32. Princesa

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"Nada torna uma mulher
mais bonita do que sua
crença de que é bonita." - Sophia Loren

_ Bom dia, bela adormecida! - Robert sorriu para mim, quando se virou e deu de cara comigo, parada na porta da cozinha, obsevando-o, abobalhada - Estou preparando nosso café da manhã! - a palavra nosso foi um deleite para meus ouvidos - Ah, e não se preocupe, sua irmã já está no hospital, e ela não soube que estive aqui! - completou, antes mesmo que o pavor de que minha irmã o flagrasse em nossa cozinha aparecesse em mim.
O que eu diria a ela? "Olha Lena, ele passou a noite em meu quarto, mas não aconteceu nada eu juro, ele dormiu na poltona, é serio...". Minha irmã não acreditaria muito nisso.
_ Bom dia! - finalmente consegui responder, estávamos sozinhos, e isso era um alívio. -
Que... cheiro é esse? - indaguei curiosa, enquanto escorregava para um dos banquinhos de madeira da bancada. Era um cheiro doce, quente e convidativo; tentadoramente apetitoso.
Robertsorriu timidamente, dando de ombros.
_ Eu não sabia o que você iria preferir... O que costuma comer no café da manhã? -
murmurou abrindo o forno, fazendo o cheiro rescender ainda mais pela cozinha.
Ele tirou dali uma bandeja com biscoitos de leite em formato de coração, e a colocou diante de mim.
Não consegui deixar de sorrir para os coraçõezinhos que pareciam muito saborosos, e sem resistir, estendi a mão e peguei um, soltando-o em seguida, para soprar as pontas dos dedos, Robert riu balançando a cabeça em reprovação.
__ Não seja tão apressada!
Fiz uma careta para seu conselho. Esperei alguns minutos até que os biscoitos esfriassem razoavelmente, então ataquei outra vez, enquanto Rob colocava o restante do nosso café da manhã sobre a mesa: suco natural de laranja, torradas, geléia de amora, leite, cereais...
Ele sentou-se diante de mim, os olhos analisavam minhas opções.
__ Como eu disse, não sabia o que iria preferir... - queixou-se meio incerto.
__ Não se preocupe, - tranqüilizei-o ç, enquanto me deliciava com o biscoito incrivelmente saboroso - você acertou! - não importava o que ele tivesse me servido, que fossem pedras, não faria a menor diferença, ele havia acertado em estar ali comigo.
__ Onde conseguiu tudo isso? - perguntei. Eu sabia que a geladeira de Lena não era tão bem abastecida para se prepar um café da manhã como aquele.
__ Existe um lugar incrível, que se chama mercado, e lá costumam vender todo tipo de comida, frutas, e legumes... Você e sua irmã deviam passar num mercado um dia desses, aposto que vão gostar.
Ele estava fazendo piada com o vácuo existente em nossa dispensa e geladeira, e eu não podia culpá-lo. Ultimamente minhas refeições se limitavam a comer na cantina da escola, na casa de Robert, beliscar uma barra de granola, ou, com muita sorte, comer algo que Lena trazia da rua.
_ Humm! Isso aqui tá bom à beça. - elogiei, mudando de assunto - Nunca me disse que era bom na cozinha! - observei.
Robert me lançou um sorrisinho e deu de ombros.
__ A culinária é uma arte muito interessante para mim. Gosto dessa coisa de misturar vários ingredientes e de repente ter algo quentinho e saboroso saindo do forno. Mas, se quer saber, só acha que sou bom porque você é péssima, se não fosse isso não estaria tão impressionada.
__ Ah! Sua tentativa de modéstia me insulta, sabia? - reclamei, pegando uma torrada e a faca.
Robert me passou a geléia reprimindo um sorriso.
__ Não quis te ofender! - desculpou-se, encarando-me com aquele seu olhar poderoso que me enfraquecia totalmente, enquanto eu untava a torrada com a geléia de amora.
Desconcentrei-me rapidamente do que estava fazendo, me perdendo em seu olhar; e de repente uma dor aguda queimou em minha mão esquerda, na parte interna, perto do mindinho.
__ Ai, droga! - xinguei, soltando imediatamente a faca e a torrada sobre a mesa e levando a mão a boca para estancar o inicio de um sangramento.
__ O que foi? Você se cortou? - perguntou Robert urgente, as sobrancelhas se unindo com uma preocupação um pouco exagerada - Deixe-me dar uma olhada nisso!
__ Hãhã! - recusei, com a mão ainda na boca, sentindo o gosto enferrujado do sangue; um
gosto tão próprio e incomum.
__ Não seja teimosa Isi, só quero ajudar!
__ Certo, pode me ajudar. Tem uma caixa de band-aid no armário do banheiro, pega um pra mim, por favor? - eu disse, erguendo a mão na frente dos olhos para checar os danos.
