Capítulo 17

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A tempestade havia avançado rápido. Nenhuma notícia era exibida na TV. As nuvens se aglomeravam, e tampavam qualquer vestígio de sol que tentasse sair. Raios estouravam dentro das nuvens, provocando barulhos altos de trovões.

Eliana tinha decidido enfrentar o medo, porém, antes que pudesse perguntar qualquer coisa, Amitiel havia iniciado uma longa narrativa. Começou dizendo que deveria se acostumar com as dores de cabeça e com os pesadelos, pois ela era uma profetisa.

No começo, a história fez com que Eliana risse. Afinal, a idéia de ela ser uma profetisa de um anjo celeste condenado a arruinar a hierarquia celestial era ridícula. Mas a história começou a aumentar as quantidades de informações, e ela passou a ponderar mais a idéia, enquanto Amitiel aumentava gradativamente seu tom de voz.

Lágrimas mareavam os olhos de Eliana quando Amitiel terminou sua fria e demorada narrativa sobre o que acontecia com ela. Uma raiva súbita tomou conta dela, e sem que Amitiel esperasse, ela se atirou para cima dele, desferindo socos fracos, e com lágrimas escorrendo pelo rosto.

_Acha mesmo que vou deixar você brincar comigo dessa maneira? – Eliana continuava gritando e golpeando Amitiel. – Eu não sou uma criança estúpida, que você vai enganar contando uma história medíocre dessas! Não vou deixar que você me trate como uma louca! Eu não vou... Não vou...

O tom de voz dela diminuiu, e os golpes pararam apoiados no forte tórax de Amitiel. O choro tomou conta dela, que caiu de joelhos no chão da cozinha, perante os olhares confusos de Amitiel e Raziel.

Raziel, ainda se passando por Gustavo, abaixou-se para abraçar Eliana, que chorava copiosamente. A voz de Anriel fez com que todos se voltassem para o anjo.

_Você não é louca.

Sua voz saía sôfrega e carregada de emoção. Seus olhos, com o azul acentuado pelas olheiras profundas e pela sua palidez, estavam repletos de dor e medo. Eliana, ainda no chão, olhava-o como se buscasse uma redenção. Não sabia mais o que esperar, que explicação ouvir, mas precisava ouvir novamente até acreditar que não era louca.

Anriel se apoiou no batente que fazia a divisa entre os cômodos. Seu cabelo estava desalinhado, e ele suava frio. Ele desviou os olhos de Eliana, fitando longamente a janela, por onde a chuva escorria continuamente. Parecia querer caminhar até ela, mas não fez nenhum movimento para mover-se.

_O céu mostra a verdade, todo o tempo. Joga ela em nossa frente, mas nem sempre somos capazes de enxergar. – Uma lágrima desceu pelo rosto do anjo. – Por séculos tentei encontrar você, pensando que seus sonhos fossem desmentir a história de Miguel. Achava que você era minha única esperança. Mas pelo que vejo, o céu diz que a profecia está mesmo para ser cumprida. E pelo meu estado, vejo que estou fraco demais para lutar contra ela.

Todos agora olhavam para a janela. O céu continuava ameaçador, parecendo avisar que a chuva era apenas o começo da verdadeira tempestade. O vento forte jogava para os lados até mesmo os grossos galhos de árvores do lado de fora. O tilintar do mensageiro de vento colocado na varanda era tão consecutivo, que mal chegava a produzir som.

Anriel continuou, parecendo estar à beira de outra crise.

_Quando minha vida era normal, eu via os homens na terra como formigas perdidas escavando o cimento. – Anriel fechou os olhos e tombou a cabeça para baixo, deixando uma lágrima cair ao chão. – Nunca pensei que eles realmente necessitavam da prova de que existíamos. Nunca imaginei que fosse tão difícil para eles. Somos seres desprovidos de sede, fome, cansaço... Mas aqui esses sentimentos invadem nossos interiores, e nossa graça é bloqueada parcialmente impedindo que nossas verdadeiras formas se manifestem na terra. – Anriel começou a falar mais alto, mostrando claramente a dor que sentia. – Azriel nos impediu de permanecer na terra, e Gabriel concordou com ele. Eu era o favorito de nosso irmão, e sempre fui o melhor dentre todos de seu exército. Era forte, capaz, agressivo. Fui nomeado para o sucessor de Miguel em seu lugar ocupado antes dele ir para a Alta Cúpula. – Deixou que seu corpo escorregasse apoiado ao batente, sentando-se no chão. – Eu estava tão perdido quando cheguei... Não sabia o que fazer ou pra onde ir. Dei de frente com o perigo enfrentado todos os dias pelos homens, e vi que eles não são apenas formigas. Eles sentem, eles tentam melhorar, eles amam uns aos outros. Mas perderam a fé...

Anriel se levantou com muita dificuldade, e colocou-se em pé apoiado ao batente. Respirou e fechou os olhos enquanto retirava a mão que ainda o mantinha no lugar, tirando as forças de dentro de si para permanecer em pé.

_Eles apenas precisam de uma prova que nós ainda estamos aqui. Precisam ver que Deus não os abandonou, e que não estão sozinhos para lutar contra o mal que os aflige. Precisam apenas ver...

Amitiel havia se levantado da cadeira, se colocando em pé na frente de Eliana, que agora estava ao lado de Raziel, com os olhos vidrados no anjo. Uma leve luminescência começou a emanar do corpo de Anriel, enquanto ele erguia a cabeça ainda de olhos fechados. Abriu os braços e a luz aumentou de intensidade, e continuou a aumentar enquanto um grito rouco e alto saía da garganta de Anriel.

_Não Anriel, não!

Amitiel correu ao encontro do irmão, mas não chegou a tempo. Raziel abraçou Eliana e a atirou no chão, protegendo-a com seu próprio corpo. O medo estava estampado em seus olhos. A luz tomou conta do ambiente, impedindo até mesmo que vissem uns aos outros, contrastando com o negro do céu do lado de fora. Amitiel foi arremessado longe para trás, e os olhos de Anriel tornaram-se brancos e luminosos. A luz tomou conta da casa, seguida de uma forte energia que passou pelos corpos de todos presentes no local, com um calor forte se espalhando pelo ambiente.

Houve um clarão. Uma explosão. E a luz se apagou.


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