27. Condicional

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E então não pude mais resistir... lentamente deixei que meus olhos se fechassem e esperei pelo beijo.
Os lábios de Robert tocaram carinhosa, lenta e deliciosamente os meus.
Meu corpo todo reagiu instantaneamente, formigando da cabeça aos pés. Me entreguei ao beijo dele sem nenhum medo, nenhum receio de não saber o que fazer, porque, de repente, eu não precisava pensar no que devia fazer, eu simplesmente fazia, como se tivesse feito aquilo minha vida toda.
Ele me beijou tão devagar, como se não quisesse que chegasse ao fim, e eu correspondi na mesma proporção.
Aquilo não podia ser real. Com certeza eu estava tendo mais um de meus sonhos, o melhor de todos, sem dúvida.
Aquilo era... perfeito demais.
Os lábios de Robert eram ansiosos, desejosos, moviam-se com todo cuidado, delicadeza e
doçura existentes no mundo. Eu sabia que ele, assim como eu, há muito esperava por aquilo. Eu podia ouvir sua respiração ofegante, trêmula, descompassada, desritmada. Suas mãos moviam-se com leveza pelo meu rosto, deslizando com graça pelo meu pescoço, com tanta vontade, com tanta urgência, porém tão hesitantes e com tanto cuidado.
Emaranhei os dedos por entre seus cabelos, também com muito cuidado para não despertar do sonho.
Ele estava ali, era real, e estava mesmo me beijando. Eu podia senti-lo. Sentir sua boca, quente e doce, se movendo perfeitamente na minha, e isso me fez ter vontade de chorar só um pouquinho.
Meus dedos percorreram com precisão cada centímetro de seu cabelo macio, cada pedacinho de sua nuca lisa, de seu rosto perfeito. Ouvi um grunhido silencioso quando o apertei ainda mais contra meu corpo com medo de que ele fosse uma ilusão, e de repente se evaporasse como fumaça entre meus braços.
Eu havia desejado aquele momento, sonhado com ele por tantas noites e agora ele se tornava real para mim.
Eu podia afirmar com toda convicção: Milagres são reais.
Mas, como a explosão de fogos de artifício, o que parecia mágico e iluminado, findou-se de repente.
- O que foi? - perguntei, quando ele afastou com pressa os lábios dos meus, e não entendi o porquê de sua expressão, de repente, dolorida.
- Não temos mais tempo. - disse, tomando meu rosto entre as mãos. Fechei os olhos, ansiosa e confusa. E esperei por mais um beijo, que não veio.
Quando abri os olhos novamente, ele estava a quase três metros de distância, não havia mais asas e o cinza de seus olhos estava de volta.
- Eu... sinto muito - foi só o que ele disse, enquanto vestia camiseta.
Robert recostou-se numa pedra, distante demais de onde eu estava.
- O que... o que houve? O que foi? - perguntei, andando para ele, querendo voltar para seus braços, mas ele estendeu uma mão para mim, dando-me sinal para parar. Fiquei perdida, o coração apertado com a separação repentina.
- Está vendo o sol? - murmurou ele amargurado.
Olhei rapidamente para o horizonte, o sol acabara de emergir completamente do mar. O céu agora era de um rosado delicado, enquanto o mar cintilava num tom laranja dourado. Voltei a olhar para Robert, esperando por sua explicação, pois devia haver uma.
- O sol já ultrapassou a linha do horizonte. - sua voz era controlada, pensativa. - Este é o nosso cronômetro. Ele nos avisa quando nosso tempo já se esgotou.
Fiquei ainda mais confusa. O que ele queria dizer com cronômetro, tempo esgotado? Por que ele estava agindo daquela forma, por que de repente estava mantendo-se distante de mim?
- Acho que preciso de uma explicação mais clara. - avisei, sentando-me em uma pedra ao lado dele.
Robert suspirou. Seus olhos encaravam os pedriscos no chão, pensativos demais.
- Só podemos ficar juntos... juntos mesmo... enquanto o sol estiver nascendo. Apenas nos
primeiros minutos do amanhecer posso te tocar sem te causar nenhuma... dor.
- O... o quê? - eu ainda estava perdida.
- A partir do segundo em que o sol surge no horizonte até o momento em que ultrapassa sua linha sou inofensivo para você - explicou calmamente. Pensei tê-lo visto sorrir de leve, mas não tive certeza.
- Argh! - arfei com raiva, ou dor, ou revolta, ou tristeza, não sei ao certo.
- O que foi? - ele levantou os olhos para mim, mas fui incapaz de encará-lo, foi minha vez de manter os olhos nas pedrinhas perto de meus pés.
