Adeus

131 9 0
                                    


Passei o domingo todo pensando no que vovó havia dito e no final da tarde cheguei à conclusão que aquilo não era possível. Eu não havia bebido mais do que meio copo de cerveja. Ela estava mentindo, de alguma forma. Não consegui pensar em nenhum motivo que ela poderia ter para mentir. E o garoto de cabelos negros como a noite, eu o confrontaria na manhã seguinte.

Quando a segunda-feira chegou, eu não conseguia pensar em mais nada do que confronta-lo. Estava disposta a encara-lo nos olhos e saber a verdade. Meus olhos se fixaram nos armários cinzentos e pararam quando o encontraram. Ele conversava com Oliver Eger e outro garoto da minha aula de francês. Seus olhos encontraram os meus e então, quase instantaneamente ele saiu andando em direção ao longo corredor. Esse era o momento do confronto.

- