Capítulo 15

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A manhã era fria. Eliana e Gustavo tomavam café na cozinha, um lugar que parecia nunca ter sido usado. Havia várias opções, como torradas, café, sucos, mas tudo comprado já pronto no mercado do quarteirão.

_Será que ele está bem? – Eliana olhava o copo vazio de suco. – Não o vi essa manhã ainda, e ontem a noite podia ouvir gemidos.

_Ele deve ter tido outra crise Eli, mas vai ficar bem. – Gustavo tinha um tom confiante demais na voz. – Ele é cardíaco?

_Foi o que o irmão dele me disse. Ele tem essas crises, depois volta a ficar bem. Mas a maneira como o irmão olhou para ele durante aquele episódio... – Eliana desviou os olhos para a janela. – Foi horrível. Achei que ele ia morrer.

Gustavo ia se levantar para pegar alguma coisa, mas desistiu. Na noite anterior, quando Eliana chegou trazendo dois homens até sua casa, um deles sendo carregado, Gustavo não fez nenhuma pergunta. Acolheu os dois, ofereceu um quarto para eles. Eliana notou que o amigo olhava para a TV pequena da cozinha com atenção especial.

_O que é?

_Aumenta o som da TV, parece que estão falando aqui da cidade.

Eliana se levantou da mesa, e aumentou o volume. Ficou ouvindo a notícia em pé, próxima ao aparelho. Segundo a notícia, um satélite meteorológico posicionado sobre a cidade havia sofrido uma falha mecânica, e estava sendo concertado novamente, mas pelos quatorze segundos que havia transmitido os dados, os especialistas haviam visto uma espessa massa de ar frio sobre a cidade, com grandes nuvens de chuva. Os especialistas haviam alertado o governo sobre a possibilidade iminente de tempestades elétricas, e talvez granizo. O satélite voltaria a transmitir imagens e dados o mais brevemente possível.

Eliana voltou a olhar pela janela. Eram quase onze horas da manhã, e o céu estava opaco, nublado, e a claridade se assemelhava com as das manhãs de inverno. O vento lá fora parecia agitar as árvores com mais força que o habitual.

_Gustavo, acho melhor vermos como aqueles caras estão. Eu preciso de algumas respostas desse tal de Anriel, mas se ele ainda estiver desacordado, vou pedir explicações ao irmão. Não os conheço, e pretendo não continuar com essa companhia por mais tempo que o necessário.

Eliana ia caminhando na direção do corredor de acesso aos quartos, quando Gustavo se levantou e segurou seu braço, impedindo Eliana de sair da cozinha. Ela estranhou o gesto, e olhou espantada para o amigo.

_Me desculpe, Eli. – Ele soltou o braço da amiga. – Mas não vou deixar você ir interrogar dois homens estranhos sozinha. Eu vou até lá, e peço para que o irmão venha até aqui. Se você não tiver dele as respostas de que tanto precisa, vou com você até o quarto e acordo o outro, de qualquer jeito.

Eliana ainda estranhava a reação do amigo, mas cedeu, ainda desconfiada. Voltou a se sentar na cadeira, se servindo de outro copo de suco. Fitou Gustavo entrar pelo corredor, e parar diante da porta, como se relutasse em entrar. Eliana imaginava que o amigo estivesse assustado, mas ele mudara seu comportamento a partir do momento em que os viu diante de seu portão. Não deixava que ela falasse com eles sem sua presença, não queria que eles ficassem em um quarto próximo ao seu, e passou a noite com a porta aberta, permanecendo acordado durante a maior parte dela.

Eliana continuou olhando o desenrolar da cena, enquanto Gustavo abria a porta sem bater, entrando e fechando-a atrás de si. Não pode ouvir nada, nem sequer um barulho de conversa. Continuou esperando, e olhando para a porta com demasiada atenção.

Gustavo fechou a porta atrás de si, sem olhar para Eliana, mas sentindo que ela o observava mesmo assim. Ergueu os olhos e viu Anriel deitado inconsciente na cama, e Amitiel sentado próximo à janela.

