Capítulo 9

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A noite já se aproximava novamente, e Amitiel continuava zelando pelo irmão, ainda desacordado, e com uma febre alta que lhe causava tremores a cada minuto. Tinha sido realmente difícil para ele encontrar o irmão Anriel. Estava sempre protegido contra os anjos, já que era classificado como desertor do exército celestial. Amitiel repudiava os desertores, apesar de nunca ter visto um pessoalmente. Na verdade, em todos os séculos que vivera no céu, apenas havia ouvido falar da lenda de Azriel. Hoje, além de ele próprio ser um desertor, o número era altamente preocupante, incalculável para Amitiel.

Estava sentado naquele chão gelado e úmido fazia um longo tempo. Quando conseguiu localizar Anriel, ficou observando ele montar campana em volta de uma casa carregada de energias. Notou que o irmão investigava algo, e queria saber o que era. Ficou realmente preocupado quando viu o irmão perder as forças por um momento. Pensou em ajudá-lo, mas resolveu segui-lo para conversar com ele sem estragar seus planos. Continuou observando o irmão, que o conduziu até um terreno de mato alto, e observou a maneira como o irmão adentrava o local. Quando tomou coragem para entrar, percebeu que o irmão não estava bem. Parecia realmente grave, adoecido, desesperado e sem forças. Amitiel sabia o que estava acontecendo com ele. Estava perdendo sua ligação com o céu, deixando aos poucos de ser um anjo, para se tornar um humano comum, com uma vida comum, e mortal. Tornar-se-ia um humano fraco, com lembranças que o seguiriam pelo resto de seus dias, que pela maneira como ele se encontrava, não seriam muitos.

Na verdade, Amitiel não sabia se um anjo seria capaz de sobreviver ao processo. Não sabia nem mesmo se havia alguma chance de isso acontecer. Não havia um antídoto, porque a transformação ocorria quando um sentimento humano se tornava mais forte do que os celestiais. E era disso que tinha medo. De se perder. E agora, de perder seu tão amado irmão.

Anriel estava desacordado havia muito tempo, mas para Amitiel, tempo era relativo. Esperava pacientemente, quando viu Anriel abrir os olhos lentamente. O suor de seu corpo foi desaparecendo rápido, até sobrar apenas os cabelos molhados. Anriel viu o irmão, e com muita dificuldade, quase não conseguia falar com ele.

_Amitiel, irmão... Há quanto tempo... Não nos vemos... – Puxou o ar com força. – O que aconteceu... Comigo... Veio me... Levar... Preso...

_Não tentei matá-lo, irmão. Sabe que nunca o faria. Está apenas perdendo sua graça celestial.

_Perdendo? – Puxou novamente o ar com dificuldade. – Achei que já... Nem era um... De vocês...

_Isso é culpa sua, irmão. – Amitiel olhava fixo para o irmão. – A transformação só acontece, quando você deixa ser invadido por sentimentos humanos, e não consegue mais dominá-los.

Anriel sentou visivelmente mais recobrado, voltando a ter o tom bronzeado da pele. Apoiando os braços nos joelhos, devolveu o olhar fixo ao irmão.

_Parece que aquele exército de mercenários bem uniformizados estava muito fraco para mim. Na verdade, um anjo me jogou aqui, outro matou meus irmãos... Pareceu-me um desafio justo.

Amitiel levantou, e estendeu a mão ao irmão com um sorriso no rosto, que os dois já sabiam muito bem o que significava. Anriel pegou a mão do irmão e pôs-se de pé. Trocaram um forte abraço, e Anriel ofereceu um bloco de concreto como cadeira ao irmão. Escorado na parede, pediu informações do céu ao irmão.

