"A vida perderia toda
beleza se não fosse a morte." - GogolOk, eu estava mesmo namorando com Robert Castro, que, caramba, era meu anjo da guarda? Sim, estava. E ainda com o consentimento da minha irmã, que, caramba, não gostava muito dele?
Parecia surreal, mas era realidade. Robert e eu éramos oficialmente um casal.
Tudo estaria perfeito, não fosse o fato de que, por alguma razão inexplicável, as notícias corriam a toda velocidade no Rio de Janeiro, um milhão de vezes mais rápido do que em uma cidadela de interior com 150 habitantes.
Na primeira oportunidade que teve, Lena contou a Suzana sobre meu namoro com Robert. E aposto que, na primeira oportunidade que teve, Suzana contou a novidade a Marcos, pois, do nada, ele passou a me evitar descaradamente. Nunca estava no apartamento quando eu o procurava, não atendia minhas ligações e no colégio chegou até a evitar o almoço para não me dar
oportunidade de aproximação.
"Ridículo!"
Como se isso não bastasse, eu desconfiava que Marcos havia passado a informação adiante, porque, estranhamente, Beatriz não estava mais falando comigo e, ao contrário de Marcos, ela não fugiu de mim para me evitar. Não, Beatriz simplesmente me ignorou por completo, nas cinco
vezes em que tentei falar com ela: na aula de matemática, na Literatura, durante o almoço, na biblioteca e no estacionamento. Tentei puxar papo naturalmente, falando algumas trivialidades sem função prática, tentando fingir que estava tudo bem, mas tudo o que recebi foi o seu silêncio gritante. Ela nem ao menos me olhava, continuava a fazer exatamente o que estava fazendo antes de eu chegar e bancar a "não se toca". Só depois da quinta tentativa, lamentável e fracassada, foi que percebi que Beatriz realmente não queria falar comigo. Então,
concluí que Marcos havia cumprido com sua palavra e Beatriz já "sabia de tudo."
Eu sabia que devia insistir e tentar falar com ela, mesmo que fosse para correr o risco de ser esfaqueada no banheiro ou atacada de surpresa na biblioteca, mas, por alguma razão, eu estava aliviada por ela estar me ignorando ao invés de querer tirar essa história a limpo. Eu realmente não saberia como enfrentá-la. Então era melhor mesmo que Beatriz me odiasse e me desprezasse totalmente, eu merecia isso. Poderia ser muito pior, se ela quisesse.
Mas apesar de tudo, e afora isso, minha vida finalmente parecia estar onde deveria estar.
Meus dias não poderiam passar mais felizes.
Todas as tardes, depois da escola, Robert e eu nos refugiávamos na minha casa ou na
biblioteca da casa da piscina - Sofia se juntava a nós ás vezes, e me cobrava sempre a próxima vez em que brincaríamos de casinha. Era estranho olhar para ela e saber que ela não era apenas uma garotinha comum -, passávamos horas e mais horas conversando e, às vezes, fazendo o trabalho de Literatura. Finalmente havíamos terminado de ler "Os sofrimentos
do jovem Werther", e nossa pesquisa sobre a vida de Goethe caminhava para a conclusão.
- Até agora não me disse o que achou do final do livro. - indagou Robert na sala do
apartamento de Lena.
Era domingo e Lena estava de plantão extra no hospital, portanto, Robert tinha livre acesso.
Estávamos vendo TV, um programa sobre a vida marinha, muito interessante, mas que não conseguia prender nossa atenção inteiramente, tínhamos outras coisas mais interessantes em que prestar atenção.
- Sabe, não entendo como uma pessoa pode ser capaz de cometer suicídio. Como alguém
pode simplesmente desistir da vida? - comentou Robert, e sua voz era uma mistura de repulsa e pavor.
Werther havia cometido suicídio ao final do livro, por não suportar viver sem o amor de
Lotte, por não suportar uma vida de sofrimentos e de solidão.
Eu não o condenava.
- Para alguns, a morte talvez pareça melhor do que uma vida sem sentido! - eu disse,
fingindo prestar atenção na explicação que o narrador do programa dava, sobre a morte dos corais no oceano atlântico, devido ao aquecimento das águas. Que estranha coincidência.
Senti os olhos de Robert grudados em meu rosto, e não pude evitar olhá-lo também.
- O que foi?
__ Não posso acreditar que esteja falando serio, Ísi! - sua voz era uma repreensão angustiada.
Tentei argumentar.
