Capítulo XXVII

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- É mais fácil se o fizeres de pé.
Acabei por decidir experimentar... Segundo o que elas dizem, é um simples feitiço de iluminação, que acende uma pequena chama inútil e tremelicante que apenas consegue iluminar uma sala.

Antes de prenunciar as estranhas palavras que a Yag-lien me disse, olho para o Gonçalo, que encontro atado pelas tatuagens debaixo do David, que se sentou em cima dele descontraidamente. Ele olha para mim com os olhos muito abertos e vejo uma gota de suor na ponta da testa. Ele acena um não com a cabeça, mas eu tenho de saber.

- Per lucem, illuminat viam meam! - proclamo de dedo espetado. Isto é tão estúpido, penso, olhando para o dedo espetado. É então que vejo uma pequena faísca na ponta do dedo e abro muito os olhos quando uma chama minuscula começa a tremelicar.

- Uau... - murmuro. E depois do espanto, o susto de ter uma chama no dedo faz-me reagir e abanar o dedo e soprar, tentando apagar a chama. Elas riem-se.

- Imagina apenas que ela desaparece. - consegue dizer a Valéria entre pequenas gargalhadas. Cerro os olhos com força e a chama apaga-se.

- Eu sabia,eu sabia... - canta a Secilia.

- O que é que isto significa? - murmuro, com medo de mim própria.

- Então, significa que és uma feiticeira antiga, tal como nós, descendente das senhoras do destino. - responde a Valéria.

- As quem?

- As senhoras do destino, antigos espíritos que controlavam o destino de cada ser vivo. Eram três senhoras, as primeiras humanas a possuir poderes mágicos, dádivas da natureza. - responde a Secilia.

- Pois, uma era criança, assim nasceu, assim permaneceu. - disse a Valéria em voz solene

- A outra era jovem, assim nasceu, assim permaneceu. - disse a Secilia.

- E a outra era madura, assim nasceu, assim permaneceu. - concluiu a Yag-lien - Cada uma de nós é descendente de uma das senhoras. E tu também.

- Vocês serão eternamente assim, como estão agora? - pergunto. Por isso elas me eram familiares, as suas antepassadas eras as mulheres que vi no quadro.

- Não, vamos envelhecer naturalmente, mas as dádivas tê-las-emos para sempre.

Aceno e volto a sentar-me. Isto é tão estranho e fantástico ao mesmo tempo! É tudo o que sempre quis. Mas é então que me lembro da razão que me trouxe aqui.

- São vocês que estão por trás dos ataques?!

- Uhm... Sim, mas podemos explicar. - defende-se a Valéria.

- É bom que se esforcem!

- Precisavamos de almas suficientes para pagar... - diz a Secilia tímidamente.

- Pagar a quem? O quê?

A Yag-lien suspira e baixa a voz:

- Sabes quem está a possuir o teu amigo? - aceno que não - É um espírito antigo que em tempos negociava com as nossas antepassadas. Elas pagavam um preço especial em troca de proteção.

- Devido aos seus poderes - continuou a Secilia - elas sofriam muitos, sempre acediadas para que mudassem o rumo da história, mas elas nada podiam fazer. Então conheceram-no, um jovem sem nome que jurou protege-las por 3 condições: nada de perguntas, cada pagamento seria realizado em almas na lua cheia. E a mais importante de todas, elas nunca, mas nunca, o poderiam ver trabalhar.

- Durante algum tempo, tudo correu bem: entregavam uma alma gasta ao jovem na lua cheia, não faziam perguntas e nunca espreitavam o seu trabalho. Mas uma das irmãs, a mais nova, era muito curiosa e, uma dia em que as irmãs meditavam, esgueirou-se para a porta da sua biblioteca, onde estavam sempre, e não viu o jovem. Em vez dele, um monstro gigante de quatro braços, vermelho e musculado, com uns dentes afiados a rasgarem-lhe a boca, devorava as cabeças de todos os que se aproximavam.

- A menina, jovem como era, ficou assustada e gritou, alertando as irmãs, que sairam a correr da biblioteca. O monstro, ao ouvir o grito da mais nova, virou-se para as três irmãs e rugiu. De seguida, começou a minguar até voltar à figura do jovem, que estava.enfurecido.

- E disse-lhes: "As promeças não são para quebrar! E não vou quebrar a minha, mesmo que vocês o tenham feito." E, com um sopro, cobriu a biblioteca com um véu, tornando-a invisivel. Ninguém voltaria a entrar, mas também ninguém voltaria a sair. Foi entãos que o jovem abriu a boca e de dentro das suas entranhas, um vapor negro esverdeado escapou, desaparecendo no céu e deixando o invólcruo.

- As irmãs ficaram tristes por terem quebrado a promeça e prometeram que, já que as suas almas estavam ali encurraladas, as suas descendentes teriam de localizar o vapor, a alma do jovem, e arranjar maneira de lhe devolver o corpo...

- E vocês arranjaram uma maneira? - pergunto depois de uma pausa.

- Sim, um feitiço muito complexo...

- Mas esperem, porque é que a alma do jovem abandonou o corpo?

- Não temos a certeza, não lhe podemos perguntar - diz a Valéria, indicando o David ( possuído ) com a cabeça - mas achamos que talvez fosse para isso que ele precisasse de almas: para construir um corpo.

- Nojo...

- Sim, um pouco - tenta sorrir a Secilia.

- Mas, e em que consiste o feitiço?

- Quatro almas puras, ou seja, almas abençoadas pela natureza, com o dom da feitiçaria e... 110 almas humanas cruelmente arrancadas dos seus hospedeiros.

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