Capítulo XXV

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 - Achas que ainda os conseguimos acordar? - pergunto.

 - Só à uma maneira de saber. - responde o Gonçalo. Damos as mãos e, sincronizadamente começamos a saltar sobre o fraco telhado. Sabemos que é fraco: ajudámos a construi-lo. E realmente demora menos de 1 minuto a quebrar e a cair, juntamente connosco. Aterro em cima de um rapaz que tosse violentamente e abre os olhos. Ao meu lado, o Gonçalo caiu em cima de um professor, que continua sem se mexer.

 - Deve ter mais efeito nuns do que noutros! Tentemos acordar mais alguns.

 - O... O que se passa? - pergunta o rapaz, ainda esmagado debaixo do peso do meu corpo.

 - Oh, desculpa. - saio de cima dele e ajudo-o a levantar-se - Alguém vos enfeitiçou ou assim e se não vos conseguirmos acordar, dormirão para sempre.

 - F***! Espera, eu ajudo.

 Atiramo-nos para cima das pessoas adormecidas, mas só alguns se levantam e se juntam a nós. Uma rapariga que suspeito chamar-se Teresa, do 9ºA, abana desesperadamente um jovem muito bonito, louro e musculado, que está decidido em não acordar. Ela cai sobre o seu peito e chora... Deve ser o irmão. Ou o namorado, não sei dizer.

 Aproximo-me dela e baixo-me - Olá... Quem é?

 Ela sussurra - É o João. É o meu melhor amigo de todo o mundo! - Por esta não esperava. Sinto-me um pouco mal e agarro-lhe a mão.

 - Gostavas dele?

 - DAA! - e chora. Suspiro.

 - Sabes, uma das minhas melhores amigas morreu no acidente, no avião... E era gémea de outra amiga minha. Não quero dizer que sei o que estás a sentir, isso é parvo, porque não sei. Mas, se gostava tanto de ti como tu gostas dele, ele não desaparecerá.

 - O problema é esse! Eu faria TUDO por ele... Mas ele não queria saber de mim!

 Engulo em seco: caso difícil.

 - Isso não pode ser verdade. Sabes, às vezes as pessoas escondem os seus sentimentos porque têm medo de magoar alguém... E isso mata-os por dentro. Se ele era paciente o suficiente para te aturar - acrescento com um meio sorriso - tem de gostar de ti. Acredita, eu sei. - E olho para o Gonçalo, aquele que durante quatro anos escondeu bem escondidos os seus sentimentos, tentando proteger-nos da raiva do David.

 Sabem, quando isto acabar, estarei pronta para ele.

*

 - Não encontro nem o David nem a Stevei. - diz o Gonçalo. Já calculava. Tenho a certeza que a Stevei é a culpada disto, só pode... Ou é o ciúme?

 - Vamos. - digo.

 - Onde?

 - À gruta, hora.

 - Porquê?

 - Já te disse, sinto que algo se passa lá! Tenta acompanhar. - digo, caminhando em passo decisivo. Ao longe, o nascer do sol cobre o céu com uma cor dourada, criando um ambiente mágico. E quem sabe se não o é.

 Chego à gruta e, tal como da outra vez, entramos pelo buraco do teto com a ajuda de uma liana. Tal como eu pensava, a lava desapareceu toda, levando consigo os destroços do avião. O espaço parece completamente mudado, como se o "Querido, mudei o esconderijo secreto" tivesse lá passado. Ouço uma voz e agarro o braço do Gonçalo, puxando-o para trás de um armário branco com frascos de... o que são estas coisas? Parecem órgãos... Corações?!

 - Curioso... Porque será que o feitiço ainda está ativo nele? - pergunta a voz que reconheço como sendo a Stevei.

 Alguém se ri - Acho que outro feitiço começou a fazer efeito sobre ele... - diz uma mulher.

 - Ele está apaixonado por ti, Sasa! Mesmo apaixonado. - diz uma rapariguinha que, pela voz, é claramente jovem.

 - Val, Yag, parem! Vão chatear o mestre...

 - Como será que ele vai reagir quando souber que estás apaixonada pelo corpo dele? - pergunta a mais velha. Riem.

 - Eu.Não.Gosto.Dele! - exclama a Stevei. O chão da montanha treme violentamente, atirando-nos para trás, de encontro à parede. O Gonçalo agarra os meus braços e vira-me para ele.

 - Isto é doideira pura, Bela. Vamos sair daqui! - sussurra.

 - Não... Espera, vem aí alguém.

 Afasto-me um pouco para espreitar por detrás da prateleira e vejo o David, com uma armadura metálica negra. Parece mais velho e tem papos profundos nos olhos, como se fosse muito mais velho. Finalmente tenho uma visão das três que conversavam: A Stevei, com um vestido curto verde relva, com uma flor no cabelo amarrado no coc, a roupa recortada nas costas. As outras eu também conheço: são a menina que desapareceu e a mulher que enterramos na praia! A primeira tem um vestido de batizado branco e um lenço azul na cintura e usa os cabelos castanhos numa trança, que cai em cascata sobre os seus ombros. A segunda usa um vestido justo até aos joelhos, preto e que parece cintilar de tão escuro. O cabelo de um branco ovo ondula enquanto a mulher o tenta afastar do rosto.

 As três assim, juntas, faziam-me lembrar algo... Um quadro que vi uma vez, ilustrando um dos meus livros de fantasia de quando era mais nova:

 Três raparigas, uma nova, uma jovem e outra madura, tecem juntas um longo fio. A primeira, a mais alegre de todas, dá vida aos recém nascidos, abençoando o nascimento. A segunda, a honesta, é a que tem mais trabalho: tece a vida inteira do bebé, os acontecimentos mais importantes, o casamento, o nascimento dos filhos... A terceira, a mais bondosa, tem um trabalho triste: cortar o fio. No fim da vida, permite uma morte tranquila.

 À quem lhes chame demónios, bruxas. Não gostam de ter alguém que controle o seu destino. Mas, desde criança que lhes chamo as "Fadas da Jornada". Por vezes são acompanhadas de um homem, de idade indefinida, que as liga a outras vidas.

 O quadro passa pela minha cabeça num fash, deixando-me ausente enquanto as três desenham um triângulo no chão, sentando-se nas pontas. O David coloca-se no meio no momento em que pareço despertar.

 - Que se passa? - pergunto. O Gonçalo encolhe os ombros.

 As três dão as mãos e falam em uníssono:

 - Mestre... o teu tempo está a chegar.

 A voz delas penetra fundo na minha alma, que parece falar em uníssono com elas.

 - O momento de unir o fio chegou. O seu tempo neste planeta está prestes a começar.

 Sinto o coração aos pulos e a mão do Gonçalo no meu braço. Que estou a fazer de mal?

 - 89 almas recolhidas, três bruxas reunidas...

 Estou a falar... Repito o que elas dizem inconscientemente. Primeiro baixo, mas depois...

 Elas param. Abrem os olhos, que são agora esferas brancas que olham na direção do nosso esconderijo.

 - Sangue de bruxa e sangue de homem! Saiam do esconderijo!

 O David ergue a mão para o armário, derrubando-o no chão e acordando as três feiticeiras.

 - Gonçalo?! Bella?! - pergunta a Stevei. Todos olham entre ela e nós - Eu sabia! Tu és uma de nós! Eu sabia!

 E corre para mim, abraçando-me calorosamente como um ente à muito desaparecido.



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