Sinos e Sinos

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Faz duas semanas que não vejo Charlie. Ele me explicou que mesmo querendo estar aqui, ele não consegue. É como se eu o trouxesse aqui, como se eu fosse um imã e ele uma substância magnética.

- Victória! Estou entrando. - Vó Mia anunciou já empurrando a porta.

Ela entrou com um sorriso no rosto, deixando a mostra as suas linhas de expressões. Sobre o braço, a sua enorme bolsa, como de costume. Parecia poder guardar o universo naquela bolsa.

As arvores começavam a ganhar seus tons alaranjados, o outono estava chegando. Observei uma folha do topo de uma arvore voar com o vento e em seguida, tocar o chão. O sol fraco de fim de verão tocava a minha pele. Caminhamos por certo tempo até chegarmos a uma rua quase deserta, exceto por um gato que parecia nos observar.

As folhas das árvores estavam amarelas aqui, a rua parecia uma viela de Londres, seus paralelepípedos forravam o chão e os musgos e liquens, as paredes das casas. Vovó encarava uma velha placa com a escrita, Allen's Especiarias.

- O que exatamente estamos fazendo aqui? – questionei.

- Nos últimos dias, as minhas enxaquecas voltaram. – vovó olhou para trás, em seguida, retornou seus olhos a mim. – O chá que só é encontrado aqui, – ela apontou para o vidro empoeirado. – é o único que ameniza a enxaqueca.

Vovó caminhou em direção à porta de cor incerta, levou a sua mão a maçaneta e a abriu, em seguida um sino tocou. Observei a rua, o gato ainda me analisava, em passos apressados, entrei.

O sino soou novamente.

O cheiro forte de incenso tomou as minhas narinas. Fiquei surpresa ao ver que a loja é bem maior do que aparentava ser do lado de fora. Meus olhos percorreram o ambiente novo para mim, as grandes prateleiras empoeiradas abrigavam livros e frascos com coisas desconhecidas.

- Usquequo. – falou uma voz feminina.

Meus olhos a procuram. Encontram uma mulher de trinta e poucos anos, cabelo cor de mel e os olhos proeminentes acinzentados.

- Quem é vivo sempre aparece! - falou vovó, dando de ombros. A mulher soltou um leve riso.

- Mia, o que você está fazendo aqui?

- As minhas enxaquecas voltaram, preciso do meu chá! – vovó a encara nos olhos. – E você Laura, o que lhe trouxe de volta a cidade?

- O meu esposo, Ryan.

A mulher, cujo nome é Laura entregou a vovó o chá.

...

Enquanto eu caminhava em direção a Old Discs, o sol dizia adeus a Sirius Falls. O vento balançava os galhos das arvores, que por sua vez deixavam as suas folhas cobrirem o chão. Ao longe o mar parecia agitado.

Ver a placa da Old Discs era um tanto aliviante, perambular pelas ruas de Sirius Falls nunca foi meu forte. O sino e a mesma musica me receberam. A minha boca estava prestes a proferi algo ao Sr. Mitchell quando o sino soou novamente. Alguém, além de mim, estará na Old Discs – e não era Charlie.

- Ei!

Virei-me rapidamente para olha-lo.

- Eu me chamo Jackson White! – o garoto se aproximou com um sorriso enorme no rosto. Os fios de seus cabelos são castanho claro e os olhos tão azuis quanto o céu de verão. – Estudamos na mesma escola, mas, não tivemos a oportunidade de nos apresentamos... Como você se chama?

- Victoria Miller. – falei, afastando-me dele.

- Haverá uma festa no inicio da madrugada, grande parte da escola estará lá. Eu gostaria da sua presença. – ele sorriu como se fossemos amigos.

O garoto, Jackson se afastou sem ouvir a minha resposta.

Havia um abismo que me separava das festas e da vida social, eu havia criado essa barreira mental há muito tempo atrás, com o passar do tempo isso se expandiu e se tornou parte de mim.

Seres das Sombras - O ValeOnde histórias criam vida. Descubra agora