15. Julgamento

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Na manhã seguinte, eu literalmente estava me sentindo um lixo. Prendi o cabelo num rabo de cavalo mal feito, e me enfiei num jeans com camiseta branca. Não tinha ânimo para pensar em melhorar minha aparência.
Tentei não pensar muito na humilhação com Robert Castro, mas era impossível não sentir meu estômago queimar cada vez que eu lembrava da expressão seria no rosto dele quando abri os olhos depois do fora massacrante que ele me deu. "O que te fez pensar que ele te beijaria?". A voz irritante na minha cabeça repetia a mesma pergunta a cada minuto. Me mantive firme em meu propósito de ignorá-la.
Quando bateu em minha porta, para irmos para o colégio, Marcos parecia mal humorado, mais do que eu. Tentei puxar conversa, mas ele respondia apenas com comentários monossilábicos ou com acenos de cabeça.
Não aguentei.
- Tem alguma coisa errada? - perguntei, enquanto descíamos as escadas.
- Não!
- Tem certeza? Você parece um pouco chateado! - observei.
Ele deu de ombros.
__ Se for alguma coisa em que eu possa ajudar... Sabe que pode contar comigo, não sabe? - insisti.
- Sei! - ele estava irredutível.
Descemos os últimos lances de escada em total silêncio. Marcos ia a dois degraus a minha frente.
Alguma coisa estava errada com ele, eu tinha quase certeza, aquele comportamento,
silencioso e distante, não combinava com o garoto, sorridente e debochado, que eu conhecia.
- Este silêncio está me deixando preocupada. O que está acontecendo? - perguntei quando ele começou a destrancar sua bicicleta.
- Nada! - respondeu asperamente.
Segurei sua mão, impedindo que continuasse com aquilo.
Marcos levantou os olhos para me encarar, era a primeira vez que me olhava diretamente aquela manhã.
- Por favor, me diga o que é! - pedi, ainda segurando sua mão.
Ele bufou.
- Vi você chegar com Robert Castro ontem. - ele manteve os olhos em mim - Demorou pra subir!
Engoli em seco, afastando-me automaticamente.
Então era isso?
- Por acaso estava me vigiando? - disparei na defensiva, totalmente arrependida por ter insistido tanto em saber o que havia de errado com ele.
- Não tenho culpa se minha janela tem vista para a rua.
- Não devia estar ocupado tomando conta da Jéssica para ter tempo de olhar pela janela?
- Jéssi já estava dormindo. Ela entende quando é hora de criança ir pra cama. - ignorei seu sarcasmo.
- Então aproveitou o tempo livre para bisbilhotar minha vida?
Marcos ainda me encarava, e havia algo em seus olhos que me deixou cautelosa.
Aquilo não daria certo.
- Escuta, Ísi... - ele hesitou por meio segundo e seus olhos já não estavam mais em mim quando começou a falar. - Existem caras bem legais por aí, sabia? Se der uma boa olhada em volta...
- O quê? - interrompi espantada. - Ah, não... Marcos, por favor, eu e você... somos amigos então... não...
- Não seja absurda, Ísi! - ele me interrompeu, tão surpreso quanto eu estava.
Nos encaramos em silêncio por um breve instante. Eu ainda avaliava mentalmente as
melhores formas de dizer "não" a ele, se ele realmente dissesse o que eu esperava que não dissesse jamais.
- Não estava me referindo a mim mesmo. - anunciou aparvalhado.
Deixei que o ar saísse de meus pulmões livremente.
- Isso é um... alívio! - e eu estava realmente aliviada.
- É mesmo um alívio. - acho que ele sorriu. - Seria meio embaraçoso se eu estivesse afim de você. - concordei em silêncio. - Bom, eu não estou... mas como eu disse,
existem caras legais por aí, e que podem estar.
Isso definitivamente não daria certo.
- Não está falando sério, não é?
Marcos não estava rindo. Então sim, ele estava falando sério.
- Alex Corrêa, por exemplo. - continuou ele. - Parece ser bem legal, pratica esportes, tem um bom porte atlético, é popular entre as garotas...
- Está afim dele? - ataquei azeda.
