Capítulo 14

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Miguel estava em seus aposentos, analisando os dados entregues por seus arcanjos em serviço na terra. Alguns desaparecidos passaram para a lista de baixas. A maioria dos anjos feridos também. Miguel se sentia satisfeito, até com certa dificuldade em simular preocupação, quando mandava as respostas para a terra. Mas o que o deixava mais feliz, era a única notícia de Gabriel até o momento, "Eriel, sargento, morto, suicídio". Era estranho que Gabriel tenha procurado por Eriel, um dos doze nomes que ele havia tentado esconder, mas o que importava agora era que ele não havia começado a procurar por Anriel, o que era uma preocupação e tanto. E sendo Eriel um dos nomes que tanto preocupavam Miguel, era bom mesmo que ele estivesse morto.

Tirou o manto vermelho de sua armadura, e sentou-se em uma cadeira aveludada. Do céu, as comunicações vindas da terra eram extremamente complicadas, e seu plano estava sendo executado na terra, o que implicaria em algumas viagens ao mundo dos homens. Os anjos, em geral, eram imortais perante as armas da terra, mas havia riscos imensos por lá, e ele poderia acabar como os muitos anjos que foram para a terra, e agora não passavam de nomes em pergaminhos. Pegou um embrulho antigo, de papel marrom desbotado, e saltou. Em segundos, pousava na terra, em frente a uma antiga casa, com cortinas vermelhas nas janelas. Estava em frente à casa que Anriel estivera investigando, no interior de São Paulo. Aproximou-se da porta, quando esta se destrancou e abriu devagar. Sorriu ao ver a mulher atrás da porta, a sua peça chave para cumprir a profecia. Era uma linda mulher, de longos cabelos negros até o centro das costas, mas possuída por um demônio antigo e cruel.

_Olha só, uma visita inesperada... – A demônia fez sinal para que Miguel entrasse. – A que devo essa honra, arcanjo?

Miguel entrou pela primeira vez no esconderijo escolhido pela Luxúria, uma demônia antiga, criada nos primeiros dias de existência do homem. Seus poderes eram ilimitados, apesar de há muitos anos não poder exercê-los plenamente. Miguel contava com isso para que seu plano obtivesse sucesso. Precisaria dela em plena forma, para conseguir corromper até mesmo um anjo.

Enquanto a mulher sentava no sofá de veludo vermelho, trajando um vestido longo, com uma fenda lateral que ia até seu quadril, com transparências no decote que ia até o centro da barriga, Miguel permaneceu de pé, colocando o pacote na mesinha de centro.

_Como vão os preparativos para a profecia? – Miguel tinha a voz indiferente.

_Acho que isso eu é que devo questionar, arcanjo. Onde estão os ingredientes restantes?

_O problema maior é o anjo. Anriel não está deixando pistas, e não conseguimos ainda localizá-lo.

_Deve se apressar, arcanjo. – A mulher sorriu maliciosamente. – O anjo escolhido se tornará humano em breve, e sabe por que arcanjo? Porque ele a ama. – A mulher exibiu o próprio corpo. – Mas embora ela sequer saiba que ele existe, ou sequer acredite em anjos. Pelo menos, não acreditava, até se tornar prisioneira em seu próprio corpo.

_Então é bom que acabe com ela logo, antes que ela descubra um meio de tomar o controle de volta, não acha? – Miguel tinha a voz extremamente irritada.

_Traga-me o anjo, o sangue e o colar. Deixe que o resto do trabalho eu faço. – A mulher levantou, encarando Miguel com ferocidade no olhar. – Faça isso antes que ele morra, ou nossas chances de vencermos essa batalha estarão extintas.

Miguel, em velocidade inumana, correu até a mulher, agarrando firmemente seu pescoço com uma das mãos, suspendendo-a no alto.

_Quando eu o trouxer, é melhor que seu plano dê certo, porque se ele recusar, e simplesmente não a querer, a profecia não irá se cumprir. E não vai ser apenas as nossas chances extintas, porque embora você não morra, tenho a eternidade toda para te fazer entender o significado de dor.

Miguel falava baixo, com os dentes cerrados, enquanto apertava o pescoço da mulher até que ficasse uma marca arroxeada. A mulher olhava para ele, sem demonstrar nenhuma sombra de medo. Ela era realmente perigosa, e mostrava isso todo o tempo. A combinação com aquele corpo parecia perfeita, como se tivessem sido feitas uma para a outra. A garota não parecia ter mais de vinte anos, mas com aquele ser das profundezas dentro de si, parecia uma arma, poderosa o bastante para corromper até mesmo um anjo.

Miguel soltou a demônia e partiu, voltando ao céu. Pensava agora em localizar Anriel, para colocá-lo de frente com Kaira, a mulher possuída pela luxúria. Ele não conseguia nem mesmo um sinal de Anriel, e estava perdendo tempo. O colar de Órios também era um problema. Nunca soube o que aconteceu com o ferreiro, mas assistiu a filha, que ele mesmo matara, ainda viva e se tornando uma das mais cruéis líderes que já se viu na história. Miguel em pessoa acabou matando-a novamente, levando sua alma diretamente para o inferno. Aquelas lembranças ainda o atormentavam. Teria que trabalhar rápido agora, antes que tudo fosse perdido. Se as lendas fossem verdadeiras sobre Órios, seria realmente trabalhoso pegar o objeto.

Pensava agora em como arranjar o sangue. Não poderia ser qualquer sangue, mas o sangue da glória, alguém que fosse tão honrado e nobre como os próprios anjos. E só existia um meio de uma alma se tornar capacitada para isso, o sacrifício.

Foi caminhando até o salão da Alta Cúpula, o aposento vazio trazia o gosto amargo da derrota ainda possível até a boca de Miguel, que passava horas ali, examinando planos, lendo relatórios, e vez ou outra, fitando longamente a cadeira oposta a sua.

Na casa da cidade interiorana, Kaira pegava o embrulho trazido por Miguel. Nele, havia uma faca antiga, propriedade antiga de um feiticeiro, e confiscada por Miguel após os anjos o derrotarem em uma fácil batalha. Junto com o objeto, havia um número escrito, que seria, como o combinado, o número de vítimas que ela poderia matar, e logo abaixo, os nomes de todos os homens em que testaria seus poderes. E era disso que ela mais gostava, do que ela tirava mais prazer.


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