__ Robert, o coração humano às vezes não suporta o vazio e...
- Isso não justifica nada. - grunhiu ele severamente, interrompendo-me. Depois respirando lentamente, murmurou baixinho em meu rosto. - Você teria coragem?
__ De... cometer suicídio? - indaguei, surpresa com a pergunta.
Robert fez um movimento afirmativo com a cabeça, e depois ficou me encarando, ansioso.
Pensei por um minuto em qual seria minha verdadeira resposta.
Eu conseguiria sobreviver a uma vida inteira sem ele? Uma vida inteira sem nada em meu coração?
Teria coragem suficiente para seguir em frente? Ou colocaria um fim em tudo antes de enlouquecer?
Há quem diga que o suicida é uma pessoa covarde que não teve coragem de enfrentar suas fraquezas. Eu não concordo com isso. Para mim, os suicidas são os mais corajosos que existem, pois foram capazes de mergulhar no desconhecido, de enfrentar o maior fantasma do ser humano: a morte. Não tiveram medo do que iriam encontrar do outro lado, mesmo que fosse uma punição pela sua atitude "pecaminosa". Eles tiveram coragem suficiente para ir além.
Eu nunca os chamaria de covardes.
- Não sei. - murmurei - Não sei do que eu seria capaz... se um dia você não estivesse mais... comigo. - a visão de meus pulsos sendo cortados por uma lâmina bastante afiada passou vacilante por minha mente, e, pra ser sincera, não pareceu tão ruim quanto pensar em não tê-lo comigo um dia.
Balancei a cabeça tentando evitar os dois pensamentos.
Robert continuou me encarando.
- Não consigo te imaginar tirando a própria vida, Ísi. - murmurou ele, a voz carregada de dor e tristeza, como se também tivesse tido um vislumbre de meu pensamento suicida.
- Você disse que nunca me deixará, então acho que posso muito bem me manter viva! - eu disse, encerrando aquele assunto - Está com fome? - perguntei tentando sorrir.
- Podemos cozinhar! - sugeriu ele, sorrindo de volta, parecia também não querer pensar
mais naquilo.
Fiz uma careta, preocupada com sua proposta. Eu não era boa com as panelas.
Fui pra cozinha, e ele veio logo atrás. - Lena e eu nos esquecemos de ir ao mercado esta semana, então acho que não tem nada para comer na dispensa - avisei, enquanto analisava nossa geladeira desprovida de qualquer alimento sólido. Abri a porta de todos os armários à procura de algo.
Nada.
- Tudo bem, podemos procurar um lugar para comer! - prontificou-se Robert, percebendo que eu estava falhando em minha missão.
- Acho que não será necessário! - garanti, me virando para ele com um sorriso no rosto e um pacotinho de macarrão instantâneo, desses que levam apenas três minutos para ficarem prontos, em cada uma das mãos. - Problema da comida resolvido! - anunciei animada.
Robert e eu havíamos comido macarrão instantâneo das últimas vezes em que ele estivera alí, e para ele era sempre uma novidade. Ele encarou-me com ar duvidoso, questionando o quão saboroso seria o conteúdo daquelas embalagens.
- O almoço é por minha conta. Sente-se e assista, enquanto eu cozinho. - eu estava me
atrevendo a fazer gracinhas, simplesmente porque tinha certa facilidade em preparar aquele tipo de macarrão, caso contrário jamais diria a ele para apenas observar.
Sem me prender ao seu questionamento silencioso, peguei uma panela, adicionei a quantidade de água necessária e levei ao fogo. Robert observava-me com um brilho divertido nos olhos.
- O que foi? - perguntei-lhe, sentindo um rubor inevitável tomando conta de meu rosto, enquanto eu mexia a panela sob a pressão daquele seu olhar.
- Nada. - ele hesitou - Eu só estava pensando que...
- Pensando que...? - eu o instiguei a continuar.
- Você realmente não é muito boa nesse negócio de cozinhar, não é? - sua voz era divertida.
Fingi estar ofendida.
- Isso não é verdade, - me defendi - tenho uma receita secreta de brigadeiro caseiro que é um verdadeiro arraso!
- Receita secreta, é? - ele não me levou a sério.
__ Tá, confesso que provavelmente seja a única coisa que sei fazer dentro de uma cozinha, além de comer, é claro, mas já serve para alguma coisa.
Robert balançou a cabeça fingindo concordar comigo, afinal quem sobreviveria comendo brigadeiro caseiro por um mês?
- Mas se quer saber, - eu disse - talvez exista outra área em que eu possa me sair um pouco melhor do que na cozinha! - afirmei colocando a colher em cima do fogão e andando em sua direção, parando a menos de um centímetro de seu rosto.