- Não tem graça, só estou ilustrando as qualidades de um cara descente e que está
interessado em você.
Eu ri alto.
- Alex? Interessado em mim? Ah, Marcos, tenha dó. O garoto quase nem fala comigo.
- Se você não o ignorasse, talvez ele tivesse mais coragem para falar com você.
__ Eu não o ignoro....
__ Mas também não dá nenhuma chance dele chegar em você.
__ Como assim, chegar em mim? - aquilo não fazia sentido nenhum dentro da minha cabeça.
__ Por acaso nunca percebeu a forma como ele te olha? - Marcos falava como se eu não
prestasse atenção em algo óbvio.
Não, eu nunca havia percebido a forma como Alex Corrêa me olhava, simplesmente porque ele não olhava para mim. Ele era o Ken, o que significava que, provavelmente, teria algum interesse na aspirante a Barbie, e que eu definitivamente não devia fazer o tipo dele.
Aquela conversa era mesmo necessária? O que Marcos pretendia com tudo aquilo, afinal?
__ Tenho certeza de que Alex está interessado em você, Ísi. E garanto que é provável que ele ganhe um carro do pai dele assim que completar dezoito anos...
__ Então é isso? Acha que sou algum tipo de interesseira que só daria uma chance pra um cara que tem carro?
__ Não foi o que eu quis dizer.
__ Foi exatamente o que pareceu.
__ Me desculpe, mas só quero te fazer enxergar que Alex pode ser uma boa opção pra você
- Uma boa opção? O que é, por acaso está treinando para abrir uma agência de
relacionamentos, ou o quê?
- Caramba, Ísi, você é tão engraçada. - mais uma vez ele não estava sorrindo.
- Eu não entendo, Marcos, por que está fazendo isso?
- Não, a pergunta é: por que você está fazendo isso?
- O que é que eu estou fazendo? - repeti, devolvendo-lhe sua pergunta.
- Será que não vê? Será que é mesmo tão difícil para você enxergar? - ele parecia
amargurado e com tanta raiva.
Eu não sabia o que pensar.
- Enxergar o quê, Marcos? - minha voz era a de uma criança pedindo explicação pela
vigésima vez à professora.
Ele olhou bem dentro dos meus olhos antes de falar.
- Enxergar que... - ele hesitou por um momento, parecia medir o que deveria me dizer - que isso não vai acabar bem, não vai dar certo, alguém vai sair ferido no final.
Eu ainda não conseguia entender o que suas palavras significavam.
- Tá legal. Eu estou boiando agora. Então será que pode, por favor, esclarecer sobre o que exatamente estamos tentando conversar?
Marcos ainda manteve os olhos nos meus por um instante, tão frios, tão cheios de certeza e... indignação.
- Ela é sua... amiga, Ísi!
- O quê? - eu o interrompi antes que ele pudesse chegar ao fim.
- Tem certeza de que está sendo justa com ela?
- Não sei do que está falando! - menti por instinto de preservação.
- Por que não se afasta dele? - sua voz era irritada.
- Você está sendo ridículo. - acusei.
- Estou mesmo? Tem certeza?
- Não vou discutir isso com você. - era uma boa resposta para quem sabia que não teria argumentos para sustentar uma discussão.
- O que vai dizer a ela quando ela descobrir a verdade? - ele estava me provocando.
- Que verdade?
Marcos balançou a cabeça lentamente.
- Talvez ela concorde em dividí-lo com você, mas será que você concordará em dividí-lo
com ela?
- Não acredito que está me dizendo essas coisas.
- E por que não? Não é essa a mais pura verdade, Heloísi?
Eu queria sair correndo. Como ele sabia? Como? Será que eu disfarçava tão mal assim? Será que mais alguém, além dele, havia percebido alguma coisa? Será que Marcos manteria segredo?
- Vai contar a ela? - perguntei, num fio de voz, sem coragem de encará-lo.
- Se for difícil demais para você, acho que posso fazer isso, afinal alguém precisa usar de honestidade por aqui, não acha? - ele estava me condenando.
- Pensei que fôssemos amigos, pensei que... eu pudesse confiar em você! - reclamei, e minha voz saiu mais alta do que eu esperava.
