A Profecia

Capítulo 22

A neve ainda caia, fina e constante. Gabriel observava o velho hotel, em busca de uma explicação, mas nada encontrava. Eriel e Ezequiel discutiam sobre um novo plano de ação, mas Gabriel mantinha-se afastado da conversa.

O hotel ficava em uma rua pouco movimentada, em uma parte mais tranqüila da cidade de Paris. Ainda se via a placa com o nome do hotel, apesar de todo o resto não passar de um esqueleto carbonizado de tijolos e madeira. Não havia uma janela que não estivesse quebrada, ou uma porta que não tivesse ido ao chão com a força do incêndio. Segundo as poucas informações que obtivera dos locais, duas pessoas haviam morrido no incêndio, um dos recepcionistas do hotel, do turno da noite, e uma hóspede não identificada. Gabriel deduzira de imediato que eles seriam o demônio que buscava a garota, e a hospede seria a própria brasileira. Mas nada de Kaliel.

Ezequiel havia aumentado o tom da voz, e Eriel parecia querer acompanhá-lo. A conversa havia se tornado uma intensa discussão, mas Gabriel os interrompeu.

_Querem, por favor, calar essas bocas! – Gabriel deixou que o olhar cintilasse levemente, e os dois anjos interromperam a briga. – A energia que vem de dentro desse hotel não é brincadeira! Estamos lidando com uma coisa da qual nunca ouvimos falar, temos um irmão que pode estar cativo, uma garota vítima da perseguição de demônios e uma maldita profecia prestes a ser cumprida. Quero um plano de ação, agora!

_Não há plano de ação, Gabriel. – Ezequiel falava baixo com o arcanjo, enquanto Eriel cruzava os braços e olhava para a rua vazia. – O hotel todo está tomado de energia celestial, pura, de precedentes nunca antes vistos na terra. Não há como fugir dela, é a mesma de quando estamos no céu em nossas formas plenas. Podemos identificá-la, se chegarmos mais perto.

_Então vamos nos aproximar. – Eriel continuava de costas para os irmãos. – Entramos pela porta da frente, e veremos o que aconteceu, ou pelo menos tentamos. Se houver algum anjo lá, mesmo que seja Kaliel, teremos a chance de salvá-lo.

Gabriel fitava o irmão de costas com as mãos cruzadas na nuca. Não pareceu gostar da idéia, a princípio. Nem mesmo Eriel parecia contente com ela. Ezequiel não mencionou nenhuma palavra. O clima de silêncio entre os irmãos parecia mostrar a todos a dura verdade. Se fosse Kaliel liberando sua energia, poderiam salvá-lo. Mas e se não fosse? A energia que vinha do hotel era certamente poderosa, em sua forma celestial. Mas nem mesmo Gabriel tinha esse poder. Havia na terra o encantamento antigo, o qual obrigava anjos e demônios a andarem como humanos sobre a terra, sejam os anjos desprovidos de sua forma celestial, ou os demônios com seus poderes reduzidos, tomando conta de corpos humanos. E nunca possuíam essa energia quando estavam na terra.

Gabriel mantinha os olhos no irmão, mas fitava longe. Ezequiel, de súbito, caminhou até a calçada, esperou o sinal dar passagem aos pedestres e atravessou a rua em direção ao hotel. Gabriel chamou Eriel, sem entender a atitude do irmão, e seguiram logo atrás, com mais cautela.

Ezequiel, sem tentar esconder quem era, entrou no hotel pela porta principal, que antes de ser consumida pelo fogo, era uma porta grande em madeira clara, com vidros trabalhados, que agora jaziam no chão. Pulou alguns entulhos provenientes do telhado, e seguiu pelo hall até a escada de acesso ao segundo andar. Ezequiel não havia escondido sua energia, podendo ser reconhecido por qualquer anjo que estivesse no hotel. Fizeram o mesmo, apesar do receio. Eriel foi vasculhar o restaurante do lado esquerdo do hall. Gabriel se manteve algum tempo no hall de entrada, concentrado em identificar a energia que tomava contado lugar. E pela quantidade de energia, não demorou até descobrir que pertencia a Kaliel.

Gabriel passou a mão pelo balcão da recepção, e pulou para o lado de dentro. Em um canto, coberto de cinzas e lascas de madeira queimada, o arcanjo pode ver o que se assemelhava com restos de roupas e um par de sapatos, totalmente carbonizados. Aproximava-se para examinar melhor, quando o grito de Ezequiel chamou a atenção.