Capítulo 5

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As informações chegavam em números nunca antes vistos pela Alta Cúpula. Gabriel olhava-os querendo compreender o que significavam, mas suas preocupações o impediam que pensasse com clareza, como era de seu costume.

O salão da alta Cúpula era grande, sem um teto aparente, todo branco. Não havia luzes, janelas ou portas, mas o recinto transbordava a luminosidade. Apenas uma enorme mesa de vidro no centro dava vida ao ambiente sem mobília. Na mesa, havia lugares para doze arcanjos, membros da Cúpula. E as cabeceiras da mesa eram reservadas aos líderes da Cúpula, um o arcanjo Líder, Miguel, e a outra para o Supremo Presidente, que estava vazia há mais anos do que Gabriel conseguia se lembrar.

Miguel e Rafael discutiam em pé ao fundo da sala, com enormes pergaminhos nas mãos. Pareciam não concordar em algo, mas preferiam manter a questão longe dos outros arcanjos. Miguel trajava sua enorme armadura prateada, coberta com um manto vermelho-vivo, o que tornava ainda mais vistoso seu cabelo dourado. Rafael também vestia uma armadura, com duas espadas cruzadas nas costas, escondidas parcialmente pelos seus longos cabelos prateadas.

Gabriel estava sentado na mesa, no lugar designado a ele por Miguel. Tinha recebido pergaminhos de um anjo menor que servia a Cúpula, onde constavam algumas das informações vindas da terra. Recentemente, as baixas das tropas haviam sido multiplicadas em quatrocentas vezes. Era absurdo. Mais de quinhentas deserções, entre eles, alguns ainda eram considerados desaparecidos. Como era possível perder um anjo?!

A longa túnica de Gabriel chegava aos pés, e tinha uma cor azul marinho, mesma cor de seus olhos. Estava passando os olhos pelos pergaminhos com as informações quando Miguel se sentou e iniciou mais uma das inúmeras reuniões da Cúpula.

_Irmãos, cada um de vocês recebeu as mesmas informações que tenho em mãos. A desordem de nossos soldados, e as sombras que estão cobrindo a terra de nosso Pai, ultimamente nos trazem alguns dados alarmantes. – Miguel correu os olhos pela mesa, tentando ver a reação dos presentes. – Vou designar cada um de vocês para uma tarefa nesse momento. Devem cumpri-las, não importa o que seja necessário para isso. Todos concordam até então?

Os arcanjos apenas menearam a cabeça positivamente. Miguel, se sentindo visivelmente desconfortável, prosseguiu com mais cautela.

_Primeiro, vou designar Jeremiel e seus anjos, para tratar dos feridos. Temos cerca de dois mil e quinhentos anjos feridos de volta ao céu. Aproveite e colete o máximo de informações que conseguir desses guerreiros. – Olhou diretamente para Jeremiel, esperando uma resposta que seria, no mínimo, desaprovadora.

Jeremiel vestia uma túnica dourada, cravejada de jóias e fios de ouro, com o colarinho todo bordado em pedras dos mais variados tipos. Era um arcanjo alto, de cabelos castanho-claros, e profundos olhos verdes. Costuma reclamar sempre das ordens que recebia, pois na maioria das vezes 'não eram de seu departamento'. Ao contrário do que Miguel esperava, Jeremiel, sem encará-lo, concordou com um leve menear de cabeça, procurando, entre os pergaminhos, aqueles dos quais precisaria para desempenhar sua nova tarefa.

_Muito bem. Baraquiel, você ficará responsável pela reorganização de nossas tropas na terra. Desça, e leve com você quantos anjos achar necessário. Também traga-me informações recentes de nossos líderes.

Baraquiel vestia uma túnica branca, com um fino cinto de prata adornando a cintura. Em seus curtos cabelos dourados, usava uma coroa prateada, e tinha uma rosa alva presa ao peito.

_Assim será feito Miguel. – Respondeu Baraquiel, sem nenhum entusiasmo na voz.

Miguel estava ficando visivelmente preocupado. Continuou designando as ordens, com metade da força na voz.

_Sealtiel e Uriel, vocês ficarão responsáveis por encontrar nossos anjos desaparecidos. Concentrem-se nos anjos guerreiros, e naqueles que estavam coletando informações, já que representam o maior número. Se não estiverem presos, feridos ou perdidos, deverão ser tratados como desertores, e serão entregues ao departamento que vou designar para cuidar disso. Se for um anjo de alta patente, entreguem diretamente a Gabriel, já que ele chefiará nosso departamento de punição aos desertores.

