A Profecia

Capítulo 20

O deslocamento repentino do ar, e a intensa luminosidade que tomou conta do ambiente, haviam deixado Eliana confusa o suficiente para ponderar as palavras ditas por Amitiel. E mesmo que não parecesse haver lógica, a visão que ela teve no momento em que Raziel se levantou evitou que ela pudesse pensar em qualquer outra coisa.

Anriel estava de joelhos no chão, com uma leve fumaça branca saindo de sua pele, agora completamente seca do suor que antes o cobria. A cabeça pendia abaixada, fitando o chão através da passagem entre suas pernas. A calça que ele vestia estava coberta de queimaduras, e a camisa havia sido partida em duas partes que agora estavam quase inteiramente queimadas no chão. Havia marcas que iam dos pés de Anriel até a divisa entre a parede e o telhado. E o mais impressionante era que saindo das costas de Anriel, acompanhando sua respiração pesada, havia um par de asas enormes, de uma tonalidade bege claro, contornadas por duas tiras de couro da mesma cor.

Eliana não conseguia falar, nem mesmo se mover. Amitiel ainda estava de costas contra a parede, aonde havia caído. Apenas Raziel não tinha entrado em estado de choque. Não parecia assustado, apenas impressionado. Olhava chocado para Anriel, mas ao mesmo tempo encantado, como se esperasse por aquele momento durante toda sua vida.

Anriel tossiu. O som baixo e rápido pareceu despertar os demais. Amitiel também tossindo e com marcas pelo corpo, se levantou e foi ao auxílio do irmão, se ajoelhando na frente dele, a poucos centímetros de distância, com as mãos estendidas, mas ainda sem tocar no anjo. Depois de alguns segundos com elas suspensas no ar, pareceu criar coragem. Segurou os braços de Anriel e ajudou-o a se levantar.

_Anriel? – Sua voz soava agoniada. – Você está bem? Fale comigo irmão.

_Ele está ótimo. Melhor que nós Amitiel. Apesar de ter reduzido seu tempo de vida. – Raziel falava rápido, enquanto tirava as fuligens da roupa, bastante danificada com o ocorrido. – Agora vamos pular a parte do susto, e começar a pensar. Miguel deve ter visto isso, assim como todos os anjos.

Eliana olhava para Raziel como se ele fosse mais assustador que o próprio Anriel.

_Vou te explicar rápido, Eli, e espero que agora você acredite que tudo isso é real. – Raziel não se importou com a forma que Eliana o olhava. – Você é sim uma profetisa, a profetisa daquele anjo. O que você vê são cenas borradas sobre o destino de Anriel. Coisas importantes que irão acontecer com ele, e vão concluir seu destino. Não vai ser necessário te convencer de que Anriel é um anjo, assim como Amitiel e eu, apesar de não termos combinado de nos encontrarmos.

Eliana nem sequer se movia. Movia os olhos entre observar Anriel em sua forma, sendo carregado por Amitiel, e Gustavo, que prosseguia com sua explicação.

_Anriel é um anjo, um dos mais nobres guerreiros do próprio arcanjo Gabriel. Amitiel também é um soldado, muito nobre. E eu, sou um deles também. Meu nome na verdade é Raziel, e estou escondido na terra por causa...

Raziel foi interrompido pelo tapa que Eliana o deu. As lágrimas ainda rolavam pela sua face, mas o medo tinha dado lugar à raiva. Anriel olhava a cena, ainda apoiado no irmão, como se não fosse capaz de se mover sem sua ajuda. Apesar das enormes asas que possuía, Anriel tinha o rosto com aparência ainda mais frágil e doente que antes. Sua pele era pálida, e as olheiras pareciam feitas à mão. Amitiel, percebendo o que acontecia, começou a conduzir o irmão até a sala.

Raziel deu sinal para que os dois permanecessem no outro cômodo até acabar ali. Arrastou uma cadeira até parar em frente de Eliana.

Amitiel sentou o irmão desajeitadamente no sofá.

_Anriel? Você está bem? Por favor, irmão... Fale comigo! – A voz de Amitiel era baixa.

_Eu... – Anriel engolia em seco após pronunciar cada palavra. – Estou bem, Amitiel. Apenas me sinto um pouco fraco, eu acho.

_Tem idéia do que fez? Poderia ter morrido! – Amitiel parecia estarrecido. – Não sei como você foi capaz de conseguir...

_Eu sempre soube que poderia trazer minha forma de volta, mesmo estando na terra. – Anriel mantinha a cabeça baixa. – De certa forma, me sentia livre das regras impostas a nós.

_Anriel, não somos proibidos de trazer nossa forma celeste a terra. Somos enfeitiçados para não conseguirmos isso. – Ele olhou de relance para Eliana, ainda na cozinha. – Tem idéia de como os humanos podem reagir a isso? Do que eles podem fazer?

Anriel virou a cabeça em direção à cozinha. Eliana parecia melhor, e havia parado de chorar. Mas concordava com algo que Raziel lhe dizia, e aos poucos, parecia mais calma. Anriel voltou a olhar o irmão.

_Sei o que fiz e sabia o tempo todo das conseqüências. Eu poderia ter estragado tudo, mas isso não aconteceu. Os homens necessitam da verdade, Amitiel. Eles não entendem nossa presença, porque eles não são mais capazes de acreditar nela. Agora ela é capaz de pensar com clareza, é capaz de compreender a verdade, e de dar a atenção necessária aos seus sonhos.

Amitiel concordou, mas manteve-se em silêncio. O fato de Anriel ter trazido sua forma celeste mesmo estando na terra o intrigava. E era tanto, que começava a acreditar na possibilidade do irmão ser mesmo o anjo da profecia. Não sabia o que dizer ou fazer, mas esperava que Raziel pudesse ajudar. E esperava que Eliana ficasse bem. Aquilo era o que mais desejava.