O corte era pequeno, mas cheio de personalidade, desses que fazem a gente sentir o coração pulsando sob o ferimento. Pressionei um pano de prato sobre a mão quando o sangue deu sinais de que voltaria a escorrer.
Robert torceu o nariz e continuou me olhando, parecia muito sério.
__ Não vou deixar que coloque um band-aid aí e pronto. Preciso ver se não foi um corte
profundo, talvez precise levar um ou dois pontos. Isso pode infeccionar...
__ Fala sério Robert, que drama! Eu não amputei a mão, sabia? - debochei de sua preocupação excessiva - Foi apenas um corte idiota. Não tem com o que se preocupar, não é nada.
Ele me encarou, ainda mais sério que antes, e tive a impressão de que, se não fosse
impossível, ele mesmo arrancaria aquele pano de prato da minha mão para conferir o esultado de minha distração.
Quase sorri ao imaginá-lo fazendo isso.
__ Se não é nada, deixe-me olhar e tirar minhas próprias conclusões! - pediu com um leve toque de autoridade na voz, olhando-me de frente.
Revirei os olhos para ele, mas não pude ignorar, como gostaria, sua expressão contumaz. Era muito patente.
__ Tá legal, se insiste! - dei de ombros, com um suspiro levemente resignado, sustentando seu olhar de pedra.
Estendi o ferimento para ele, por sobre a mesa, mas ao contrário do que eu esperava, Robert nem ao menos olhou para minha mão. Manteve os olhos nos meus de uma forma quase severa, mantendo-me ainda mais presa em seu olhar intenso. Lembrei-me de meu sonho. O olhar poderoso de Ogue, hipnotizando-me lentamente. Robert parecia estar fazendo o mesmo comigo agora, claro que a sensação não era nada opressora como acontecera em meu sonho,
mas era igualmente desestruturante. Era como se estivessemos num jogo do "quem pisca primeiro", nos encarando com totalmente concentração.
O corte em minha mão formigou dolorido, mas me esforcei para afastar a sensação ruim.
Robert continuava a me encarar em silencio. Ficamos ali, frente a frente, mergulhados nos olhos um do outro, por alguns, eternos, minutos.
__ Acho que tem razão - disse ele de repente, sobressaltando-me ao quebrar o silencio - Não há com o que me preocupar! - disse, só agora olhando para minha mão esquecida sobre a mesa.
Acompanhei seu olhar e fiquei chocada ao constatar que nada havia ali.
Nenhum ferimento, nenhum corte, nenhum vestígio de sangue.
Nada.
__ O que você...? Como que...? Ah, como fez isso? - disparei incoerente, trazendo a mão para perto dos olhos e examinando, boquiaberta, cada ângulo com minúcia.
Girei a mão para todos os lados, tentando encontrar algum vestígio, alguma coisa que se parecesse com um corte feito por uma faca de cozinha. Não encontrei nada. Minha mão estava ilesa de qualquer ferimento, como se nunca houvesse existido corte algum.
__ Pode começar a falar agora mesmo! - ordenei, ainda incrédula com aquilo.
Robert riu, balançado a cabeça, e começou a falar enquanto eu ainda analisava minha mão, numa insistência relutante.
__ É só uma habilidade que temos! - revelou indiferente.
__ ?- conjecturei.
Ele deu de ombros.
__ Todos os anjos têm o dom da cura. Podemos acelerar o processo de cura de qualquer ser humano, tanto a cura física, doenças ou ferimentos; quanto a emocional, tristezas, magoas ou depressões. - ele me analisou por um segumso - É claro que é uma aceleração dosada e que corresponde a gravidade do problema. Ninguém que abriu um talho na mão teria esse corte cicatrizado em alguns minutos. Seria um pouco incomum, não é? - ele sorriu, levantando as sobrancelhas sugestivamente.
__ E muito desconcertante! - completei.
__ Sim, provavelmente muito desconcertante.
Dei mais uma olhada em minha mão, perplexa com a rapidez com que ele havia curado aquele corte.
__ Você é mesmo uma caixinha de surpresas! - objetei encarando-o.
Ele riu.
__ E então, está preparada? - perguntou, mudando de assunto, enquanto servia-me um copo de suco. O desafio em sua voz me fez perceber exatamente sobre o que ele estava falando.
__ Que comece a tortura! - eu disse, com um suspiro longo.
Era manhã de sábado, dali algumas horas estaríamos indo para uma festa e eu não me sentia verdadeiramente preparada. Contrariando todas minhas expectativas, Lena me dera permissão para
sair de casa aquela noite e me divertir um pouco. "Você precisa mesmo conhecer umas
pessoas diferentes.", foi o que ela me disse, feliz com a ideia de eu estar indo a uma festa, fingindo não perceber que aquilo me apavorava.
Robert insistia em dizer que seria divertido, mas se eu tivesse a chance de evitar o evento...
