Miguel estava visivelmente irritado. Havia derrubado todos os objetos guardados em seu aposento particular. Seu tempo estava acabando, e apenas o último ingrediente precisava ser achado. O colar de Órios. Sabia das implicações de ir pessoalmente pegá-lo, e não cogitava essa idéia. Mandou que um dos anjos servos da Cúpula fosse em busca de Rafael. Voltou ao salão principal de reuniões para esperar pelo irmão. Sentado em sua cadeira, Miguel fitava a cadeira vazia oposta a sua.
_Pare de me olhar desse jeito!
Levantou-se com violência, arremessando sua própria cadeira ao longe. Caminhou a passos largos na direção da cadeira de Azriel e colocou sua espada com a lâmina apoiada no encosto.
_Não vai conseguir me vencer... Ah, não... – Miguel retirou a espada, e fitava a cadeira como se ela possuísse vida própria. – Pensa que vai ser fácil assim? Engana-se... Eu sei bem os riscos que corro se for até lá, mas tenho alguém do meu lado com vastos conhecimentos sobre o mundo inferior...
Miguel voltou a caminhar, andando de um lado a outro ao lado da mesa de reuniões, enquanto ainda falava com o assento vazio. Parou atrás da cadeira de vidro prateado, e acariciando a parte superior do encosto, sussurrava.
_Espero que ainda esteja aqui para me ver ocupar meu lugar de direito. Precisa estar aqui para ver o sangue de Azriel correr por esta sala, enquanto o escolhido estiver com esta espada enfiada em seu pescoço...
Miguel apoiou a sua espada na lateral da cadeira. Caminhou a passos rápidos até a sua, e parou fitando-a no chão.
_Minha querida... Tem sido tão amarga comigo durante todos esses anos... Mas guarde suas mágoas para aquele que vai sentar nesse lugar. Meu amado irmão, que terá que me olhar de frente, com aqueles olhos cintilantes... Ele vai morrer rápido, mas será o último dos nossos a perecer. Antes, vai assistir enquanto tudo o que ele defende estiver caindo em ruínas...
Rafael parou no canto oposto da sala. Via a cena que se desenrolava diante dos seus olhos. Miguel havia enlouquecido, e agora isso ficava claro para ele. Não queria estar tão próximo do irmão. Temia por sua existência, e ainda mais agora, depois de ouvir os planos do irmão para Azriel e Gabriel, os arcanjos mais poderosos da Cúpula. Caminhou até o irmão, que ainda fitava com desdém a cadeira que pertencia a ele. Vendo-o se aproximar, Miguel mudou novamente seu humor, tornando-se sério como sempre fora perante as batalhas.
_Irmão, que bom que pode vir. Preciso que faça um favor para mim, o último antes de nosso plano entrar em ação.
Rafael tentava esconder a desconfiança, e media as palavras, temendo que alguma delas irritasse o arcanjo.
_Do que precisa?
_Nosso plano foi descoberto. Algum anjo conseguiu invadir o local onde escondi a escolhida e roubar o pergaminho. Mas isso já não importa. Quero que volte até o local, e mande a Luxúria de volta ao inferno.
_Pretende mandá-la de volta? – Rafael falou sem antes pensar, devido à surpresa perante a revelação. Ao contrário do que imaginava, Miguel continuava com seu tom sério.
_Mas não para o lugar de onde a tiramos. Vai mandá-la ao sétimo inferno, em busca do colar de Órios.
Miguel virou-se para Rafael, olhando-o hostilmente nos olhos. O arcanjo não era mais o mesmo a muito tempo, mas agora suas ações pioravam a cada instante. Estava disposto a tudo para cumprir a profecia, na esperança de que ele pudesse se livrar dos irmãos que mais odiava, Azriel e Gabriel.
Rafael achou melhor não argumentar quanto aos riscos. Concordou apenas com um respeitoso menear de cabeça, e partiu para a terra, deixando Miguel com um sorriso de contentamento no rosto. Assim que se aproximou da terra, pode sentir que algo estava errado. Havia demasiada energia na atmosfera, e aquilo era algo incomum. Assim que chegou a casa, notou que aquelas energias eram celestiais, apesar de estarem longes daquele local. Aproximou-se do local, convocando para si todas as forças das quais podia usar na terra. Teria um trabalho difícil a ser cumprido, e precisaria de tempo para que pudesse agir da maneira correta.
Quando viu as proteções impostas pela demônia, Rafael riu. Alto o suficiente para que fosse ouvido no interior da residência. Kaira, temendo pela própria vida, continuava dentro de seu quarto, recitando novamente o feitiço. Rafael pegou um velho furgão estacionado do outro lado da rua, e sem muito esforço, arremessou o veículo contra a parede do esconderijo. Assim que os tijolos vieram a baixo, o feitiço foi quebrado. Entrou na casa pela parede quebrada, e dirigiu-se ao quarto. Levou a porta ao chão com apenas as mãos. Kaira estava do outro lado do cômodo, sentada no chão, com seu vestido dourado em véu rasgado em várias partes. Rafael sorriu ao ver a demônia no chão.
_Finalmente voltou ao seu lugar, não é? – Caminhou lentamente em direção à ela. – Miguel tem um trabalho para você.
Segurou a garganta de Kaira com uma das mãos, e suspendeu-a até a altura da janela.
_Vai fazer uma visita aos seus velhos amigos. E vai voltar de lá com o colar de Órios. – Kaira segurava o braço de Rafael com as duas mãos. - Ou Miguel disse que nem vai precisar voltar.
Rafael arremessou Kaira no chão, jogando seu corpo contra a cama de madeira. Ela se arrastou para tentar escapar de seu exorcismo, mas Rafael pegou-a pelos pés, e jogou seu corpo contra a parede do quarto. Sangue começou a escorrer pelos vários cortes provocados pela pancada. Não satisfeito, Rafael pegou-a novamente, dessa vez pelos braços, e arremessou-a contra uma das cômodas, fazendo as velas e os objetos dispostos sobre o móvel caírem sobre o corpo quase inerte de Kaira. Vendo que havia eliminado qualquer chance de fuga, Rafael proferiu as palavras. Falava lentamente, se deliciando com a dor que a Luxúria sentia a cada instante.
Terminado seu trabalho, viu que o corpo da verdadeira Kaira, a humana, sangrava gravemente devido aos ferimentos provocados. Sabia que aquela humana era importante nos planos de Miguel, por isso resolveu curá-la, mas não por completo. Deixou que os cortes continuassem abertos, e que os hematomas ainda ficassem visíveis. Colocou-a sobre a cama, e partiu. Tinha que arrumar alternativas para salvar sua vida caso Miguel falhasse. E também um abrigo seguro, até que tudo estivesse terminado. Estando ao lado de Miguel ou não, sua insanidade estava o tornando mais perigoso e instável a casa instante. Era melhor manter-se afastado sempre que possível. Olhou novamente para o corpo de Kaira estirado sobre a cama. Sorriu ao ver seu trabalho, e partiu.

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A Profecia
General FictionE se uma antiga profecia revelada aos Arcanjos pudesse colocar um fim a hierarquia celestial, e trazer uma guerra entre anjos e demônios? O verdadeiro problema é quando os próprios anjos começam uma guerra entre si, e os demônios se aliam as forças...