Marcos acompanhou meu tom sem nenhum problema.
- É justamente por ser seu amigo que estou aqui, para te dizer que o que está fazendo não é certo.
-- Não, você está aqui me julgando.
- Não estou te julgando, só não acredito que esteja mesmo... apaixonada por ele. Esse cara... não te merece, Ísi... ele...
- Escuta aqui Marcos, você não tem nada a ver com a minha vida, tá legal? E... eu não estou apaixonada por Robert Castro, e mesmo que eu estivesse, coisa que não estou, está me ouvindo, você seria a última pessoa que poderia dar alguma opinião.
__ O quê?
__ É isso mesmo, o que você pensa ou deixa de pensar a respeito de Robert, não conta, porque não importa o que ele faça, você sempre terá uma critica a fazer. O que eu, honestamente, acho totalmente infantil, porque você poderia pelo menos separar os "culpados" dos "inocentes", ou seja lá como for.
__ Você não entende...
__ Realmente, eu não entendo. Porque seu julgamento é totalmente idiota e injusto. Robert não tem nada a ver com o que os tios dele fizeram.
__ Ah, tem sim! Ele apoiou a oferta deles, sabia?
__ O que?
__ É, Ísi, seu amiguinho, legalzinho e cheio de perfeição, foi até a maternidade, na tarde em que Jéssi nasceu tentar convencer minha irmã a entregar a criança aos tios dele. Ah, mas me desculpe, isso não é uma crítica a atitude dele, quero dizer, ele não teve nada a ver com o que os tios fizeram, não é mesmo?
__ Ás vezes você é tão infantil! - bufei, desistindo de tentar conversar.
Olhei para minha bicicleta encostada na parede, esperando que eu a destrancasse e a levasse para rua. Eu estava com raiva demais para conseguir pedalar, ainda mais ao lado daquele garoto insuportável que se dizia meu amigo, mas que estava prestes a me meter em uma encrenca.
Se ele contasse para Beatriz... Não, eu não conseguia imaginar a reação que ela teria.
Decidi esquecer a bicicleta definitivamente.
__ Aonde vai? - perguntou Marcos, quando comecei a caminhar em direção a porta de saída do prédio.
Olhei para trás e vi seu rosto perplexo esperando por minha resposta, mas não consegui dizer nada, não tive forças para falar que estava preferindo ir para o colégio de ônibus do que na companhia dele, que não entendia como ele havia descoberto o que eu sentia, ou que não acreditava que ele teria mesmo coragem de contar tudo para Beatriz.
Sem dizer uma palavra, virei as costas e passei pela porta.
Marcos poderia ter vindo atrás de mim, mas não veio, e eu sabia que ele não viria porque de algum modo tinha consciência de que havia passado do limite, afinal, ele realmente não tinha nada a ver com a minha vida.
O ponto de ônibus ficava umas duas ruas de distância do prédio e estava vazio quando cheguei, o que significava que, provavelmente, havia acabado de passar um ônibus, e que eu teria que esperar pelo próximo, o que me faria chegar atrasada na escola mais uma vez. Encostei na barra cinza de metal e esperei ansiosa, observando o movimento, tentando esvaziar minha cabeça de todos os pensamentos possíveis. Minutos depois um veículo parou rente ao meio fio, e não era um ônibus.
- Ísi? - disse a voz rouca e familiar vinda de dentro do carro.
Meu coração disparou.
- Robert? - minha voz saiu alta demais para o meu gosto, quase eufórica na verdade. - O que... não devia estar na escola? - perguntei baixando uns três tons, mas a euforia ainda era muito perceptível. Ele sorriu de leve, e não parecia em nada com o garoto sério, quase sombrio, que havia me descartado sutilmente, na noite anterior.
Respirei fundo, tentano esquecer a indiferença que havia no rosto dele.
- Na verdade estou indo para lá! - ele disse. Minhas sobrancelhas uniram-se de pura indagação.
- Não está um pouquinho fora do seu itinerário? - perguntei desconfiada. Ele morava quase do outro lado da cidade. Não fazia sentido que usasse aquele caminho para o colégio.
