Capítulo 31

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Eliana suava frio, dentro da velha vã, conseguida de última hora por Raziel. Desconfiava de sua procedência, mas achou melhor não perguntar. A chuva caía impetuosa, e os ventos eram fortes demais para que alguém se atrevesse a sair de casa naquela noite. Segurava uma arma calibre doze, carregada com os cartuchos marcados por ela, Raziel e Amitiel. Raziel seguia no banco atrás dela, carregando uma submetralhadora e uma pistola, assim como uma espada longa de lâmina azulada que havia guardado em uma parte ainda mais secreta de seu enorme cofre no quarto principal.

No banco do motorista, Amitiel dirigia em alta velocidade, apesar das ruas sinuosas e da chuva, que tornava a visão difícil e o asfalto escorregadio. Não conseguia ver as casas pelas calçadas devido à escuridão. Ao lado de Amitiel havia pelo menos meia dúzia de submetralhadoras parecidas com as de Raziel. Segundo o anjo, Amitiel seria quem mais precisaria daquelas armas.

No último banco do veículo, havia caixas com munição, algumas facas e duas espadas iguais as de Raziel, com a mesma lâmina, porém com cabos diferentes. Segundo o anjo, aquelas espadas eram celestiais, capazes de realmente ceifar a vida de um anjo, seja ele quem fosse. Eliana temia aquele momento, mas o plano era realmente bom, e poderia funcionar.

Anriel estava voando, em meio as nuvens de chuva, negras e extensas, impedindo assim que qualquer humano o visse, já que devido às asas, seria impossível colocá-lo na vã. Seguiam até um local onde Anriel havia dito ser o esconderijo principal dos demônios que estavam por trás dos planos de Miguel. Não havia chegado a ver nenhum deles, apenas sentira a casa carregada de energias negativas, com um anjo de cargo menor tomando conta do local. Era realmente incomum uma situação dessas, mas devido aos recentes acontecimentos, eles sabiam em seu interior que aquele era o local.

Amitiel desacelerou a vã, parando-a a três quarteirões de distância. Ainda com o carro ligado, Amitiel virou-se para trás.

_Desçam por essa rua até chegarem ao terreno baldio. É um terreno grande, com apenas uma casa construída ao seu lado. Será fácil identificar. Assim que chegarem aos fundos, aguardem meu sinal como combinado.

Amitiel desceu da vã, deu a volta e abriu a porta lateral do veículo, permitindo assim que a violência do vento inundasse rapidamente os bancos e o carpete. Raziel saltou rápido do carro, carregando seu armamento enquanto corria na direção da esquina oposta à que Amitiel parara. Assim que Eliana tomou coragem para sair, Amitiel segurou-a delicadamente pelo ombro.

_Tome muito cuidado. – Amitiel tinha que falar alto devido ao barulho da água contra a lataria da vã. – Será perigoso lá, mas Raziel é um bom soldado. Lembre-se do que lhe falamos. Mire e atire sem pensar demais. Não seja vista, e principalmente Eli, não se machuque.

O modo como o anjo havia pronunciado a última frase havia comovido Eliana interiormente. Amitiel voltou para dentro do carro, e deu seguiu em frente pela rua. Raziel estava esperando por ela do outro lado do quarteirão, e acenava para que ela se apressasse. Tinham pouco tempo para sua investida, e precisavam poupar todo o tempo restante possível. Eliana segurou firmemente a arma, e correu até o anjo. Não queria que ele percebesse seu medo, achando-a incapaz de cumprir sua tarefa. Desceram juntos a rua até avistarem o terreno baldio. A chuva continuava impetuosa, e Eliana tremia devido ao frio, que piorava com o vento forte. Raziel parecia nem sequer sentir o clima problemático que os atingia. O anjo deu sinal para que ela aguardasse, e desceu até poder ver a parede dos fundos da casa. Deu sinal novamente, dessa vez para que ela o seguisse. Assim que chegou até o ponto, o anjo já havia invadido o terreno da moradia, e estava abaixado sob uma janela, com o corpo apoiado na parede. Eliana, tentando ser o mais rápida possível se juntou a ele, apoiando as costas contra a parede, e abaixando-se. Fechou os olhos para controlar suas emoções. Raziel tocou seu ombro, e ela o seguiu novamente, até a lateral da casa. Raziel deitou de bruços no chão, e esperou pelo sinal de Amitiel.