_Como vai, irmão? – A voz de Gustavo parecia exausta.

_É bom vê-lo, irmão. – Amitiel parecia surpreso. – Está se escondendo também, pelo que vejo.

_Estou. – Gustavo sentou na beirada da cama. – Vocês realmente me assustaram ontem. Achei que finalmente haviam me encontrado.

_Não. Se encontrarem você, levarão todos nós. Principalmente Anriel.

_Ele não me parece nada bem. O que houve com ele?

Amitiel fitava o irmão deitado na cama. O suor ainda cobria seu rosto, formando uma fina camada que acentuava a palidez, mas já não tinha febre, e os tremores haviam cessado no meio da noite.

_Ele está perdendo a graça, ao que parece. – A voz de Amitiel soava baixa, e ele não desviava os olhos de Anriel em nenhum momento da conversa.

_Se tornando humano, afinal. – Gustavo olhou fixamente para o irmão deitado na cama. – Mas ainda há muito do céu dentro dele, e talvez seja esse o motivo da diferença nos sintomas.

_Diferença nos sintomas? Do que está falando, Raziel? – Amitiel se levantou do beiral da janela que lhe servia de banco, e se aproximou do irmão, olhando-o pela primeira vez nos olhos.

_Sou um anjo que esteve tempo demais entre os homens. Desertei antes de você, talvez pouco depois de Anriel. Peguei uma conversa de Miguel. – Raziel olhou para a janela, com os olhos preocupados, vagueando entre lembranças. – Ele enlouqueceu. Desapareci naquele mesmo dia, e quando deram minha falta, fiz com que pensassem que eu estava morto. Sei o que os sentimentos humanos podem fazer a um anjo, porque quase me deixei levar por um deles.

Amitiel olhava espantado para o irmão. De fato, ele parecia muito abalado com as crises de Anriel, e no momento em que os recebera, percebeu o quanto ele estava envolvido pelo mundo dos homens.

_Anjos não foram feitos para suportar a carga que é dos homens, Amitiel. – Raziel voltou a olhar para Amitiel. – Não fomos feitos para o pecado. Raiva, desejo, egoísmo. São pecados, que levam os humanos a melhorarem. Eles têm compaixão para com os outros, e tentam desesperadamente ajudar aqueles que não são capazes de ajudar a si próprios. Vi hospitais, onde cuidam dos doentes, mesmo aqueles que não podem sobreviver. Nós? Matamos os anjos feridos, para que não prolonguem seu sofrimento, mas também não lhe damos a chance de aproveitar suas últimas alegrias. Os humanos tentam, de uma forma distorcida, se aprimorar. E isso, é demais para nós.

_Então é normal que Anriel sofra tanto? Ele tem várias crises seguidas, e quase não permaneceu acordado essa noite.

_Bom, vamos ver até onde isso vai nos levar. Enquanto isso, eu sugiro que você vá até a cozinha, e converse com Eliana. Ela é uma boa moça, está apenas confusa com os sonhos. Acredito que ela seja a profetisa de Anriel.

Os dois se levantaram e caminharam até a porta. Antes que Amitiel pudesse girar a maçaneta, Raziel o impediu.

_Mais uma coisa. Para ela, meu nome é Gustavo, trabalho como advogado, e você nunca me viu, e não me conhece.

Amitiel meneou positivamente. Saíram do quarto, Raziel indo na frente, e Amitiel logo atrás, com uma expressão mais carregada que no dia anterior.

Eliana levantou quando os viu se aproximar. Tinha milhões de perguntas a fazer, mas agora que Amitiel estava bem a sua frente, a coragem havia se extinguido dentro dela. Aquele homem provocava uma estranha reação em Eliana, algo que nem mesmo ela podia identificar.

Raziel, que para Eliana ainda era Gustavo, sentou de volta a cadeira a qual estivera antes. Eliana, ainda em pé, continuava séria, mas resolveu que a melhor coisa a fazer era pedir a verdade. Toda ela.


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