- O que houve? - insistiu ele com urgência, diante de meu silêncio.
- Por um momento... pensei que... as coisas tivessem voltado ao normal. Pensei que... - me interrompi sem coragem de continuar - Só nos primeiros minutos do amanhecer? - perguntei melancólica, entendendo que minhas esperanças de que poderia tocá-lo pra sempre era uma ilusão.
Robert balançou a cabeça, parecendo entender exatamente o que eu havia pensado, desculpando silenciosamente.
- Isso quer dizer que temos o quê... uns três minutos por dia? - resmunguei.
- Na verdade, um pouquinho menos.
- M-menos? - quase engasguei.
Claro. Então me lembrei de repente de minhas próprias palavras na última tarde "Muito menos já me basta", era o que eu havia dito.
Sara sempre me dizia que devemos tomar cuidado com o que desejamos, pois se o desejarmos de todo o coração, certamente acontecerá. Eu havia desejado de todo meu coração, de toda minha alma, com tudo o que havia em mim, poder sentir o toque de Robert outra vez; poder beijá-lo, abraçá-lo, sentir seu calor por qualquer período de tempo possível, cinco, quatro, três minutos, ou menos. Não importava, porque no fundo, para mim, não passava de um desejo irrealizável, um sonho distante, uma triste impossibilidade. No entanto, a força pulsante do desejo em meu coração tornara real a mais improvável de todas as realidades.
E será que isso me bastaria?
- Essa é a nossa condicional! - revelou Robert, num sussurro - Foi só o que consegui, e devo dizer que não foi fácil...
- Condicional? - interrompi alarmada.
Robert me encarou.
- Depois do que passamos na tarde de ontem, depois que senti toda sua vontade e angustia, eu não poderia simplesmente deixar as coisas como estavam. Eu sabia que você tinha razão quando disse que a tendência era nossa situação ficar ainda pior. E não seria justo eu fazer isso com você, não é? Eu precisava... dar um jeito!
__ Dar um jeito? - repeti.
__ Depois que te deixei em casa ontem, eu fiz o que devia ser feito... Procurei alguns amigos que poderiam interceder ao nosso favor.
__ Amigos? - eu me sentia um papagaio, repetindo tudo.
__ Existem... anjos que, mesmo não aprovando minha atitude, preocupam-se com você, com a sua alma. - revelou Robert, com satisfação.
Era estranho ouvir aquilo, ouvir que havia anjos, outros anjos, que se preocupavam comigo. Ele continuou.
__ Não tenho permissão para te revelar alguns detalhes, mas basta dizer que eles ouviram o seu choro, ouviram sua prece!
__ Mas, eu não pedi isso, não tive coragem... - revelei, quase envergonhada.
Robert sorriu para mim.
__ Exatamente, o fato de você ter pedido para aprender a conviver com seu destino, ao invés de pedir para mudar seu destino, mostrou o quanto você estava disposta a renunciar sua carne, por mim. Eles viram o quanto a falta completa de contato físico a estava perturbando, e ainda assim, o quanto você estava disposta a seguir em frente... Foi por você que nos deram estes poucos minutos por dia.
Senti meus olhos ficando molhados.
- Agradeça a eles por mim! - consegui dizer, antes que uma lágrima caísse.
- Já agradeci. - sussurrou ele e em seguida ficou em total silencio.
- Está feliz? - perguntei baixinho, enquanto secava o rosto com as costas da mão.
Robert me encarou.
- Você não está? - ele me devolveu a pergunta.
Nos olhamos em silêncio por um instante e nem um dos dois precisou de uma resposta.
- É melhor voltarmos, antes que sua irmã acorde e descubra que não está em casa. Não quero que tenha de dizer a ela que te raptei, já é bem complicado sem isso.
Revirei os olhos, mas concordei, seria melhor mesmo eu estar de volta antes de Lena sair
para trabalhar.
Voltamos para o carro seguindo o mesmo caminho. A descida foi muito mais fácil, a claridade me permitia enxergar aonde meus pés deviam pisar. Robert caminhava dois passos a minha frente, às vezes se virava para me olhar e certificar-se de que eu ainda o estava seguindo.
Mantive o silêncio durante todo o trajeto até o carro, minha cabeça girando com as novas
descobertas, com a nova possibilidade.
"Então ele me pertenceria inteiramente a cada nascer do sol?"
É claro que era pouco, muito pouco, pouquíssimo - menos de três minutos - mas era o que tínhamos e certamente era melhor do que não ter nada.
"A cada nascer do sol", repeti para mim mesma. Um horizonte multicolorido de alegria brilhava para mim. Minha alma gritava e cantava de felicidade com essa ideia.
