Anriel havia recuperado um pouco de sua força, mas sua feição ainda era doente e pálida. Eliana havia conversado longamente com Raziel, que lhe explicara a situação, na medida do possível. Exceto a parte em que Anriel havia assumido sua forma alada no meio da cozinha. Para aquilo, não conseguiu encontrar uma explicação. Eliana permanecia sentada na cadeira, fitando o piso agora manchado de negro. Tinha uma lágrima no canto do olho, mas ela agora não tinha mais forças para cair. Não havia mais como negar a história, mesmo que Eliana relutasse em aceitar. Nunca fora uma mulher religiosa, apesar de não ser descrente. Sentia que se encaixava perfeitamente na descrição que Anriel havia dado em seu breve discurso sobre a fé e os homens. Ela sempre pedira proteção ao céu, mas o fazia apenas como um consolo ao seu coração em momentos difíceis, e nunca esperando de fato uma resposta.
Raziel e Amitiel conversavam baixo na sala, e vez ou outra olhavam para ela na cozinha, que fitava a janela a espera de um desastre. Tinha os cabelos desalinhados, e o rosto sujo e coberto de suor. Seus olhos azuis tinham uma vaga expressão de angústia, e mesmo assim, Amitiel continuava a olhá-la durante todo o tempo em que conversava com o irmão. Aquilo foi demais para Eliana. Em um ataque impulsivo, ela se levantou da cadeira, indo em direção ao anjo, que se levantou assim que a viu entrar.
_Como pode ficar aí parado enquanto seu irmão quase morreu para me contar a verdade? Como pode sentar e discutir as relações com um dos seus, enquanto toda a humanidade está a beira de um desastre iminente? – Eliana deu um empurrão forte em Amitiel. – Se eu estou aqui por um motivo, se seu irmão está quase morto, e se um arcanjo poderoso está preparando uma profecia para acabar com todo o céu, o que ainda estamos fazendo aqui? O que mais falta discutir?
Amitiel, a princípio, havia se sentido indignado pelo modo como ela o tratava, mesmo sabendo que ele era um anjo, mas agora, podia ver nela uma pessoa corajosa e decidida. Duas qualidades que certamente os traria problemas. Amitiel segurou Eliana pelos ombros, colocando-a sentada entre ele e Raziel.
_Olha, você deve entender que estamos lidando com uma situação jamais vista antes. Quando o mundo ainda não possuía forma, e as criaturas vagavam soltas pela terra, anjos desceram em sua plena forma para levá-las ao abismo. Quando voltaram, foi criado um encantamento para que nenhuma criatura pudesse assumir sua real forma na terra novamente.
_Sua real forma? – Eliana tentava tratar a questão da maneira mais lógica possível.
_Sim. Nós podemos descer até a terra, mas perdemos todos os poderes dos quais somos dotados, nos tornando quase humanos. Os demônios por outro lado, só podem vir se possuírem um corpo humano, o que limita sua força e seus poderes.
Eliana prestava atenção em cada frase que Amitiel pronunciava. Agora, algumas perguntas se esclareciam, enquanto outras se formavam ainda mais complicadas em sua cabeça. Raziel continuou a história.
_Achamos – ele se levantou do sofá. – Que seria impossível para nós infringirmos essa regra, pois o feitiço colocaria sérias conseqüências a quem o tentasse quebrar. O que Anriel fez não pode ser explicado. Não sabemos o motivo pelo qual essa ordem foi imposta, mas se foi, deve ter tido motivos.
_Acham que algo ruim pode acontecer? – Eliana já começava a entender a gravidade da situação. – Acham que ele pode fazer algo ruim?
_Não, Eliana, Anriel não faria nada de mal. – Amitiel olhou-a nos olhos, de uma maneira que a deixou desconfortável. – Mas tenho medo de que algo ruim possa acontecer com ele. Anriel está morrendo por ter sido tomado por um sentimento humano, e agora... – Amitiel desviou o olhar de Eliana. – Não sei o que pode acontecer a ele.
_Então, lamentar não vai resolver o problema, vai? – Eliana prendeu os cabelos, e se virou para Raziel, em pé no meio da sala. – Eu tenho sonhos com Anriel, há algum tempo. Desde que o encontrei, os sonhos não vieram mais. Explique isso.
Raziel foi pego de surpresa pela pergunta, ainda mais com a maneira simples no qual foi feita. Encarou o rosto de Eliana, lembrando-se dos dias em que dividiam o pequeno escritório do centro. Da época em que tinha medo de olhá-la nos olhos.
_Bom, quando um profeta encontra seu anjo, os sonhos só virão quando ele pedir, ou quando o que você sonha estiver prestes a acontecer.
Amitiel olhava Eliana com profunda admiração. Ela parecia mergulhada de corpo e alma na causa pela qual passavam, e não fazia questionamentos que não estivessem relacionados a situação pela qual passavam.
_E do que fala essa profecia de que você mencionou, Raziel?
_É complicada de se explicar, mas fala sobre uma criança, filha de um anjo com uma humana possuída.
_Anjos tem filhos? – Eliana não conseguiu esconder sua surpresa quanto ao fato.
Amitiel riu alto. Raziel o acompanhou. Mas o momento de descontração foi interrompido pela entrada de Anriel na sala. Amitiel parou de sorrir, e foi ao auxílio do irmão.
_Temos que partir, agora. – A voz de Anriel, apesar de baixa, soava urgente. – Temo que a hora se aproxima irmão.
_Partir? – Eliana estava em pé atrás de Amitiel. – Porque temos que partir?
_Eu sou o escolhido, Eliana. O escolhido para ser o pai da criança que destruirá o céu.
Eliana levou as mãos à boca, tamanha a surpresa. Anriel voltou a olhar para fora, enquanto Amitiel fechava os olhos, lamentando pela notícia ter sido dada de maneira tão brusca. A voz de Eliana o trouxe de volta a realidade.
_Você disse que a hora se aproxima, não é? Pois bem, talvez, se mantivermos você aqui, essa hora pode passar e você não cumprirá essa profecia.
_Miguel poderá me achar facilmente agora, e temo que ele tente usar vocês para me persuadir a ir com ele. Por isso temos que partir, agora.
_Mas, se for, Miguel irá achá-lo da mesma maneira. Não temos outra opção se não ficar e lutar.
Eliana e Anriel estavam a beira de uma discussão, e Amitiel não tinha como impedi-los disso. Ainda no meio da sala, Raziel falava baixo, pensando, de olhos fechados. De súbito, seus olhos se abriram, levemente iluminados.
_Calados! – Raziel gritou com sua voz rouca, pondo um fim ao início da discussão. – Temos uma terceira opção. Eu tenho um plano.

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A Profecia
General FictionE se uma antiga profecia revelada aos Arcanjos pudesse colocar um fim a hierarquia celestial, e trazer uma guerra entre anjos e demônios? O verdadeiro problema é quando os próprios anjos começam uma guerra entre si, e os demônios se aliam as forças...