Anriel podia sentir o clima mudando. Não, não era a chuva que o incomodava, afinal, garoava em uma metade do dia, e na outra chovia intensamente. Também não eram os raios que caíam de madrugada, pondo em risco seu esconderijo, que era alto o suficiente para amedrontar qualquer humano em uma tempestade. Na verdade, o que o incomodava era o frio.
Quando Anriel decidiu se instalar na cidade, um dos motivos foi o frio discreto que havia tomado a cidade em pleno verão. Nada que preocupasse a população, mas o frio se intensificou, juntamente com os nevoeiros durante a madrugada. Em geral, a natureza é sempre quem se manifesta primeiro, quando algo sobrenatural está sobre a terra. E era esse o caso. O frio podia ser trazido de duas maneiras: por um fenômeno natural, o que não era comum no Brasil, principalmente naquela época do ano; ou por uma reação ao sobrenatural. Na maioria dos casos, o frio se localizava em uma casa, ou bairro. Mas aquele frio tomou a cidade inteira, mudando totalmente o clima atmosférico. Anriel não causava aquele tipo de reação, já que os anjos foram criados para proteger a terra e a humanidade. O que não acontecia com os caídos, que por não poderem andar sobre a terra, e por não mais pertencerem a ela, causavam reações por onde passavam.
Anriel havia decidido investigar a origem de tamanho fenômeno. Mas quando apanhava um demônio pequeno, que influenciava a vida de alguns alcoólatras de um bar na periferia, ele viu algo que lhe chamou a atenção. Tanto, que se esqueceu de sua missão improvisada, e foi atrás da bela mulher de cachos loiros.
Mas nessa noite, Anriel teria que investigar. Sabia onde era o local que deveria ir, sabia pelo fato de o céu não ter sido totalmente apagado dele. Trocou sua camisa rasgada por uma branca, mais próxima de seu tamanho, que havia roubado de uma casa do outro lado da rua. O antigo dono era um traficante, que bancava seu luxo roubando de idosas e de casas de apoio. Continuou de calças jeans, e também continuou descalço. Já eram três da manhã, e seus pensamentos estavam mais alertas que nunca. A noite passada havia trazido um descanso bem vindo. Durante o dia, a atividade tornara o frio muito mais intenso, a ponto de chamar alguns especialistas para a cidade, que estava se tornando notícia do jornal da tarde. O foco do intenso frio não podia ser logicamente explicado, por isso chamaram a ajuda de um importante instituto de meteorologia, que teve um de seus satélites danificado inteiramente três segundos após ter sido posicionado sobre a cidade. Ninguém havia relacionado este incidente com o misterioso frio que abatera a cidade, mas Anriel havia. Sabia que se não podiam rastrear o frio, era porque alguém não queria atenção sobre o assunto. E apenas um ser poderia ter acesso a efeitos tão rápidos e tão complexos. A sua raça, os anjos.
Saiu pela mesma fenda que lhe servia de porta, tomando o cuidado de não fazer barulho demais, pois a sensação de estar sendo vigiado se intensificara na última noite. Com os olhos mais azuis que o comum, Anriel saiu pela lateral do terreno, onde o mato alto não permitia brecha para a estrada de terra ao lado. Andou cerca de dez metros até chegar a uma rua asfaltada, com mais terrenos que casas. Subiu a rua escura, não tendo dificuldade alguma para enxergar através da espessa neblina que cobria a cidade. Andou por mais dois quarteirões, e seguiu por uma viela estreita até chegar a um bairro afastado da cidade, escuro, e com barracos que serviam de casa para usuários de drogas e prostíbulos clandestinos. Com sua habilidade celestial, Anriel conseguia sentir aquilo que o satélite fora impedido de realizar: localizar a origem do frio. Uma casa grande, porém sem acabamentos externos, com uma enorme porta de madeira, era a única construção do quarteirão todo, e apesar de fechado por todos os lados, podia-se ver uma tênue luz saindo pelas frestas das janelas.
Abaixado no terreno que cercava a casa, Anriel abriu sua mochila e pegou um punhal. Segurando-o, aproximou-se de uma das janelas por onde provinha luz. Usando novamente seus dons para ver através da janela, Anriel teve uma noção do que teria de enfrentar. A sala possuía uma grande mesa de madeira, um aparador no fundo do aposento, com uma toalha vermelha de cetim cobrindo alguns objetos dispostos em cima do móvel, e alguns livros pelo chão.

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A Profecia
Ficción GeneralE se uma antiga profecia revelada aos Arcanjos pudesse colocar um fim a hierarquia celestial, e trazer uma guerra entre anjos e demônios? O verdadeiro problema é quando os próprios anjos começam uma guerra entre si, e os demônios se aliam as forças...