A manhã chegou, quente como um passeio em dia de verão. O som do mar era tranquilizante, fazendo todos dormir num sono leve. Isabela acordou e pachorrentamente esfregou os olhos, bocejando com a boca toda. Espreguiçou-se de braços abertos e sentou-se na areia. E só ao passar as mãos pela areia os acontecimentos da noite anterior lhe vieram à mente, fazendo as lágrimas regressar aos olhos.
Estava cansada, com medo, triste, saudades... Mas principalmente queria voltar para casa e, como uma menina pequena, aninhar-se no colo da sua querida mãe... Mãe! Claro, tinha prometido ligar-lhe e, se bem a conhecia, assim que encontrasse o telemóvel desligado iria passar-se e chamar a polícia, os bombeiros, o EXÉRCITO!
Assim esperava.
Lentamente as pessoas à sua volta foram acordando, com o medo estampado no rosto. Os professores desde logo assumiram o controlo, contando as pessoas que ali se encontravam - um total de 30 passageiros - e distribuíram tarefas. Procurar comida, um melhor abrigo, água potável, tentar contactar a sociedade... coisas assim. David e Gonçalo foram "destacados" para arranjar madeira para uma fogueira; Isabela trepou de imediato a uma árvore não só para procurar comida como para tentar encontrar algo no horizonte - nada... - enquanto o Ken corria atrás dela, no chão, quase sem fôlego para a acompanhar, apanhando as mangas que ela ia atirando. Laura olhava o mar, que vinha e voltava. Era suposto estar a apanhar peixe mas, assim como muitos outros, estava demasiado afetada para se mexer sequer.
Já o astro solar ia alto no céu quando todos se juntaram no "abrigo". Nada de água potável; nada de novo na tentativa de contactar a sociedade; alguma comida, que não se podia ter a certeza se era comestível... A única coisa boa é que alguém conseguira construir um fantástico abrigo e tinham madeira suficiente para fazer uma fogueira. O abrigo era uma espécie de casa, construída com ramos fortes atados uns aos outros a formar um chão a um metro do chão, com um teto de folhas de palmeira. A mente por detrás desta invenção fora uma pequena ratinha de livros, que aprendera como sobreviver vários meses sem civilização. Foi levada nos ombros por todos os alunos. Era uma aluna de intercâmbio da Irlanda chamada Stephanie, simpática e vivaça depois de se conviver mais com ela. Juntou-se ao grupo durante o almoço, convidada pelo Ken e os dois passaram o almoço numa animada conversa sobre técnicas de sobrevivência.
- Uf, arranjem um quarto. - murmurou Laura, parecendo recuperar um pouco da perda da sua irmã para passar a um estado leve de ciúme. Isabela riu-se:
- Tiveste muitas oportunidades para convida-lo para sair. Não te podes queixar.
Laura resmungou em concordância e fixou o "casalinho". Apesar de ser mau para amiga, Isabela ficava feliz por ver que algumas pessoas mantinham o moral elevado. Aproximou-se mais do David, que colocou o braço por cima do seu ombro, chegando-a mais para a sua beira e beijando-a amorosamente.
*
Nessa noite todos dormiram melhor, depois de arranjarem uma forma de arranjar água potável: escavaram um buraco na areia com uma casaca de coco no fundo. Cobriram com uma fita de plástico, que alguém encontrou na margem - "Devíamos procurar amanhã as malas ou destroços do avião na costa e no mar perto da ilha" alguém sugeriu - e puseram uma pedrinha no centro. Para que o plástico não caisse, a toda a volta cobriram com lama e pedras. Thada! No dia seguinte a humidade teria enchido o coco. Fizeram 10 buracos destes, mais alguns feitos com panos, mas não tinham a certeza se estes iam resultar...
Ken e Stephanie, que entretanto pedira aos amigos para lhe chamarem Stevei, sentaram-se numa rocha durante o anoitecer, olhando o pôr do sol.
- Laura...
- Que foi, Bela!
- Hum... Estás com ciúmes outra vez?