__ Sabe, eu realmente estava começando a me empolgar com a idéia da... festa... - sibilei,
fingindo prestar atenção ao que comia.
__ Estava?
__ Quero dizer... estou. - corrigi rapidamente - Mas não sei se é mesmo uma boa idéia...
__ Ísi, já conversamos sobre isso.
Bebi um gole do suco antes de prosseguir.
__ Eu sei, mas agora é... diferente, meu motivo é outro - afirmei.
__ Você quer dizer: sua desculpa é outra?
__ Não é uma desculpa Robert, é um motivo, e muito forte. - garanti.
__ E qual seria?
__ Eu... não tenho... roupa! - suspirei longamente - Não tenho uma roupa adequada para ir a uma festa! - o argumento perfeito de toda mulher.
__ Quem disse que não tem? - contestou ele, os olhos brilhando de pura excitação.
__ Você não fez isso! - grunhi.
__ Pode apostar que fiz!
Ah não, ele havia comprado uma roupa para mim?
É claro, Robert não deixaria que nenhuma desculpa esfarrapada nos impedisse de sair de casa aquela noite.
Ele sorria vitorioso.
__ Mas... e se eu não gostar, ou... se não servir - eu precisava continuar tentando - Robert, homens não sabem comprar roupas femininas, eu não quero parecer a maluca da festa...
__ Humm, você tem razão - ele balançou a cabeça - homens não sabem comprar roupas femininas... ainda bem que sou um anjo! - debochou.
Tentei não rir da piada, precisava me manter séria se quisesse convencê-lo de alguma coisa.
Ele me encarou com aquele seu olhar divertido, antes de voltar a falar.
__Tudo bem, devo confessar que tive uma pequena ajuda....
__ Sofia... - engasguei, entendendo perfeitamente aquele tom de voz que ele usara - Literalmente pequena, e ela também não devia contar como ajuda, afinal, desde quando anjos entendem de moda? - arfei contrariada.
__ Ela me deu algumas dicas muito boas, sabia? Mas tecnicamente eu escolhi tudo...
__ Tudo? - repeti com pavor, tentando entender o que exatamente aquela palavra abrangia.
__ Relaxe Ísi, será uma noite especial... pra nós dois.
__ Robert... mesmo assim... - tentei argumentar, mas ele me interrompeu.
__ Você estará linda, ainda mais linda esta noite, prometo! - exclamou ele, os olhos em
chamas para mim. Pronto, lá se foi qualquer argumento.
__ Acho que terei de ser recompensada pelo meu sacrifício - murmurei em rendição.
__ Recompensada? - ele arqueou uma sobrancelha para mim. Tentei manter-me sã.
__ Bom, em troca de eu concordar em ir a uma festa, quase contra minha própria vontade, usando uma roupa que eu nem ao menos imagino qual seja a cor, comprada por intermédio de dicas vindas de uma garota de sete anos que não é nenhuma expert em moda... você poderia... concordar em... passar mais algumas noites em meu quarto! - sugeri timidamente.
__ Humm! - ele fingiu pensar por um instante. - Não me parece uma troca justa, apesar de ser incrivelmente tentadora!
__ Eu acho muito justa. - afirmei, entusiasmada pelo "incrivelmente tentadora".
__ Nós vamos a uma festa, eu já passei uma noite em seu quarto, acho que estamos quites.
__ Então quer dizer que para você passar mais noites em meu quarto, eu teria que te
acompanhar em outras festas? - indaguei incrédula com sua lógica.
__ Não precisa ser necessariamente uma festa, qualquer programa que casais de namorados normais costumam fazer já seria suficiente - garantiu.
__ Isso não está certo - reclamei - você devia estar implorando para entrar em meu quarto de madrugada, era você quem devia estar desesperado por isso...
__ E quem disse que não estou? - havia divertimento em sua voz, e frustração também.
__ Se está, aceite minha proposta? - sugeri - Seria recompensador para ambos.
Ele suspirou, e eu sabia que minha insistência era vã.
Respirei fundo,
__ Tudo bem, não vamos voltar a este assunto. - objetei.
__ Obrigado! - murmurou ele - E só pra deixar registrado: adorei nossa primeira noite juntos.
Ofeguei.
__ Se não quer que eu seja insistente, não devia me dar esperança. - reclamei. Robert me questionou com os olhos - Você disse que adorou nossa primeira noite juntos, isso dá a idéia de que existe a possibilidade de haver uma segunda ou terceira noite...
__ E por que não? - sugeriu ele, com um meio sorriso nos lábios.
__ Não me deixe acreditar nisso, se não for realmente verdade. - pedi.
__ Não vou prometer nada. Mas talvez não haja mal algum eu aparecer por aqui uma noite dessas.
__ Não, não há mal algum. - concordei, controlando meus pensamentos ousados.

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