Eliana estava levando sua semana quase como se o trabalho fosse em uma mina de pedra, e não em um escritório. Seu último sonho com a mulher de cabelos negros, tinha gerado em si uma impressão forte, mas o corte fino, mais parecido com um arranhão, que surgira misteriosamente entre seus seios, aquilo sim a deixara atormentada.
A concentração estava se esvaindo da mente, e como não conseguia redigir o relatório de que precisava, utilizou o computador que dispunha para pesquisar alguma coisa que explicasse a relação entre seu sonho e o machucado recente. Na verdade, ela procurava mais por uma resposta tranqüilizadora, mas tinha em sua cabeça que não encontraria no Google um site nomeado "Você não está louca, Eliana".
Às 5 da tarde, saiu de seu escritório desejando que pudesse tirar uma semana de folga. Suas enxaquecas haviam se tornado tão intensas nos últimos dias, que tinha parado no hospital, perdendo três dias de trabalho e um cliente por isso. A preocupação só servia para aumentar seus pensamentos, e diminuir suas horas de sono, que conseqüentemente pioravam as dores e diminuíam o efeito das medicações.
Como todos os dias, Eliana chegou em casa, largou a bolsa sobre o sofá, onde havia pelo menos três peças de roupa usadas na semana anterior. Soltou os cabelos loiros presos com uma caneta esferográfica do escritório, e afofou os cachos com os olhos fechados, tentando reorganizar as idéias. Ainda perdida em pensamentos, foi desabotoando a blusa branca com a qual fora ao escritório, e usando o mesmo processo, tirou a saia preta, os sapatos, a meia calça e os brincos. De lingerie, sentou-se na cama e as lágrimas escorreram sem serem convidadas. Lágrimas cansadas, de uma mente mais cansada ainda. Não conseguia compreender o que acontecia com ela, e imaginava se alguém poderia ser torturado pela própria mente, até ser convertido totalmente em louco. Suspirou fundo, e levantou-se da cama, tomou pelo menos quatro aspirinas de uma única vez, massageou o pescoço por alguns instantes, pegou a toalha e foi para o banho, como se estivesse em uma espécie de piloto automático. Até que despertou em frente ao espelho. Mais calma do que na noite anterior, resolveu vasculhar melhor o pequeno arranhão, para tentar encontrar uma explicação lógica para o ocorrido.
Com o olhar mais clínico e menos assustado, Eliana puxou levemente para baixo o sutiã, segurando-o com uma das mãos, ao mesmo tempo em que se inclinava para se aproximar do espelho, como se quisesse ver o corte por dentro.
_Devo estar louca. Só posso estar louca. O pesadelo foi tão terrível que eu mesma devo ter me arranhado. – Foi aproximando os dedos do ferimento. – Você precisa recobrar o seu juízo perfeito, Eliana... Desse jeito vai acabar se mudando para uma quitinete até o fim do...
Eliana perdeu o sentido da frase assim que seus dedos tocaram o ferimento. Sua mente foi levada novamente até o quarto iluminado pelas velas. Viu novamente a mulher de cabelos negros, a espada, a construção abandonada. As imagens vinham desordenadas, fora de ordem, e com tamanha velocidade, que nem mesmo de olhos abertos Eliana conseguiu acordar. Curvou-se e vomitou. As imagens continuavam vindo, aumentando de velocidade a cada segundo. Viu uma enorme montanha cercada de árvores, viu um homem colocando uma espécie de armadura medieval com um lindo manto vermelho pendurado ao ombro. Viu uma ferraria antiga, e um metal estranhamente brilhante sendo trabalhado. Viu lugares que nunca fora, viu pessoas que nunca conhecera, mas sem um sentido entre elas. Nem ao menos som.
Eliana vomitou mais uma vez, e quando ia para a terceira, acometida de um acesso de tosse, as imagens pararam em um colar enorme, muito antigo, parecido com o que ela usava em seu sonho anterior, com a mulher de cabelos negros. De repente, a imagem mudou para o homem de olhos azuis... Mas ao invés deles virem salvá-la de seu horrível pesadelo, eles se transformaram em um castanho escuro, com aparência selvagem. O castanho foi se tornando vermelho, até que o rosto não era mais o do homem, mas sim da mulher do sonho, e ela disse lentamente, sussurrando.
_Chegará a hora em que você estará pronta, escolhida. Irei ao seu encontro, e você se entregará a mim.
Nessa hora Eliana voltou a si. Estava ajoelhada no chão, totalmente coberta de suor, a ponto de molhar a lingerie que usava. Sentiu uma forte tontura ao se levantar, pendendo para a frente, batendo a cabeça contra o armarinho do banheiro, bem a sua frente. Mal sentiu a dor. Não chegou nem mesmo a sentir o frio do chão do banheiro recentemente molhado, nem a febre alta que veio em seguida. Antes que sua mente se apagasse completamente, ainda conseguia ouvir a voz murmurando ao longe.
_E você se entregará a mim...
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A Profecia
General FictionE se uma antiga profecia revelada aos Arcanjos pudesse colocar um fim a hierarquia celestial, e trazer uma guerra entre anjos e demônios? O verdadeiro problema é quando os próprios anjos começam uma guerra entre si, e os demônios se aliam as forças...