Epílogo 3... 2... 1...

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"Se um dia você for embora, vá lentamente,
como a noite que amanhece sem que
a gente saiba exatamente como aconteceu."
-

Milton Nascimento

Eu realmente tinha esperança de que Robert fosse me dizer o motivo pelo qual nunca havia me contado sobre a possibilidade dele se tornar um humano, e mais, porque parecia que jamais cogitara a ideia de se tornar como eu.
Eu realmente esperava receber uma resposta, enquanto o encarava cheia de ansiedade. Mas era tolice acreditar que ele abriria o jogo tão facilmente.
- Existem... riscos altos demais. E não estou disposto a arriscar tanto. - foi a resposta de Robert. A frustração martelou em meu peito.
- Tem a ver comigo, é isso?
- Ísi, tudo no meu mundo tem a ver com você, já devia saber disso. - murmurou, agora sério demais.
- Não vai mesmo me dizer o porquê, não é? - saquei inconformada.
- Você não precisa saber.
- Mas eu quero!
- Esqueça isso, por favor, por mim. - pediu docemente. Isso não era justo, eu não sabia dizer não a ele.
- Sabe que um dia não vou aguentar e vou querer saber. - murmurei.
- Quando esse dia chegar... vou dar um jeito de te fazer esquecer novamente.
- Ah é, vai fazer o quê? Me chantagear?
- Foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça. - confessou ele, quase sorrindo. - É sério, meu amor, não pense nisso, por favor.
Ele sabia exatamente como me amolecer. Inalei o ar com força, me obrigando a não ceder tão facilmente, mas era difícil, principalmente depois de ser chamada de "meu amor" por aquele garoto magnífico.
- Não posso prometer nada, mas vou me esforçar para amainar a curiosidade. - falei por fim.
- Obrigado. - disse ele, e parecia realmente agradecido.
Robert balançou a cabeça conformado, ele sabia que não poderia esconder uma coisa dessas de mim. Não para sempre.
- Está com fome? - perguntou, encerrando o assunto, e antes que eu pudesse responder ele já estava de pé. - Vamos ver se temos alguma coisa pra você comer!

Fomos para a cozinha. Eu havia passado o dia todo sem comer e ainda assim não conseguia sentir fome alguma.
Robert começou a procurar pelos armários por alguma coisa comestível, mas não estava tendo muito sucesso.
- Me desculpe, eu devia ter comprado alguma coisa pra você, - resmungou ele, meio frustrado - mas, não pensei que fosse querer ficar tanto tempo aqui!
- Tudo bem, não se preocupe com isso! Eu não estou mesmo com fome.
- Mas você precisa comer. - ele verificava todos os armários. - Se quiser podemos procurar algum restaurante...
- Robert, é sério, não estou com fome e, além do mais, não quero ir a lugar algum, só
quero ficar aqui, com você! - confessei, melancólica demais para o meu gosto. Senti quando ele inalou o ar com força, controlando a nova onda de tristeza que nos invadia.
Eu não estava nem aí para comida, eu só conseguia pensar em continuar perto dele, em me manter acordada tempo suficiente para enfim receber minha recompensa. Meu corpo todo e minha alma ansiavam por sentir o toque dele.
- Temos café, o que acha? - disse Robert animado, quando encontrou um vidro de café solúvel dentro de um dos armários de canto. Ele verificou a validade do produto, antes de me estender o vidro.
- Acho que é uma boa hora pra começar a criar o hábito de tomar café! - disparei, abrindo a embalagem e inalando aquele aroma tão peculiar. Eu não tinha o costume de beber café, não era o tipo de bebida a que meu paladar tivesse algum apresso, mas eu sabia os efeitos da cafeína no organismo humano. Minha mãe sempre tinha insônia quando bebia muito café. E ficar acordada era tudo o que eu queria para aquela noite. Aquilo até parecia providencial.
Robert encontrou uma chaleira e colocou a água para ferver no fogão.
Eu o observei, sentada numa das cadeiras da mesa branca de madeira com quatro lugares.
Depois que a água entrou em processo de ebulição, Robert a despejou em duas xícaras quadradas e brancas, então adicionou o café solúvel e o açúcar e empurrou uma das xícaras pra mim. Soprei algumas vezes e
virei o líquido pra dentro em três grandes goles. Não queria bebericar e ter que sentir o gosto, queria terminar logo e poder beber mais.
Robert estranhou quando virei o que restara da água quente em minha xícara e
misturei uma quantidade exagerada do granulado marrom.
- Não sabia que gostava de café! - observou ele, enquanto eu mexia o líquido barrento.
- Na verdade não gosto, mas sei que cafeína é excelente para retardar o sono! - eu disse, adicionando uma única colher de açúcar à mistura - E quanto mais amargo melhor o efeito.
Não tive tempo de levar a xícara à boca, num segundo ela estava em minhas mãos, e no outro, Robert despejava seu conteúdo dentro da pia.
__ O que está fazendo? - reclamei.
- Não vou deixar que faça isso, não é saudável! - disse ele, como um pai preocupado.
- Não pode me impedir de beber café! - arfei, irritada por ver minha fonte de ânimo escorrer ralo abaixo. Eu fazia o papel da filha rebelde.
- Não pode retardar o sono dessa maneira, Ísi...
- Não posso é dormir durante o tempo que tenho pra ficar com você! - grunhi, fugindo da cozinha para que ele não visse a raiva estampada em meu rosto.

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