- Ogue? - repetiu Robert, me encarando.
Eu conhecia bem aquele seu olhar de duvida.
__ Sim, Ogue! - enfatizei.
Robert manteve seu olhar duvidoso em meu rosto.
- O que ele queria? - perguntou com cuidado - O que ele te disse?
Balancei a cabeça numa negativa constrangida, antes de falar.
- Hã, nada... Ele não me disse nada, não falou comigo...
- Como sabe que era Ogue? - Robert interrompeu minha incoerência.
Tentei encontrar a resposta, mas eu não a tinha. Eu só sabia que aquele homem, que sempre estava em meus sonhos e que estivera em meu quarto, era Ogue e pronto.
- Não sei! - suspirei, irritada por não saber como me explicar. - Mas era ele... eu sei que era.
- Como pode ter tanta certeza? - a voz de Robert era um sussurro.
- Não sei! - murmurei novamente.
- Não estava dormindo...
- Não, Robert! Quero dizer... eu estava, mas algo me acordou e quando abri os olhos ele
estava bem ali, - apontei para a porta - saindo do meu quarto. E eu... senti que era Ogue! - dei de ombros, desistindo de tentar explicar algo para o qual não explicação.
O rosto de Robert se repuxou numa máscara de pavor que ele tentou esconder, inutilmente, atrás de um sorriso muito forçado e de palavras suaves que não conseguiram me tranqüilizar.
- Não deve ser nada. - ele deu de ombros, com fingida despreocupação, como se estivesse se obrigando a acreditar no que dizia. - Talvez ele esteja apenas... curioso. Você sabe que desperta a curiosidade em todos a sua volta, não é? - completou, com a voz mais tranquila e o sorriso mais natural. Mas minha aflição não diminuiria com tanta facilidade. Robert estava fingindo aquela calma, e eu sabia disso.
- Não gosto dele. - sibilei - E também não gosto da ideia de que esteve em meu quarto.
- Não tenha medo. Ele não irá te machucar! - afirmou Robert, quase como se estivesse
diante do invasor, ameaçando-o com essas palavras. Mas percebi, com tristeza, que havia uma dúvida transbordando em seus olhos.
- O que acha que ele veio fazer aqui? - perguntei, com um milhão de ideias aterrorizando minha mente extremamente fértil. - Seja sincero, por favor!
Encarei seu rosto imóvel, enquanto me preparava para ouvir a pior de todas as respostas.
Robert estava lutando contra as suas emoções. Estremeci, ao perceber que o medo era a emoção que ele tinha mais dificuldades em combater.
- Sinceramente? - murmurou ele.
- Sinceramente! - confirmei, mas já não sabia se realmente queria saber o que ele achava.
- Não tenho a menor idéia. - confessou - Não consigo nem imaginar uma razão para Ogue entrar em seu quarto, e ainda deixar que você o veja. Não faz sentido ele se deixar ser visto por uma humana. Eu não entendo... - Robert estava sendo sincero. A frustração em seu rosto deixava isso muito evidente. E eu entendia que não havia nada pior do que não saber o que levara Ogue direto para mim..
Ele deu de ombros
__ Mas como eu disse, talvez Ogue esteja apenas curioso.
Eu esperava que Robert estivesse certo, mas por alguma razão eu sabia que não estava.
Ogue queria alguma coisa, eu podia sentir isso.
Robert ficou comigo aquela noite inteira, pela primeira vez, e eu nem precisei insistir. Ele sabia que eu estava assustada e que a única maneira de me acalmar era tê-lo por perto.
Mas, apesar disso, ele não quis deitar-se na cama comigo, disse que era arriscadamente
perigoso. Eu poderia me mexer durante o sono e tocá-lo sem querer.
- Não queremos isso, não é? - disse, trazendo a poltrona da escrivaninha para perto da cama.
- Não sei se não quero! - resmunguei, me enfiando embaixo do lençol como uma criança contrariada.
