Durante a noite escura, saio silenciosamente do abrigo e atravesso a fronteira entre os dois acampamentos. Escondo-me atrás da porta fechada e penso por um segundo. Não se o que faço está certo ou se devia ter vindo com alguém, mas numa maneira de entrar. De repente, um barulho atrás de mim sobressalta-me e viro-me de um pulo. De mãos no ar num gesto de rendição, o Gonçalo.
- Achavas que te deixava vir sozinha.
- Não, eu esperava que não viesses...
- Desde quando és tão atrevida.
- A ilha mudou todos.
Olho em volta e corro para uma árvore situada nas traseiras do acampamento. Trepo-a e procuro um ramo para me apoiar. Devagarinho, levanto-me tremelicantemente e caminho até à ponta do ramo, de onde salto para o telhado, que faz um BAC ruidoso quando aterro. Lá dentro ouço uma agitação.
- Boa... - sussurro para mim própria. Atrás de mim, sentado no ramo, o Gonçalo sorri ironicamente - Tens uma ideia melhor?
- Não, continua, se queres parecer o assassino estás a ir num bom caminho.
- Shiu!
Lá dentro, começam a destingir-se vozes, pessoas ensonadas que acordam de sobressalto. Mas uma voz sobrepõe-se a todas as outras, uma voz docemente diabólica, como um lobo na pele de um cordeirinho, que canta uma canção de ninar:
Come, little children, I'll take you away
Into a land of enchantment.
Come, little children, the time's come to play
Here in my garden of shadowsFollow me, sweet children, I'll show you the way
Through all the pain and the sorrows
Weep not, poor children, for life is this way
Murdering beauty and passionsHush now, dear children, it must be this way
Too weary of life and deceptions
Rest now, my children, for soon we'll away
Into the calm and the quietCome, little children, I'll take you away
Into a land of enchantment
Come, little children, the time's come to play
Here in my garden of shadowsUm grande cansaço abateu-se sobre mim: Os meus olhos começaram a pesar, o meu corpo ficou muito frio, o coração abrandou... Deitei-me no telhado, sobre os braços e senti o peso do meu corpo a inundar-me de um repentino calor.
E depois parou. Pisco os olhos com força e sinto de novo a ansiedade pura a correr-me nas veias, tudo graças ao Gonçalo que, assim que me viu desfalecer, saltou para o telhado, aterrando em cima das minhas costas.
- Ai! - sussurrei.
- Desculpa! O que aconteceu?
- Eu... Não sei... Alguém estava a cantar e eu fiquei com muito sono e... só queria dormir para sempre.
- Uau... Mas espera! Eu acordei-te.
- Sim, e?
- Quem os acorda - aponta para dentro do abrigo - a eles?!
Ah! Ainda tenho inspiração :-)
A música de ninar da versão anterior era minha, mas achei que esta ficava melhor. Agradeço à autora por uma música tão maravilhosa e procurem no YouTube https://m.youtube.com/watch?v=jW5n3k2VgZEAcreditem, vale a pena.