- É, parece que estou sim. - concordou relutante, depois abriu, pelo lado de dentro, a porta do carro para mim. - E aí, quer uma carona?
Foi minha vez de sorrir. Entrei no jipe sem pensar duas vezes, tentando controlar a respiração.
Eu era fraca, porque se tivesse um pouquinho mais de amor próprio, não entraria tão cedo naquele carro. Era humilhante. Mas Robert estava agindo tão naturalmente, que achei que talvez fosse melhor mesmo fingir que nada havia acontecido.
- E então? Para onde devo levá-la? - perguntou, quando apertei o cinto de segurança.
- Como assim? Para o colégio, oras. - Robert olhou-me curioso. - O que foi?
- Se está indo para a escola, o que fazia num ponto de ônibus? Aconteceu alguma coisa com sua bicicleta? - indagou virando para o norte e pegando a estrada principal.
Suspirei.
- Não, minha bicicleta está bem.
- Pode explicar esse tom de tensão, ou vai dizer que é só impressão minha?
Respirei fundo e não ousei deixar que meus olhos me envergonhassem, busquei um fio solto em minha saia e os obriguei a permanecerem completamente presos alí.
- Bom, Marcos e eu acabamos de ter uma... discussão, e isso não me deixou com humor para pedalar. - expliquei simplesmente, não querendo dar muitos detalhes.
A expressão de Robert de repente tornou-se ilegível.
- Esse garoto é um idiota, não se como você o agüenta! - rosnou quase consigo mesmo. Isso me pegou desprevenida.
- Não fale assim, - precipitei-me. - Marcos às vezes é meio imaturo, mas até que é bem
legal!
Robert suspirou pesadamente e pensei sentir uma pontada de alívio em seu suspiro, mas não tive certeza.
- Que bom que discutiram! - murmurou, quase em silencio. Meus olhos aproveitaram-se de minha distração com aquela frase e correram para o rosto do garoto ao volante. Ele estava sorrindo. - Afinal, aqui estamos nós. - ele também virou-se para me olhar. Sua expressão era tão tranquila.
- Aqui estamos. - repeti com gratidão.
Seguimos o restante do caminho embalados pela mesma droga de música que tocara na noite passada, enquanto eu fechava meus olhos idiotamente, na esperança de ser beijada pelo cara mais lindo do universo, e eu só fiquei pensando se seria muita loucura abrir a porta do carro e me atirar na estrada.
Se eu não morresse, teria que dar uma boa explicação para aquela atitude, e eu não teria uma boa explicação. Então era melhor continuar sendo torturada pela melodia doce e o timbre suve do cantor, enquanto tentava fingir que não me lembrava de nada.
Robert estacionou em sua vaga de sempre quando chegamos ao estacionamento da escola.
- Obrigada pela carona. - agradeci, pegando minhas coisas e descendo do carro.
- Estarei te esperando na saída! - ele disse, parando ao meu lado e ligando o alarme.
- Ah, não... Não precisa. Volto de ônibus... - eu ia recusar, eu estava recusando, mas Robert
interrompeu-me antes que eu pudesse ir até o fim.
- Ísi, não vou te deixar andar de ônibus sozinha por aí. Pode ser perigoso. - ele estava sério, havia uma preocupação exagerada em seus olhos e sua voz era ligeiramente tensa, até parecia Marcos falando.
Concordei com um aceno automático, incapaz de dizer qualquer coisa. Robert sorriu satisfeito, atirou a mochila lindamente sobre o ombro direito e se foi, antes que eu pudesse mudar de ideia. Continuei parada alí, vendo-o se afastar e, então, na porta de entrada do prédio quatro, encontrei os olhos furiosos de Beatriz me observando.
"Droga"
Ela irrompeu para dentro do prédio e quase levou a porta com ela.
Respirei fundo, já sabendo que um bombardeio de perguntas me aguardava bem ao lado de minha carteira. Beatriz nem me disse "oi". A primeira coisa que saiu de seus lábios quando tomei meu assento foi:
- O que você estava fazendo no carro dele?
