- Eu disse que não posso interferir diretamente em seus sonhos, mas àquela noite não resisti... Você estava diante de mim e já havia sonhado comigo tantas vezes... eu sabia que haveria consequências, mas o que eu podia fazer?
- Então essa é a punição?
- Toda escolha tem uma consequência, não é?
- E você... nunca mais poderá... me tocar, só porque me beijou em um... sonho? - arrisquei-me a fazer a pergunta em voz alta. Aquilo parecia tão absurdo e... terrivelmente injusto.
Seu rosto lindo endureceu um pouquinho, mas sua voz era quase suave quando falou.
- Não se pode possuir o mundo inteiro de uma só vez, Ísi. Vou estar com você para sempre, mas não poderei tê-la para mim, nem mesmo por um segundo.
- Ah! - soltei o ar. Uma dor aguda me atingia no peito, enquanto Robert prosseguia. - Se você me tocar agora...? - sussurrei, os olhos indo direto para a boca dele.
Robert mordeu o lábio inferior, visivelmente controlando o que também sentia.
- Você sabe o que pode acontecer!
Sim, eu sabia. Me lembrava perfeitamente da sensação torturante que me atacara da última vez que ele encostara um dedo em mim.
__ Minha interferência, não justificada, em seu sonho criou uma espécie de barreira
magnética entre nós. Na verdade uma barreira a sua volta.
- O quê? - eu quase gritei de pavor com a revelação. - Eu não quero essa... barreira idiota, não quero nada que me mantenha afastada de você.
- Eu sei, mas, não é uma opção.
- Isso... é absurdo, é... loucura - não consegui evitar a dor, era forte demais. Saber que jamais seria tocada por Robert outra vez...
Tentei não pensar nisso, concentrei-me em outra coisa que ele havia dito, uma coisa que me era agora mais importante que tudo.
- Está falando sério... sobre o para sempre? - era só o que me importava naquele momento.
- Enquanto você me quiser, estarei aqui, e quando não quiser mais, encontrarei uma maneira de me manter em sua vida sem interferir nela.
- Realmente não vejo uma forma disso acontecer! - murmurei em juramento, o coração ainda dolorido. - Promete nunca se afastar de mim? Nunca me deixar? - aquilo parecia mais uma súplica que um pedido.
Robert aproximou o rosto do meu, pude sentir seu hálito em minha pele.
- É mais fácil desintegrar um átomo do que me separar de você. Estou inseparavelmente
ligado a você, Ísi, intrínseco. Nada pode tirar-me da sua vida, nunca. - prometeu.
Era o que me bastava. Era a resposta que eu desejava para manter o coração tranquilo.
- Eu gostaria de saber uma coisa. - murmurei. Havia tantas perguntas em minha cabeça...
__ O que?
- Como era nossa vida antes, quero dizer, antes de nosso tempo acabar, quando você era legalmente meu anjo da guarda?... - engasguei com a pergunta - Nós vivíamos... juntos?
Seus olhos ficaram distantes, enquanto ele se lembrava do nosso passado.
- Infelizmente, não.
- Não? - repeti com dor - Por quê?
- Os anjos da guarda não precisam de um corpo para se manterem perto de sua alma
protegida. Estamos lá o tempo todo como uma presença constante. Às vezes, por uma razão ou outra, tomamos a forma humana para facilitar a proteção, mas geralmente somos apenas presenças não físicas. Naquele tempo eu não possuía um corpo. Não queria atrapalhar sua vida, induzi-la a ficar comigo, quando, na verdade, você deveria ficar com alguém como você.
- Ainda bem que você mudou de ideia. - assegurei. - Tem outra coisa que eu gostaria de saber... Você acabou de dizer que os anjos estão com a gente o tempo todo, então, todos
estes anos que morei em Campos do Jordão... você estava lá comigo, como uma presença não física?
Robert ficou pensativo, o rosto mudava de expressão a cada novo pensamento que lhe ocorria.
- Não, não estive com você nos últimos anos - disse por fim, e por alguma razão, eu já sabia daquela resposta antes mesmo dele dizer. - Foi uma verdadeira tortura...
- Eu sei que foi. - murmurei concordando. Tudo fazia sentido para mim agora. A falta
constante em meu coração, o vazio, minhas súplicas a Deus... Eu estava separada dele,
incompleta, por isso nunca fui feliz lá. - Eu não entendo. - eu disse tentando clarear a mente. - Quer dizer que passei mais de dezesseis anos da minha vida sem a proteção de um anjo da guarda?
- Posso te garantir que você nunca ficou, nem por um segundo, sem proteção - sua voz era séria, quase áspera. - Uma casa nunca fica vazia. - repetiu. - Mas agora você está aqui e nada pode te tirar de mim. - ele sorria e sua voz voltou ao tom normal a que eu estava acostumada.
- Mas, por que estamos juntos só agora? - insisti.
- Bom, a Tríade precisava consertar a desordem que causei e tive que ser paciente, esperar que eles organizassem tudo, para só então poder me aproximar de você outra vez.
- Entendi - na verdade eu ainda estava tentando entender. - Mais uma pergunta. - solicitei.
Ele arqueou as sobrancelhas para mim, esperando.
- Quando estou sozinha em meu quarto ou em qualquer outro lugar...
- Você nunca está sozinha! - interrompeu-me ele.
- Isso significa...
- Estou sempre com você!
- Como uma presença não física. - concluí. Ele concordou com a cabeça. Fiquei intrigada.
Então ele podia me ver no banho, ou...? Ah, aquilo era constrangedor de se imaginar.
- Apesar de estar ao seu lado não posso te ver, se é o que está tentando imginar - nunca fui boa em esconder meus pensamentos com minhas expressões. Fiquei aliviada com sua confissão, mesmo sem entender ainda o que isso significava.
- Posso sentir sua energia circulando pela casa ou se você estiver na rua, ou em qualquer outro lugar; sinto sua energia e permaneço onde você estiver. Era mais fácil te acompanhar quando eu não tinha um corpo. Hoje em dia, por exemplo, não posso simplesmente sumir das aulas de Geografia pra ficar com você na Educação Física.
- Como está comigo o tempo todo então?
- Estou profundamente conectado a você. Mesmo estando longe, fisicamente, sinto sua
energia, sua vibração, e assim posso saber se está tudo bem ou não.
- E se não estiver?
- Estarei lá em menos de um milésimo de segundo. - concluiu.
Imediatamente lembrei-me do dia do incidente com Marcos, Robert aparecendo naquele ponto de ônibus de repente, como se soubesse de alguma coisa... Ele sabia.
__ Vou te levar pra casa agora. Sei que provavelmente deve ter uma dúzia de perguntas pra me fazer, mas vamos com calma, tudo bem? Tenho medo de que você entre em pane com tanta informação! - ele riu, e não consegui deixar de rir com ele.
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Intrínseco
Fantasy"Será mesmo possível alguém se apaixonar pelo seu próprio anjo da guarda? Acredito que sim, pois eu estava, irreversivelmente, apaixonada pelo meu. E por mais bizarro e absurdo que pudesse parecer, por um milagre, ele também estava apaixonado por mi...