- Não! - respondeu ela secamente.
- Sabes que não precisas.
- Porque é que dizes isso?!
- Tenta lá ouvir a conversa deles. - respondeu Isabela, rindo-se.
Laura estranhou e apurou os ouvidos:
- E o meu povo dizia que o sol é...
- Comido por um dragão durante o eclipse. - concluindo a frase de Ken e rindo - É ridículo, não achas?
- Sim, ridículo. - disse ele, não completamente alegre.
Laura juntou os seus risos aos de Isabela.
- Eu... tenho de desanuviar um pouco, ok? - disse Laura um pouco depois. Afastou-se para a floresta e trepou uma árvore para olhar o horizonte. Lá em cima era pacífico até que algo lhe chamou a atenção. Do outro lado da ilha, longe do campo, uma figura corria vinda da floresta até um amontando de rochas na praia. Laura achou estranho, mas pensou que era completamente estúpido ir lá sozinha, como nos filmes. Mais, podia ser apenas um produto da sua imaginação perturbada. Desistiu da ideia e desceu da árvore. Mas ao colocar o pé num dos ramos, escorregou e caiu do topo da árvore, agarrando-se num ramo mais baixo com as duas mãos.
Inspirou fundo e chamou por ajuda. Enquanto esperava, examinou o ramo de onde caíra e notou um líquido amarelo no tronco, resina talvez, que a fizera escorregar. Alguém lá em baixo a chamou e um professor trepou à árvore para a ajudar a descer.
Voltou para junto dos seus amigos, que estavam preocupados com as suas novas feridas, mas logo ela explicou o sucedido e todos descansaram. Para seu bem mental, omitiu a sombra...
Nessa noite, Isabela foi acordada por um barulho, que a fez levantar de repente. O sonho em que estava mergulhada não era dos melhores e decidiu sair do abrigo ver o que se tinha passado e talvez passar a cara por água do mar. Já estava a ficar com sede, mas de manhã teriam água para beber, se tudo corresse bem. Silenciosamente abandonou o abrigo e encontrou-se no meio da praia escura. Estava alguém nas rochas e Isabela aproximou-se para ver quem era.
- Gonçalo?
- Oi. - respondeu o rapaz, afastando-se para dar lugar à amiga.
- Que fazes aqui tão tarde?
- Penso...
- Isso é sempre bom. - riram-se. Ele voltou a ficar sério e fixou o céu.
- Há algo de errado? - perguntou a rapariga.
- Não... bem, não sei. Sinto que está algo errado aqui, mas não sei o que?
Isabela não sabia o que dizer, por isso ficou calada. Também ela já sentira que algo estranho se passava, mas não tinha ligado muito. Gonçalo virou-se para ela. Eles estavam tão perto e, apesar da noite fria e dos salpicos que o mar libertava, Isabela sentiu-se de imediato quente.
- Tu és uma rapariga esperta, sei que também já viste isso! Olha por exemplo. - dito isto, levantou-se da pedra e apontou para ela. Estavam lá desenhadas umas linhas, como se alguém as tivesse cravado com um canivete.
- O que...?
- Vê com atenção! Experimenta afastar-te um pouco. - Isabela levantou-se e olhou para a pedra. Podia agora perfeitamente reconhecer alguns símbolos: um triângulo com um círculo em volta e algo que pareciam letras a toda a volta. Aproximou-se mais e conseguiu ler: I wi.. ne.e.. .iv. ..
Assustada, afastou-se de imediato, como se só de olhar a pedra os seus olhos se queimassem.
- Devemos contar aos professores?
- Não me parece boa ideia... - Gonçalo aproximou-se por trás dela e pôs as mãos nos seus ombros, virando-a para ele. - Não devemos contar a ninguém, prometes? - Isabela acenou afirmativamente com a cabeça. - Nem ao David, ok?
Bela hesitou um pouco, mas acabou por aceitar. Nessa noite, sonhou com pedras em formas triangulares e vozes que a chamavam do fundo do oceano.
