A Profecia

Capítulo 12

Anriel e Amitiel estavam descendo uma rua pouco movimentada. O dia tinha sido frio, embora o sol tivesse saído um pouco mais que nos dias anteriores. Haviam visitado mercados, praças, clubes públicos, e o centro comercial da cidade, assim como vários outros lugares movimentados, com Anriel explicando como se comportar em meio aos humanos, sem chamar à atenção. Amitiel, em geral, havia sido um grande líder de exército, se mostrando hábil nas artes da guerra, e conquistando assim um grande prestígio da Cúpula. E agora era um desertor. Aquilo o deixava perplexo, cheio de pensamentos perturbadores sobre o depois, fazendo com que perdesse várias vezes as explicações do irmão. A emboscada onde havia sido enviado, e da qual quase não saíra com vida, a dor, e a tristeza estavam constantemente no semblante de Amitiel. A visita à Rosane. Amitiel pouco tinha se aventurado pelo mundo humano, nem mesmo quando foi visitá-la em Fribourg. Depois da conversa que tivera com ela, tinha se arriscado a pegar um ônibus na cidade, mas tinha tido sorte de o motorista ficar tão assustado, que teve medo até mesmo de chamar a polícia. Desceu em um terminal as quatro da manhã, excelente horário para quem não quer ser visto por ninguém. Estava descendo a rua que dava acesso a outro ponto de ônibus, quando se deteve em frente a uma loja de departamentos, com uma das vitrines repletas de roupas masculinas, observando um manequim vestido impecavelmente. Olhou para suas próprias roupas. Aquilo com certeza ia chamar a atenção. Ainda usando um pouco de seus poderes, transferiu a roupa do manequim para ele próprio, enquanto as suas ocupavam o lugar na vitrine. Depois disso, o jornal no ponto de ônibus deserto lhe deu uma dica de onde poderia estar havendo algumas atividades demoníacas, devido ao frio que se abatera sobre o estado de São Paulo, no Brasil. Conhecia bem o irmão, e usando uma última vez de seus poderes, conseguiu chegar até Anriel.

Anriel, por outro lado, tinha desertado havia muito tempo, fugindo quando se tornara o alvo da profecia. Teve de aprender a se virar sozinho na terra, sem o benefício de usar de seus poderes, e mesmo assim, não se abatera, nem ficara louco, como acontecia na maioria dos casos. Aprendera a não fixar residência, e se virara fazendo pequenos trabalhos em troca de comida e abrigo, se dizendo um viajante. Roubava roupas e calçados de pessoas ricas, ou de ladrões, não se acostumado bem com o segundo acessório. Quando decidira ficar na pequena cidade do interior, já sabia bastante bem como manter-se afastado dos humanos, evitando problemas. Saía sempre nos melhores horários, e tinha um esconderijo estratégico. Além de toda essa carga, ainda conseguira arrumar tempo para fazer sua investigação, a fim de provar que ainda era um anjo leal, e que não seria ele uma parte da profecia.

Continuavam descendo a rua lamacenta que dava acesso ao terreno da velha fábrica. Estavam conversando sobre os fatos do dia, quando subitamente uma expressão estranha invadiu o rosto de Anriel. Estava preocupado, com as linhas de seu rosto demonstrando receio.

_Me diga irmão, é possível que eu perca meus dons de sensibilidade, estando nesse estágio de me tornar um humano?

_Não, isso continua. Somos diferentes deles, Anriel. – Olhou para o irmão, esperando que aquelas palavras o acalmassem, como isso não ocorreu, continuou. – As nossas visões se mantêm, bem como a sensibilidade, audição, percepção do sobrenatural, coisas que a grande maioria dos homens não possui.

A expressão de Anriel continuava séria, carregada de preocupação. Deu alguns passos vagarosos para frente ao longo da estrada, enquanto Amitiel observava. Anriel olhava desconfiado para os lados, como se procurasse por um inimigo escondido em meio à vegetação espessa do terreno.

Deteve-se observando um ponto fixo, no terreno que ficava bem próximo a velha fábrica. Amitiel deu dois passos na direção do irmão, quando de súbito também parou. Podia sentir que alguém os observava. Não era alguém que simplesmente os olhava, sabia disso. Sentia o frio no fundo do estômago, um sinal de que eles estavam sendo monitorados. Anriel começou a andar em linha reta para o local onde mantivera sua observação fixa. Qualquer par de pessoas comuns teria receio de investigar, e mesmo se decidissem fazer, entrariam juntos, fazendo ruídos, espantando um possível observador muito antes de estarem a dez metros dele. Mas enquanto Anriel seguia pela frente, Amitiel deu a volta por trás, silencioso, ficando perto do galpão de máquinas. Quando então a observadora se dera conta da aproximação de Anriel, virou-se para tentar correr, dando de encontro com Amitiel, de pé as suas costas. Ele colocou uma das mãos em seu braço, fazendo com que ficasse desacordada. Quando Amitiel a deitou no chão, Anriel chegara mais pálido do que o habitual.