disse que não ia se perder no caminho da cantina! - disse Marcos, um segundo após Robert cruzar a porta de saída.
Voltei para a realidade.
- O quê? - Terra chamando Isi.
- Você demorou, fiquei preocupado! - disse ele olhando ao redor, como se procurasse o
motivo de minha demora.
Fingi não perceber isso.
- A fila estava enorme, por isso demorei! - menti, caminhando para nossa mesa.
- Não gosto que fique andando sozinha por aí! - disse ele, me seguindo.
Bufei.
- Escuta, Marcos, - era o momento ideal para a conversa inevitável. - agradeço muito a
preocupação que tem comigo, fico lisonjeada até, é bom ter alguém tão atencioso por perto. - ele se inflou um pouquinho, feliz por minhas palavras - Mas, acho que você podia aliviar um pouco, de vez em quando. - vi seus ombros caírem desanimados.
Não queria que ele se ofendesse, mas precisava dizer como me sentia em relação àquilo tudo.
- Hmmm, às vezes sua preocupação é no mínimo... sufocante. Você me trata como se eu fosse um bebezinho, e isso não é legal.
- Está falando do que aconteceu ontem com Robert Castro?
- Sim, mas não é apenas a isso que me refiro. Veja só o que acabou de acontecer... Demorei pra comprar um refrigerante na cantina da escola e você já veio atrás para saber o que houve!
- Eu me preocupo com você, Isi! - justificou-se.
- Eu sei e te agradeço muito, mas isso está começando a me assustar. - confessei - Até
parece que você espera estar por perto quando uma coisa muito ruim for me acontecer.
Ele me encarou.
- Nunca pensei em te assustar - disse, alarmado com minha confissão.
- Você não acha que às vezes exagera um pouco?
- Não sei, talvez!
- Marcos! - insisti.
Ele respirou fundo.
- Certo, talvez você tenha razão, às vezes pode ser que eu exagere um pouco, mas...
- Mas você irá me prometer que não vai mais passar dos limites, não é? - instiguei-o.
Ele me analisou por um breve momento, não sei exatamente em quê ele devia estar pensando enquanto me olhava, mas sei que minha cara de "desesperadamente necessitada de um pouco de liberdade" fez com que ele concordasse em me fazer tal promessa.
- Tudo bem. Eu prometo. - resmungou contrariado.
- Obrigada!
Fiquei feliz, pois a conversa fora mais fácil do que eu esperava.
As últimas aulas passaram lerdas, como só poderiam passar naquele dia, como se estivessem se divertindo por verem minha ansiedade aumentar a cada droga de minuto que não passava nunca. Foram as aulas mais torturantes da semana, mas tiveram um fim. Como tudo tem seu fim.
- Hã... não vou pra casa com você... hoje. - murmurei para Marcos, enquanto íamos para o estacionamento.
Ele me interrogou com o olhar.
- Tenho um trabalho pra fazer, lembra? - tentei usar de bom humor para facilitar as coisas, mas acho que não estava dando muito certo.
- Com quem você vai embora? - sua pergunta tinha o pavor de uma resposta embutida.
- Eh, eu... eu vou... com...
- Ela vai comigo! - a voz rouca e firme de Robert surgiu atrás de mim, interrompendo
minha súbita gagueira - Vou levá-la pra minha casa! - anunciou, parando ao meu lado. Lindo.
Eu poderia ficar olhando para ele para sempre. Seu rosto era sério, mas suave. Quase me esqueci de que Marcos estava presente.
- O quê? - Marcos pareceu alterado.
- Trabalho, lembra? - eu disse, esperando que ele não fizesse alarde. Não sei se funcionou.
- Você não vai embora com ele - disparou encarando Robert.
- Por favor, não comece! - eu disse, lançando-lhe meu olhar que dizia "e a nossa conversa
no almoço, hein?"
- Lena pode não gostar disso, Isi!
- Eu me entendo com ela depois, não se preocupe! - eu disse, acompanhando Robert até seu carro.
Marcos não disse mais nada, não fez mais nada, apenas ficou nos observando de longe enquanto Robert encaixava com habilidade minha bicicleta na traseira do jipe.Olá, lindos e lindas... Finalmente um novo capítulo, não é?
Espero que tenham gostado. Comentem, votem, indiquem à vontade, ok?
Bjs bjs!
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Intrínseco
Fantasy"Será mesmo possível alguém se apaixonar pelo seu próprio anjo da guarda? Acredito que sim, pois eu estava, irreversivelmente, apaixonada pelo meu. E por mais bizarro e absurdo que pudesse parecer, por um milagre, ele também estava apaixonado por mi...