Prólogo

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Europa Central, 1348.


A cidade estava assolada pela completa destruição. Não apenas a destruição da ordem e dos corpos doentes. Toda a moralidade e fé estavam destruídas, se esvaindo da população. A peste assolava grande parte das pessoas, além dos danos e perdas já causados pela invasão dos tártaros.

O estabelecimento, apesar de toda a crise (principalmente devido a ela) estava repleto de trabalho a ser feito. A ferraria era simples, localizada em uma rua pobre e pouco movimentada nos arredores do bosque que avizinhava a cidade. Armas a serem forjadas, e principalmente armaduras, para evitar que os soldados se ferissem em revoluções da população confusa com a doença.

No geral, apenas um homem trabalhava naquele lugar tão sujo. Estava em pé, ao lado da forja, com um enorme martelo comprensando metal sobre a bigorna já totalmente enferrujada.

A gritaria vinda da rua em frente chamou a atenção. Em geral, Órios era um homem alto, de meia idade, com uma espessa barba cobrindo o rosto, e o cabelo, apesar de suado e desalinhado, estava sempre bem cortado. E não se importava com muita coisa, exceto com o que ela chamava de "seu povo".

Largou o martelo sobre o aço quente e semi retorcido, e abriu uma das janelas de madeira da ferraria que dava acesso à rua. Uma multidão corria de mais uma patrulha do exército. Provavelmente doentes, que teriam que ser tirados das ruas antes que contaminassem mais pessoas. Plano que parecia não funcionar muito bem, tendo em vista que vários nobres e clérigos já haviam falecido devido à doença. Mas o povo em geral não recebia o mesmo tratamento, nem sequer a mesma atenção. Órios voltou a fechar a janela, e caminhou de volta a bigorna. Antes que desse mais um golpe no aço, o choro de sua pequena filha, vindo do quarto nos fundos do estabelecimento fizeram com que mudasse seus planos.

Órios havia perdido a esposa quando ela dera à luz. Sempre tratou a filha como uma princesa, dando à ela tudo o que podia, apesar de nunca ser muito. A falta de comida estava ficando mais séria com as invasões, e a pequena criança saiu para colher morangos em um feudo próximo, para uma surpresa ao pai.

Toda vez que a lembrança lhe vinha à mente, Órios sentia a culpa crescer em seu coração. A garotinha agora estava doente, e a febre era cada dia mais alta. Não havia remédios, ou sequer compaixão das pessoas. E ela estava ali, deitada, tendo outro delírio de febre.

Sem opções, Órios levantou-se da cama com os olhos transbordando em lágrimas. A culpa era sua de não haver comida aquele dia, não era? Correu até um velho baú, escondido ao lado da forja, coberto com vários pedaços de tecido que eram usados para cobrir as fendas das paredes durante o inverno. Não ia deixar que sua pequena morresse. Sem muito trabalho, Órios encontrou o que procurava. Era um livro pequeno, muito antigo, com a capa amarelada e soltando farelos com o toque. Estava marcado com o brasão da família, que um dia tinha sido de alguma importância.

Ao abrir o livro, Órios começou a procurar pelo que se assemelhava a ingredientes de uma receita. Juntou vários frascos, velas, e outros objetos que estavam no baú, dentro de um desenho simétrico feito no chão, conforme o que também estava no livro. Repetiu as palavras do feitiço com total incredulidade, mas ainda assim, se convencendo de que aquilo poderia vir a ser sua última cartada.

Depois de alguns minutos de espera, Órios estava ainda ajoelhado no chão, fitando o velho livro. Levantou-se para queimá-lo, quando notou alguém na parte de dentro da ferraria, o único acesso ao quarto da filha. Era Miguel.

Órios permaneceu observando aquele estranho visitante. Apesar do medo que preenchia o seu ser, ele permaneceu estático, até decidir se curvar perante o homem à sua frente. Ouviu o som de um riso debochado.

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