Aqueles poucos segundos pareceram uma eternidade, mas assim que ouviram uma freada brusca em frente à casa, sabiam que era hora de agir. Raziel pode ver quando a vã parou na calçada oposta ao esconderijo, de frente com a porta. O anjo novamente deu sinal para que Eliana o seguisse, e pularam uma janela após verificar ser seguro. Antes de entrar na casa, Eliana pode ver Anriel sobrevoando o local, em meio às nuvens negras. Assim que entraram, Raziel investigava a porta, procurando por qualquer sinal de vida existente do outro lado. Eliana se surpreendeu ao ver o quarto. Havia velas queimadas até o fim em suportes, que não haviam sido substituídas. A cama ainda estava desarrumada, e o local parecia não ter sido usado por dias. Eliana podia sentir uma familiaridade com o local, embora não sabia dizer exatamente o que lhe trazia essa sensação.

Raziel destrancou a porta, e observou pelo corredor, que estava vazio. Saiu, seguindo o corredor. Eliana o acompanhou. O anjo abria cada porta com o corpo, entrando já com sua arma pronta. Não havia ninguém. Fizeram isso nos próximos cômodos, e Eliana sentia um calafrio a cada porta que era aberta. Na última enfim, viu Raziel abaixar a arma, e entrar rapidamente no quarto. Assim que Eliana entrou no cômodo, sentiu o estômago embrulhar. Estava dentro do quarto de seus sonhos, e a mulher que jazia sobre a cama era a estranha de cabelos negros. Deixou a arma cair no chão devido ao espanto. Raziel checava o pulso da mulher, constatando que ainda estava viva.

_Eliana, o que aconteceu? – Raziel correu até ela. – Vamos, se acalme, e me ajude com ela.

_Ela... – Eliana não conseguia articular as palavras. – Ela estava em meu sonho...

_Está tudo bem... – Raziel segurou sua mão, enquanto colocava uma pistola na outra. – Ela estava possuída, mas o demônio saiu de seu corpo. Mas ela apanhou muito antes disso.

Eliana tentou se acalmar, e ajudou Raziel a investigar o quarto. Havia vários objetos jogados ao chão, o cortinado que estava preso envolta da cama havia sido rasgado e agora pendia, tendo metade ido ao chão completamente. Inúmeras marcas se esparramavam pelos móveis, e Eliana sentiu pena da pobre mulher. Aparentemente ela havia sofrido muito antes de o demônio ser tirado dela.

Raziel revirava as gavetas e armários, em busca de uma pista qualquer sobre o acontecido. Vendo que não chegaria a lugar nenhum, virou-se para Eliana.

_Fique na porta. Pegue sua arma e atire em qualquer um que aparecer que não seja eu ou Amitiel. Vou checar o resto da casa.

Raziel saiu empunhando sua arma. Eliana sentiu a arma que havia pego do chão mais pesada, a agora tremia levemente em sua mão. Colocou a pistola presa a calça e sentou-se próxima da porta.

Do lado de fora, Amitiel havia permanecido escondido pela vã, mas o que viu fez com que ele temesse que o plano não funcionasse. Viu Anriel descer ao chão, o que faria somente em caso urgente.

_Há vários anjos vindo nessa direção, Amitiel. Não sei se vamos conseguir detê-los. – Anriel tinha sua expressão carregada de preocupação, enquanto sua palidez era acentuada pela roupa molhada e pela escuridão do céu.

_Não precisamos agüentar todos, somente o suficiente.

Amitiel pegou duas submetralhadoras dentro do veículo e se preparou. Esperava que as marcas feitas nos cartuchos funcionassem bem contra os anjos. Anriel se equipou das duas espadas de lamina azul resplandecente, e caminhou até o meio da rua, de frente para a nuvem de vultos alados que vinham em sua direção.

Eliana se assustou com o barulho alto de asas por todo lado. Raziel entrou correndo no quarto, trancando a porta, e empurrando vários móveis atrás da passagem. Eliana parecia não entender, mas compreendeu assim que ouviu o som dos primeiros tiros. Sabia que a hora havia chegado.


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