Ele era lindo e estava ali para mim. O que mais uma garota pode desejar quando se tem um anjo da guarda como namorado? Não. O que mais uma garota pode desejar quando se tem Robert Castro como namorado?
Eu nunca tive muita sorte na vida, nunca ganhei nenhuma promoção, nem nada nos bingos e gincanas do meu antigo colégio. Mas agora eu sabia que todos os prêmios que deixei de ganhar ao longo dos anos, estavam sendo recompensados. Entretanto, era inegável que estava ficando cada vez mais difícil esse negócio de não poder tocá-lo.
Era frustrante não poder beijá-lo quando eu bem entendesse. Qualquer outra garota
aproveitaria muito melhor aquele momento. Que vantagem havia em estar sozinha em meu quarto com meu namorado, se não podíamos nos aproximar demais sem colocar minha vida em risco?
Quem me dera o amanhecer durasse vinte e quatro horas.
__ Em quê está pensando? - Robert quis saber.
__ Em nada! - menti.
Ele balançou a cabeça negativamente para mim, num pedido silencioso para que eu não mentisse para ele
Respirei fundo.
__ Em nós! - confessei - Em nosso pouco tempo juntos. - a ênfase em minhas palavras deixaria bem claro sobre o que exatamente eu estava pensando.
Ele sorriu de leve.
__ Existiu um filosofo alemão que dizia: "Dê a um homem tudo o que deseja, e no mesmo
instante ele sentirá que esse tudo não é tudo." - Robert me encarou em silencio, e eu não precisava que ele dissesse mais nada.
__ Éh, parece que esse filosofo era mesmo entendido das coisas. - concordei, enquanto sentia aquelas palavras criarem sentido para mim. Tudo o que eu queria era poder ser tocada por Robert, mas agora, tudo não era tudo. Eu queria mais.
__ Quem era o filosofo? - perguntei, sentindo meus olhos pesados pelo sono que forçava em retomar seu império.
__ Isso não importa, agora descanse, meu bem?
Acabei dormindo mais cedo do que julgava ser possível, minha cabeça doía pelo susto da véspera.
Tive outro pesadelo com o homem de manto branco, Ogue, mas dessa vez ele não estava
fugindo de mim. Eu o vi, finalmente.
Seu rosto era quase perfeito - só não o era porque eu já conhecia a verdadeira perfeição. Sua pele era alva; tão clara que eu encontrava dificuldades para distinguir seus traços em toda aquela brancura angustiante. Os cabelos eram longos, pouco acima da cintura, e negros como um céu sem estrelas; descendo em cascatas encaracoladas e reluzentes. Os lábios eram pálidos, quase anêmicos, mas um sorriso prendia-se a eles dando-lhes certa vivacidade.
O que mais me cativou naquele rosto foram os olhos. Eram tão parecidos com os olhos de Robert, um azul acinzentado totalmente incomum, mas eu não conseguia enxergar ali um céu azul de primavera. Apesar da semelhança com olhos mais lindos do mundo, aqueles olhos não tinham beleza para mim. Eram assustadores e apavorantes.
Eu o encarei, sustentando seu olhar opressor, sentindo-me de repente estranhamente infeliz com seu sorriso sarcástico. E quanto mais eu o olhava, mais desejava continuar olhando; era como se ele estivesse me hipnotizando. Senti-me lentamente mergulhando em luzes profundas, como se um holofote potente tivesse sido aceso a milímetros de meu rosto. Só havia luz e aquele anjo no centro de minha visão. Seu sorriso alargou-se em seu rosto quase perfeito e imóvel, e imediatamente minha infelicidade começou a espalhar-se dentro de mim, tomando conta de cada pedacinho existente em meu coração. Senti-me completamente sozinha e era uma solidão aterradora. Mais do que só, sentia-me incompleta, como se o sorriso daquele anjo tivesse o poder de separar meu corpo de minha própria alma; e ele parecia ter noção disso pelo prazer vitorioso que reluzia em seus olhos.
