Toque

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April e Ashley adentraram a porta da cafeteria. Ashley parecia entusiasmada com tudo ao seu redor, tagarelava sem parar sobre como Sirius Falls era diferente de sua cidade. Eu nunca soube ao certo o porquê April Ross e Ashley Baker aceitaram ser minhas amigas. Ash era a pessoa mais popular da nossa antiga escola, ela se parecia com uma atriz de cinema, seus cabelos são tão longos e loiros que eu acho que vão me fazer vomitar um dia, muito diferente de mim. E já April, era um tanto antipática. Seus cabelos são longos e de cor violeta. April e Ash são meias-irmãs, seus pais se casaram quando ainda eram crianças.

Ash logo acenou para mim.

- Nunca ouvi falar dessa cidade. – Ash se sentou a minha frente. Seus cabelos reluziram com os raios de sol que atravessavam os vitrais em formato de losango. – Eu duvido que tenha alguém bonito aqui! – ela riu.

Uma rajada de heavy metal atingiu meus ouvidos, era April sentando-se ao meu lado. Em alguns segundos, ela retirou o grande fone de ouvido.

- Há algo de obscuro nessa cidade! – April proferiu, retirando seus óculos escuros e deixando a mostra seus grandes olhos negros.

- April você não poderia deixar de ser estranha pelo menos um dia? – Ash falou. – Irá assusta-la!

- Sinto muito! – April respondeu.

A cafeteria que estávamos se chamava Singh Coffee, era bonita e aconchegante. Ela fica em uma parte alta da cidade e as suas janelas são voltadas para as montanhas. As paredes são de tijolinhos e o chão de madeira e com algumas Samambaias penduradas no teto.

- Victoria, está me ouvindo? – chamou Ash.

Olhei em direção a Ash, e logo atrás dela, o sino da porta soou. Um garoto adentrou-a. Seus cabelos eram escuros, abaixo da orelha e jogados para o lado direito. Vestia uma camiseta do The Smiths e uma calça justa com um rasgo no joelho. Seu rosto me era familiar.

- Uau! Eu estava errada, há alguém bonito na cidade. – Ash disse voltando seus olhos a mesa.

- Eu terei que concordar! – respondeu April.

- Ele parece um astro do rock. – Ash sussurrou. – Parece haver uma placa em neon em sua testa escrito garoto problema! E isso o deixa ainda mais excitante.

Os olhos de Ash se encontravam fixos no garoto que caminhará até o balcão sem olha-las. Seu corpo tocou meu ombro e eu senti um choque leve, seus olhos se voltaram para mim e eu senti meu interior congelar até o garoto se afastar.

Senti-me aliviada em ver que April e Ash não haviam notado nada do que acontecerá.

- Quero saber tudo sobre ele! – Ash disse a April.

April costumava adivinhar e acertar coisas e com isso ganhou o apelido de vidente. Ela costumava acertar desde nomes a placares de jogos.

- Hum! – resmungou April com os olhos fechados, e em seguida colocou seus pés sobre a mesa, deixando a mostra suas botas Dr. Martens. – Ele é caos.

O telefone celular de Ash tocou alto e estridente fazendo com que April abrisse seus olhos.

- Caramba, Ash!

- Sinto muito. É uma ligação de casa! – Ash se levantou para atender ao telefone. Ela caminhou para o lado de fora da cafeteria.

April estendeu suas mãos em minha direção e pediu que colocasse minhas mãos sobre as dela. Ela disse que havia treinado com Ash, e que havia acertado algumas coisas.

Um vento gélido foi sentido quando minhas mãos tocaram as de April. Ela fechou os olhos novamente. E se lábios se contraíram.

- Eu sinto algo forte, mas não vejo nada. Apenas escuridão. – ela terminou com a voz firme.

O sino da porta soou e April soltou minhas mãos.

Ash se despediu primeiro, seus olhos estavam cheios de lagrimas e por fim, me deu um longo abraço e correu em direção ao carro. Com April foi diferente, ela me abraçou e sussurrou algo em meu ouvido:

- Além do caos daquele garoto, eu vi algo a mais... Era você, era como se você fosse à luz na escuridão dele. – ela me observava agora com seus olhos negros.

- Mas...

- Talvez não seja nada. A mãe de Ash me obrigou a passar no psicólogo, irei começar na semana que vem.

- Você não precisa de um psicólogo! – eu disse.

- O mundo precisa de mais pessoas boas como você, Victoria. – ela disse antes de partir.

...

Abri meus olhos, e com a visão turva, vi uma silhueta no escuro. Ascendi o abajur e observei seus olhos reluzirem com a luz.

- O que faz aqui? Você me assustou Charlie! - ele demorou certo tempo para perceber que estava falando com ele.

- Desculpe-me, não queria acordá-la! - ele sorriu, levando seus olhos as minhas telas de pinturas sobre a parede e o chão. Ele pareceu analisá-las.

Jamais me senti segura a ponto de mostra-las a mais alguém alem de vovó. Deixar alguém ver minhas pinturas, era como deixar ver a minha alma. A insegurança sempre andou de mãos dadas comigo.

- Isso realmente é impressionante! – ele observava uma pintura em especifico.

A maioria das minhas pinturas era pintada a partir de sonhos. Sonhos que eu me lembrava com clareza na manhã seguinte. Vovó sempre achou impressionante a forma que eu conseguia me lembrar deles.

A pintura que Charlie observava era a pintura que me atormentou durante anos:

Um último pingo de água ecoou. Faltava-me ar nos pulmões, meus olhos estavam fixos no teto cor de marfim, vi a ultima bolha de ar subir e então a morte me abraçou.

A banheira de águas negras encantou vovó e agora, parecem encantar Charlie.

- Você parece um critico de Arte que irá fracassar com a minha carreira de pintora que ainda não se iniciou.

- Jamais! Há algo de sublime em todas essas pinturas!

Choveu durante todos os dias da última semana de férias, os dias pareciam se arrastar. No sábado, dois dias antes do primeiro dia de aula, eu pude toca-lo:

- Odiar doces é como odiar as férias de verão. – eu disse sorrindo. – Eu não acredito que você odeia doces, Charlie!

- Eu odiava férias de verão! – Charlie falou se levantando.

- Isso não me convenceu! Ninguém pode odiar férias de verão. Diga isso olhando em meus olhos.

Levantei-me rápido de mais, perdendo o equilíbrio. Inesperadamente, Charlie foi rápido e me segurou a centímetros do chão. Eu estava lá, estava em seus braços, pude toca-lo pela primeira vez e ele era ainda mais bonito de perto. Seus braços eram gélidos e o seu toque era gélido, mas seus olhos estavam diferentes, como se ganhassem vida por alguns segundos.

- Eu gostaria de ter conhecido-a ainda em vida... – ele encarou-me nos olhos enquanto observávamo-nos em silencio até seus lábios se contrariem em um sorriso. – Eu realmente odiava férias de verão, Victoria.

Seres das Sombras - O ValeOnde histórias criam vida. Descubra agora