Robert não se mexeu, mas um pavor súbito tomou conta de suas feições e as nuvens de seus olhos trovejaram espantosamente.
Imediatamente afastei-me, dando um passo atrás.
Como eu conseguia me esquecer de um detalhe tão importante da nossa relação?
Às vezes meus instintos faziam com que eu simplesmente agisse sem pensar, como uma
idiota apaixonada, que tem como único desejo tocar o seu amado.
- Me desculpe! - murmurei, voltando a mexer nossa comida. "Foi por pouco", pensei com angustia.
Minha mão segurou a colher com uma força desnecessária enquanto torturava o macarrão com agressividade, vendo-o borbulhar na água fervente. Por pouco. Por muito pouco eu não havia cometido um erro, uma besteira sem tamanho, que deixaria Robert arrasado. Tudo porque era incapaz de não reagir a ele sem pensar, incapaz de não querer estar com ele além do que me era possível.
Robert levantou-se e veio parar diante de mim, perto do fogão. Não tão perto quanto eu desejava.
- Não precisa ficar assim! - sussurrou ele em meu ouvido, e o som de sua voz me fez tremer.
Fechei os olhos para me controlar, para não seguir meus instintos e me atirar em seu pescoço.
Ia passar, era só eu manter os olhos fechados por alguns segundos e continuar respirando. Ia acabar passando. Tinha que passar...
Não passou, totalmente, mas fui capaz de manter o controle.
Terminei de fazer nosso almoço em silêncio e levou muito mais do que três minutos para ficar pronto. Desliguei o fogo e adicionei os temperos, quatro queijos, que acompanhavam as embalagens. Robert havia colocado à mesa dois pratos, dois garfos e dois copos com um resto
de refrigerante da geladeira. Ele fez uma careta para a aparência esbranquiçada e sem graça da comida. Franzi o cenho para ele, e servi seu prato. Não deixei que ele mesmo se servisse, pois tinha certeza de que ele colocaria o mínimo de comida possível, por temer que o gosto fosse demasiadamente ruim.
- Você vai adorar, como sempre! - afirmei.
Ele remexeu a comida com o garfo.
- Tem certeza de que é mesmo comestível? - zombou, erguendo uma garfada, e analisando o macarrão na frente dos olhos.
Ignorei sua pergunta.
Coloquei a comida na boca, estava um pouco quente, mas dava pra aguentar. Robert
tomou coragem e levou a comida até a boca também.
- Realmente, não é tão ruim quanto parece. - comentou, depois de mastigar.
Comemos quietos as primeiras garfadas, mas mais uma vez minha cabeça formulara
perguntas que eu precisava fazer a ele.
- Posso te fazer uma pergunta? - indaguei pensativa, enquanto terminava de engolir.
- Pensei que já havíamos passado da fase de perguntas e respostas.
- Acho que sempre terei perguntas a fazer. - justifiquei.
- Tudo bem, então me diga. O que quer saber agora?
- Humm... eu estive pensando... - hesitei. - Você é um anjo certo? - ele arqueou uma
sobrancelha para mim - Então por que questionou a existência de Deus certa vez? Quero dizer... não era você quem devia ter tentado me convencer da magnitude de Deus ao invés de o contrário, como aconteceu?
Robert me encarou com seu olhar complacente e acolhedor. Senti vontade de nunca mais desviar os olhos daquele olhar.
- Está falando da vez em que me levou para olhar o céu, não é?
Assenti com a cabeça.
- Talvez você não entenda...
- Quem sabe se você tentar me explicar! - encorajei-o.
- É... extremamente fascinante, para mim, te ver expressar sua fé... Uma fé tão pura,
inocente e verdadeira... Não conheço um prazer maior, do que te ver abrir seu coração para Deus, dizer o quanto o ama, o quanto é agradecida a ele. Não há nada que exerça maior fascínio sobre um anjo do que ver uma alma que é capaz de sentir o verdadeiro amor de Deus.
- Então, quer dizer que seus questionamentos eram apenas para me ouvir falando de Deus, e não por que você não acredita Nele! - concluí.
- Como eu poderia não acreditar? - ele riu da própria pergunta. - Sim, minhas perguntas eram apenas para te ouvir expressando seu amor... Não sabe o quanto sua fé me deixa feliz.
- Hum, engraçado você pensar assim. - resmunguei encarando meu copo quase vazio.
- Assim?
- Pensar que possuo uma fé inabalável... - dei de ombros. - Não quero estragar a imagem perfeita que criou de mim, mas... as coisas não são bem como você imagina.