Meus lábios ainda formigavam quando Robert colocou o carro na estrada, dirigindo de volta pra casa. Levei distraidamente a mão até a boca, tocando-a com cuidado, lembrando-me do sabor doce e maravilhoso do beijo dele. Uma onda forte de prazer e júbilo invadiu-me o peito, enquanto eu reconstruía a cena em minha mente.
- Gosto disso! - sussurrou ele, invadindo minha reprise, com sua voz rouca e suave. Deixei a mão cair no colo. Meus olhos buscaram seu rosto e ele me olhava sorrindo.
- Do que você gosta? - perguntei, evitando que meus olhos focalizassem seus lábios.
- Disso que está sentindo. É... maravilhoso compartilhar essa sensação com você! - seus olhos brilhavam intensamente, precisei mandar mais ar para dentro de mim pra não desmaiar.
- Mal posso esperar pelo próximo amanhecer! - confessei, sem me importar em parecer desesperada.
Ele riu, uma risada melódica e atraente.
- Também estou ansioso, - disse - mas devemos tomar cuidado. Não posso te tirar de casa todas as madrugadas, Lena pode acabar descobrindo e...
- Eu não me importo! - interrompi.
- É claro que não! - ele me lançou um olhar sugestivo. - Mas não é saudável você acordar tão cedo todas as manhãs, não quero que isso prejudique seu andamento no colégio...
- Não vai prejudicar! - garanti, interrompendo-o novamente. - E, na verdade, quanto a me tirar de casa, acho que não é necessário, você pode me visitar em meu quarto todas as manhãs! - sugeri como quem descobre vida fora da terra.
Robert me olhou sério por um momento, depois desviou os olhos para a estrada.
- O que foi? Não gostou da minha ideia? - perguntei cautelosa, analisando sua expressão.
- Não é isso, é uma boa idéia, sem duvida. Mas... acho que não é viável.
- E por que não?
Ele pensou por um minuto nas palavras que deveria usar para me dar tal explicação. Esperei paciente até que a resolução estivesse pronta para ser dita em voz alta.
- Não posso entrar em seu quarto. - ele hesitou. - Não é certo.
Eu ri alto.
- E desde quando você se incomoda com o que é certo? - indaguei - Não é você o anjo que quebrou todas as regras do seu mundo para ficar com uma humana? Isso não me parece muito certo e, no entanto, você não pareceu se importar. - como eu era terrivelmente infantil às vezes.
Robert ignorou o tom quase ríspido em minha voz.
- Ísi, quero fazer as coisas direito com você. Quero ser um namorado decente e não alguém prestes a te desvirtuar.
Ele estava mesmo falando serio.
- Ah, não tenho como contestar isso - reclamei - apesar de querer muito, muito mesmo.
Ele riu.
- Manter sua pureza é importante pra mim. - disse, me olhando de lado.
- Humpf, pureza! - zombei. - O pecado começa com o pensamento, sabia?
- É exatamente por isso que não quero te dar motivos para pensar!
__ Tarde demais, - retruquei - não faço outra coisa que não seja pensar!
Percebi Robert engolindo em seco antes de voltar falar.
__ Ísi, estamos em condicional, entende? Podemos perder o pouco que temos por mal comportamento, e, sinceramente, não quero isso.
__ Eu também não! - murmurei me desculpando, entendendo agora seus verdadeiros motivos.

Chegamos em casa e Robert disse que voltaria pra me pegar assim que Lena saísse.
Ela ainda estava dormindo quando entrei, por isso me escondi embaixo das cobertas fingindo dormir também. Quinze minutos depois ouvi passos no assoalho, indo do quarto dela para o banheiro, depois para a cozinha, para o quarto novamente, depois em direção a porta da frente e então a casa ficou em silêncio. Esperei mais alguns minutos e levantei para verificar. Ela já
havia saído.
Tomei um banho rápido, troquei de roupa e desci, Robert já me esperava na frente do prédio.
- Oi! - ele disse sorrindo, quando entrei no jipe, como se não nos víssemos há dias.
Eu sorri de volta, e ele colocou o carro na estrada.
Fomos para o colégio felizes pelos momentos que havíamos passados juntos, agradecidos por nossa condicional.
O dia passou rápido, as aulas foram muito interessantes, acho que os professores estavam mesmo inspirados. Não me incomodei nem com o fato de seu Veríssimo ter chamado minha atenção por eu, aparentemente, estar dispersa durante sua explicação da matéria; nem com os olhares furiosos de Amanda e Beatriz. O mundo estava lindo - cor de rosa - a ponto
de eu não me incomodar com coisas sem tanta importância.

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