Pela primeira vez Gabriel encarou o irmão. Não meneou a cabeça, não disse uma palavra sequer. Apenas encarou Miguel. Conhecia o irmão há tanto tempo, que era impossível contar. Sabia que ele planejava alguma coisa, e não se sentia confortável com a situação. Em uma única cartada, e aproveitando da preocupação dos arcanjos, Miguel estava desfazendo a Alta Cúpula, designando funções fora do céu para a maioria dos anjos. Agora até mesmo ele, que não descia à terra por longos anos, se via sendo retirado de seu lugar, sem poder dar um motivo significante para contrariar as ordens e permanecer ali. Além disso, a deserção era punível com a morte, e Miguel havia lavado as mãos colocando diretamente a ele a tarefa de executar os anjos de altas patentes. Como se tudo não bastasse, enviar informações ao céu era fácil, mas o oposto era extremamente complicado, ficando assim, longe de estar a par dos acontecimentos e das decisões de Miguel.

O arcanjo queria uma resposta. Sabia que Gabriel nunca se recusaria a ajudar os anjos, mas ao mesmo tempo, ele era muito ligado aos homens. Poderia tentar interferir nos seus planos. O silencio de Gabriel começou a incomodá-lo, mas quando pensou em repetir a pergunta, Gabriel pegou um enorme rolo de pergaminho e se levantou, para surpresa de Miguel.

_Cuidarei dos desertores como quer, irmão, mas vou precisar de um tempo para me organizar, já que temos muitos desertores, e a maioria deles com altas patentes. Devo ter tudo o que necessito para a próxima reunião da Cúpula. Mais alguma coisa, irmão?

Miguel estava com uma expressão totalmente diferente em seu rosto. Os olhos azuis do irmão tinham um brilho que lhe gelava o estômago. Precisaria tomar cuidado com o que ia dizer perante o irmão.

_Não, meu irmão, pode ir. Confio em você e sei que fará o melhor para nós e para nossos anjos.

Gabriel virou-se e desapareceu, voando pelo espaço vazio que servia de teto à Cúpula.

Os outros arcanjos nem se quer o olhavam. Pareciam à beira da confusão. Miguel sabia que em breve teria todos afastados do céu e poderia então por em prática a parte final de seu plano. Sabia que podia contar com o irmão Rafael, mas apesar disso, tinha que mantê-lo afastado também.

_Rafael, você ficará responsável por receber todos os relatórios de nossos irmãos, pessoalmente. – Disse apenas para que o arcanjo o ouvisse. – Assim teremos certeza de que não desconfiam de nada.

_Não gosto de suas idéias, Miguel. Em uma reunião se livrou de todos os nossos irmãos, como queria. Mas disse que eu fazia parte do acordo, e agora pretende me afastar também?

_Acalme-se irmão. Não posso confiar em mais ninguém, e preciso de alguém perto dos nossos irmãos para garantir que não desconfiam de nada. Vou ficar para receber os relatórios, e você voltará ao céu para conversar diretamente comigo, quando quiser. Mas preciso de você vigiando nossos irmãos. Principalmente Gabriel.

_Acha que ele desconfia de algo?

_Não, ainda não. Mas se ele esbarrar em algum daqueles desgraçados, com certeza vai desconfiar. Temos que encontrar os doze antes dele.

_Mas você o deixou responsável pelos desertores! Com certeza ele vai começar a procurar pelos de mais alta patente, como os tenentes e os generais. O que estava pretendendo com isso?

_Não coloquei o nome dos doze nos pergaminhos dele, nem mesmo no dos outros. Estão ocultos, por hora. No meio de toda essa confusão, anjos disfarçados de homens passarão desapercebidos diante de Gabriel. E ele vai estar ocupado demais procurando os anjos que já devem estar mortos, ou prisioneiros pela terra, que não vai notar quando o nome dos doze passar para a lista de baixas do nosso numeroso exército...

_Espero que esse seu plano dê certo, Miguel. Ou teremos sérios problemas com Gabriel.

Miguel se levantou e levou consigo vários pergaminhos, até seu aposento. Jogou todos no chão, deixando apenas um, visivelmente mais antigo sobre a mesa. Precisaria estudar a profecia, se quisesse executar seu plano. Precisaria de um jeito de afastar os irmãos, e depois afastar-se deles. E até agora, seu plano estava dando certo.


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