Quieto, ele esperou que eu continuasse.
- Às vezes... - murmurei envergonhada por saber que estava prestes a contradizer tudo o que ele havia acabado de falar a meu respeito, mas, por mais vergonhoso que fosse confessar minhas fraquezas e dúvidas, seria melhor do que deixá-lo acreditando que eu era um ser especial. - Às vezes sinto que faço tudo errado, tudo ao contrário do que Deus espera de mim. Às vezes me chateio profundamente com Ele e então penso e digo coisas que jamais deveriam ser ditas. Sou tão pequena e mesquinha, tão fraca e mimada. Quando as coisas não saem como eu desejava, percebo o quanto minha fé pode ser facilmente desestruturada. - evitei olhar nos olhos dele. - Lamento que pense que possuo tanta fé, que seria capaz de
transportar os montes, mas a verdade é que eu não possuo, Robert. Sou tão fraca que me
envergonho até de pensar em te dizer o quanto. - mantive os olhos baixos, não queria ver a decepção no rosto dele.
- O que está dizendo não é verdade. Eu sinto sua fé, Ísi, por isso sei o quanto ela significa. Você poderia transportar muito mais que os montes se quisesse.
Discordei com a cabeça.
- Queria que estivesse certo, talvez se eu possuísse tal fé... as coisas poderiam ser diferentes pra nós... - o que eu estava dizendo, e por que meus olhos estavam molhados de lágrimas?
Robert manteve-se em silencio, talvez concordando mentalmente com minhas palavras.
Aquela noite, quando deitei em minha cama, meu coração estava apertado, dolorido demais.
Puxei os lençóis cobrindo a cabeça, abracei meu travesseiro com força e tentei imaginar que era Robert que estava ali comigo. Só assim fui capaz de dormir.
Mas para minha surpresa em poucos minutos já era de manhã.
Caramba! Parecia que eu havia dormido tão pouco.Saí da cama e fui direto para o chuveiro. Meu banho foi ridiculamente rápido, troquei de roupa, peguei minha mochila, passei na cozinha peguei uma barra de granóla e saí em disparada para a rua. Robert já devia estar chegando.
Eu estava em pé na calçada, quando a porta de vidro do prédio se abriu e Marcos apareceu diante de mim empurrando sua bicicleta.
Ele olhou-me de relance. Havia tanta mágoa em seus olhos, que senti vontade de pegar minha bicicleta e me juntar a ele, apenas para tentar diminuir o imenso cânion que se formara entre nós. Dei um passo à frente, decidida a ir falar com ele, e arriscar a levar um fora. Mas quando dei o segundo passo, um motor rangeu na esquina e um jipe veio em minha direção dispersando minha atenção, tirando minha concentração em minha tentativa de me retratar
com meu amigo.
Robert estacionou no exato segundo em que Marcos arrancou com sua bicicleta, saindo sem que eu tivesse qualquer chance.
Entrei no jipe, enfurecida com tamanha falta de sensibilidade. Ele podia ao menos ter me dado a chance de dizer "oi".
Robert dirigiu em silêncio por todo caminho até o colégio. Não parecia triste ou nervoso,
apenas pensativo, por isso mantive silêncio também. Ele caminhou ao meu lado até a minha sala sem dizer uma palavra.
Arrastei-me até minha carteira. Beatriz não sentava mais ao meu lado, ela havia trocado de lugar com Alex, e agora sentava atrás de Amanda. Fiquei rabiscando distraidamente meu caderno, enquanto aguardava o professor entrar na sala.
- Oi, Ísi! - levantei os olhos diante do cumprimento e daquela voz irritante e familiar.
Sim, era ela. A própria. Amanda Siqueira. Estava parada na minha frente com um sorriso forçadamente simpático no rosto.Olá meninas!
Por favor, me desculpem por não ter atualizado antes (eu estava em Florianópolis, lugar lindo, maravilhoso e apaixonante, e não tive tempo de entrar no wattpad), eu sei o quanto vocês esperam pelos novos capítulos, e vou tentar ao máximo não deixar que minhas viagens de final de semana interfiram nas postagens, ok?
Comentem muito, votem, indiquem, e participem da promoção!
Bjs bjs, em breve mais!
❤
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Intrínseco
Fantasy"Será mesmo possível alguém se apaixonar pelo seu próprio anjo da guarda? Acredito que sim, pois eu estava, irreversivelmente, apaixonada pelo meu. E por mais bizarro e absurdo que pudesse parecer, por um milagre, ele também estava apaixonado por mi...