Agora ele ria serenamente enquanto meu desespero aumentava. A ausência de algo estava me sufocando, como se eu estivesse tentado respirar num ambiente sem oxigênio, por mais que eu empurrasse o ar para meus pulmões não conseguia me sentir aliviada. "Pare!" murmurei caindo de joelhos. "Pare, por favor!" implorei prostrada, tentando esconder o rosto com as mãos, mas não adiantava, por mais que eu me escondesse, mesmo que eu fechasse os olhos, o seu sorriso perversamente doce estava lá, pregado em minha mente. Era
impossível conseguir me livrar. "Por favor, pare, pare!", a solidão que me assaltava era mais do que eu podia suportar.
"Pare!" meu sussurro tornara-se um grito. "Por favor, por favor, pare!"
Ele continuava sorrindo, incansavelmente, enquanto eu mantinha minhas pálpebras grudadas, numa tentativa frustrada de não enxergá-lo. Eu só precisava que ele parasse de sorrir."Pare... pare... pare..."
Eu não sabia por quanto tempo mais suportaria o peso daqueles olhos e daquele sorriso, que só faziam aumentar a desolação em meu espírito. "Pare, pare..."
- Pare! - acordei sobressaltada, sentando na cama num pulo.
- Shhhh! - murmurou Robert, muito próximo de mim, a mão tocando de leve minha bochecha.
Levei um minuto inteiro pra compreender que estava realmente acordada, que minha mente não havia saído de um pesadelo e entrado em um sonho. Um sonho perfeito demais, porque Robert estava nele... e me tocava?
Não, aquilo não era um sonho. Eu estava mesmo acordada e ele estava mesmo me tocando.
Lentamente senti Robert inclinar-se para mim. Meu coração bateu desenfreado, não consegui respirar. Ele estava sentado na ponta da poltrona, o rosto ficando cada vez mais próximo do meu. Seus olhos mudando de cor sutilmente, o cinza escorrendo para as bordas de suas íris . E enquanto ele me olhava pude sentir o sol nascendo no horizonte; devagarzinho, suave e gentil.
Fechei os olhos e sorri, desfrutando com prazer os primeiros minutos do dia.
Seus lábios tocaram os meus com carinho e muito lentamente; mas a lentidão durou pouco.
Meu descontrole, somado à vontade sempre crescente de tocá-lo, tornaram nossos lábios mais urgentes, mais apressados, mais cheios de vontade ainda. Enrosquei os braços em torno de seu pescoço e o puxei para mim, arrancando-o da poltrona inútil. Ele era quente e forte, e incrivelmente meu naquele momento. Metade de seu corpo estava sobre o meu na cama, e eu podia sentir as batidas de seu coração pulsando em mim. Nossos lábios moviam-se numa incrível sincronia de ritmos, num mesmo compasso apressado e perfeito. Robert deslizou as mãos por minha cintura, seu toque era uma pluma e causou-me arrepios. Eu nunca havia estado com um garoto como estava com ele agora. Na verdade, eu nunca havia estado com
nenhum garoto antes, ele era meu primeiro namorado. Então eu não sabia o que exatamente podia ou não fazer, não sabia exatamente quais eram os limites.
Enquanto as mãos dele deslizavam pela pele de minha cintura, afastando com cuidado a blusa de meu pijama, eu ia descobrindo sensações que jamais imaginei sentir. Sensações até então inevitavelmente desconhecidas, mas que agora vinham à tona, como uma enxurrada de cores, sons e vibrações. Aquilo tudo era muito novo para mim; totalmente desconhecido e
maravilhoso.
Agarrei-me com mais força em seu corpo, mas ainda não parecia forte o bastante. Robert não parecia perto o suficiente e então, antes que eu pudesse impedir, ele estava longe de verdade, sentado novamente na poltrona; o rosto corado, a respiração quase ofegante.