_Bom irmão... Elas não são nada boas. – Amitiel fitou o chão. – Depois que alguns acontecimentos chamaram a atenção dos anjos, a Alta Cúpula se fechou. Fazem reuniões todos os dias, e mandam as ordens através de subordinados. Vários anjos de altas patentes foram enviados à terra para missões simples, e não retornaram. A maioria desertou e permaneceu na terra, outros, feridos demais por batalhas, ou mortos em campo. A maioria de nossos líderes desertou e ficou na terra. – Ele suspirou. – Agora nem mesmo a Cúpula se encontra inteira, e as ordens são confusas.

Anriel ouvia a tudo com extrema atenção.

_E onde entra você? Até onde sei, achei que fosse o último anjo a desertar do exército.

_Pois é... – Amitiel baixou o tom de voz. – Me enviaram em uma missão. Bem simples, na verdade. Encontrei o local indicado, e estava cumprindo com meu dever, quando fomos atacados por anjos. Atacados e mortos pelos nossos. – Ele parecia relutar com as lembranças. – Estávamos em maior número. Mas vieram de surpresa, como se soubessem que estávamos lá. Abriram a porta, e empunhando suas espadas, mataram oitenta dos anjos que estavam comigo. Havia também um demônio no lugar, que me disse algumas palavras. Fiquei perdido um bom tempo sem saber o que fazer, e fui em busca da única pessoa a quem eu podia ainda pedir conselhos. Agora, estou aqui, tentando seguir esses conselhos.

Anriel estava realmente impressionado. Até agora, a narrativa do irmão coincidia com os acontecimentos que ele mesmo estava investigando. Mas o fato de anjos atacarem anjos, não acontecia desde que Lúcifer foi expulso do céu. Aquilo parecia bem maior do que um simples plano. Anjos e demônios trabalhando juntos? Matando juntos? Aquilo era algo que Anriel não esperava.

_Bom irmão, ao que parece há mais de nós perdidos pela terra. Precisamos achá-los para poder obter o maior número de informações possíveis. Temos que saber o que está acontecendo, irmão. Estou a pouco tempo por aqui, e realmente não vi nem ouvi nenhuma verdade pelo céu.

Anriel desencostou da parede, e sentou-se ao lado dele.

_Bom, estou nisso há um tempo. Vou te explicar como sobreviver sem chamar a atenção por aqui. E mais uma coisa, antes de chegar aqui passando realmente mal, eu estava investigando umas coisas. Ao que parece, temos anjos tramando alguma coisa, e estão muito interessados por essa cidadezinha aqui. Temos pelo menos uns dez anjos de baixas patentes circulando por aqui, mas suas energias são fracas, por isso não posso dizer quem são. Também tenho visto um crescente número de arruaceiros zanzando, o que não é comum, e também estão um pouco mais organizados, mantendo suas atenções voltadas para vítimas específicas, como alcoólatras, prostitutas e usuários de drogas. Estão tramando alguma coisa, mas mesmo alguns desses que capturei para interrogar, não falaram nada, não se importando de serem mandados de volta ao lar, apesar do imenso trabalho que teriam para retornar depois.

_Como é? Eles não se importaram de voltar ao inferno?

_É. Além do mais, parece que estamos recebendo alguns visitantes ilustres, alguns dos chefões lá de baixo estão por aqui, mas não sei o motivo da visita.

_Bom, sobre isso, obtive algumas informações antes de te encontrar. Ao que parece, os demônios estão tramando cumprir a maldita profecia. Você sabe que eles pensam que você é a chave para tudo acontecer...

_Mas não sou. – O olhar de Anriel era duro, carregado de mágoa. – Como você mesmo pode ver, estou quase me tornando humano, ou quase morrendo, se assim você preferir. Como posso dar origem à alguma coisa, se não estiver vivo para isso? Agora vamos sair, vou te mostrar como se esconder por aqui. E vê se não fala com ninguém, nem mesmo comigo quando muitas pessoas estiverem por perto. Não as quero achando que somos loucos, porque isso dá trabalho depois.

Anriel deu um sorriso, correspondido por Amitiel da mesma maneira. Os dois se levantaram e desceram as escadas para ganhar o grande terreno, e logo em seguida, a rua.


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