Expliquei-lhe sobre a discussão com Marcos, mas isso não pareceu importar muito a ela, talvez por eu ter ocultado completamente o motivo da discussão. Eu disse também que pretendia pegar um ônibus, mas então Robert apareceu.
- Foi só uma coincidência! - justifiquei inocentemente.
- Que estranha coincidência! - Beatriz fechou a cara pra mim, parecia irritada, e... magoada?
Involuntariamente lembrei-me das palavras de Marcos aquela manhã. Ele tinha razão. Alguém sairia ferido nessa história e eu esperava, sinceramente, que não fosse Beatriz.
Respirei fundo e virei-me para ela.
- Tenho novidades! - falei, tentando parecer confidente. Beatriz olhou-me de lado fingindo desinteresse. Tá legal, então eu teria que ser mais específica. - Novidades sobre
Robert. - sussurrei.
Agora ela estava com os olhos pregados em mim.
- Que novidades? - perguntou ela, urgente.
Pigarreei baixo pra não engasgar com as palavras.
- Ontem, depois que te deixamos na sua casa, Robert e eu estávamos conversando na frente do meu prédio e... bom, ele disse que te achou bem divertida. - anunciei num sussurro sugestivo.
Os olhos de Beatriz ficaram marejados de surpresa.
- O que? Sério? - ela estava quase sem ar. - Ele... Robert Castro disse mesmo que me achou divertida? - concordei com um sorriso dolorosamente culpado. Aquilo não era inteiramente verdade, mas não devia fazer mal algum ela pensar que fosse, não é?
Beatriz comprimiu os lábios, uma mistura de dor e vitória tingia seus olhos negros.
- Eu sabia, eu... sabia! - murmurou ela, secando uma lágrima que escorria pelo seu rosto. - Eu só precisava de uma oportunidade, e então Robert seria totalmente meu!
O quê? Essa garota era louca? Eu realmente não esperava que minhas palavras surtissem este efeito. Era uma inverdade inocente. Mas quando se tratava de Robert Castro, Beatriz ia além do esperado. Que outra menina acharia que um garoto é totalmente seu apenas porque ele, supostamente, disse que a achava divertida?
- O que mais ele disse? - perguntou minha amiga, ansiosa e cheia de expectativas.
- Na verdade, foi só isso. - murmurei séria. Qualquer outra coisa que eu dissesse teria
interpretações exageradas.
Ela suspirou pensativa, depois deu de ombros.
- Tudo bem. Ele gosta de mim. Isso é o que importa e até ele se apaixonar será um passo.
Beatriz passou a manhã toda reluzente de emoção. E eu me sentia, a maior parte do tempo, culpada.
Na educação física descobri que Marcos não havia ido à escola. Achei estupidez da parte dele, mas, de todo modo, eu havia sido estúpida primeiro, ao me recusar a pedalar ao lado dele aquela manhã. De certa forma também consegui me sentir aliviada por ele ter faltado, porque assim não seria hoje que Beatriz descobriria toda a verdade.
Na saída, esgueirei-me pelo estacionamento e consegui entrar no carro de Robert sem ser vista por ela, o que foi um alívio. Fiquei encolhida o máximo que pude ao lado da janela, mesmo com o vidro preto fechado até em cima, tentando me esconder discretamente, enquanto Robert manobrava pelo estacionamento fervilhante e congestionado. Meus olhos corriam para todos os lados procurando por Beatriz, checando se ela não estava me vendo escondida atrás de um carro ou em cima de uma árvore. Ela era capaz disso, por mais absurdo que pudesse parecer.
Finalmente Robert conseguiu chegar à rua, mas só me senti aliviada e segura quando
estávamos a uns duzentos metros da escola. Se Beatriz estivesse me vigiando, não me deixaria chegar tão longe.
Fizemos todo o percurso num estranho silêncio desconfortável. Eu não sabia o porquê, mas Robert parecia irritado com alguma coisa, então nem ousei tentar bater papo.
- Obrigada pela carona, mais uma vez! - murmurei assim que paramos em frente ao meu prédio.
- Disponha! - ele disse quando cheguei à calçada.
Tentei sorrir e acho que pareceu qualquer coisa, menos um sorriso, e Robert arrancou com o carro, saindo rápido demais.

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