- O que foi? - perguntei, quase sem conseguir respirar, infeliz com o vazio em meus braços. - Não temos mais tempo?
Ele respirou fundo e recostou-se confortavelmente na poltrona.
- Não, não é isso - disse com voz calma, porém tensa, a respiração voltando ao normal.
- Então qual o problema? - perguntei inclinando-me para ele.
Robert tocou meu rosto com a ponta dos dedos.
- Não sei como ficar com você, Ísi! - sussurrou.
Não entendi o que suas palavras significavam, mas não me importei em traduzi-las naquele momento.
- Do jeito que estava, me parecia uma ótima maneira. - falei, esperando que ele entendesse minhas reais vontades.
Robert sorriu com malícia, mas ainda assim era um sorriso inocente.
- Chega pra lá! - pediu, afastando-me com cuidado para a outra extremidade da cama.
Ele deitou-se ali comigo. Seu rosto, sempre perfeito para mim, a centímetros do meu.
Analisei-o por um instante. Havia em suas feições alguma coisa que não consegui identificar.
- Ísi, - ele pronunciou meu nome tão lentamente. - Com o que estava sonhando, antes de eu te acordar? - ele estava hesitante, a voz controlada.
Concentrei-me por um momento, trazendo à mente as lembranças de meu sonho. Não fora Robert que me acordara, mas eu não diria isso a ele.
- Não me lembro. - menti, minha voz era um pedido desculpas.
Eu não queria preocupá-lo ainda mais com meus pesadelos sem fim, não queria ver em seu rosto a mesma frustração que sempre unia suas sobrancelhas quando alguma coisa não estava muito bem. Eu não diria nada a ele sobre este último pesadelo com Ogue e nem sobre qualquer outra coisa relacionada a isso que pudesse deixá-lo tenso. Eu encerraria de vez este assunto.
- Não me lembro porque você me distraiu! - acusei com um sorriso, depois toquei seus
lábios com os meus dando-lhe um selinho comportado.
Robert tomou uma de minhas mãos entre as suas e ficamos em silêncio. Nada precisava ser dito, nada que valesse a pena comprometer a intensidade do momento. Eu desejava secretamente aquele instante, poder ficar deitada ao lado dele, sem me mexer, sem dizer uma palavra, por quanto tempo a vida me permitisse.
A sonolência começou a pesar em meus olhos, lutei contra ela com toda forças que pude, mas foi inútil. Eu não entendia o porquê andava tão cansada ultimamente. Minhas pálpebras se fecharam, cansadas, para o sono profundo. Mas não antes de eu perceber que Robert já não segurava mais minha mão.
Tive um sono tranquilo, sem pesadelos e sem mais visitas noturnas indesejadas.
Mas quando despertei de manhã, meu coração apertou-se atormentado no peito.
Eu estava sozinha, completamente sozinha em meu quarto.
Será que tudo não havia passado de um sonho? Robert nunca estivera em meu quarto, na noite anterior?
Num salto, sentei-me na cama, buscando as evidências para me certificar de que era tudo realidade.
A poltrona da escrivaninha estava ao lado da minha cama, exatamente como eu me lembrava. Não, não fora um sonho.
Fechei os olhos e automaticamente levei a ponta dos dedos até meus lábios.
Foi real.
__ Robert! - sussurrei, chamando por ele.
- Aqui! - gritou uma voz familiar, que vinha, ao que me parecia, da cozinha.
Abri os olhos assustada.
Realmente não havia sido um sonho, ou... eu ainda estava sonhando. Joguei o lençol para longe e corri ao encontro dele.
Ah, e lá estava o "sol", quente e acolhedor, brilhando dentro do pequeno cômodo.
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Intrínseco
Fantasy"Será mesmo possível alguém se apaixonar pelo seu próprio anjo da guarda? Acredito que sim, pois eu estava, irreversivelmente, apaixonada pelo meu. E por mais bizarro e absurdo que pudesse parecer, por um milagre, ele também estava apaixonado por mi...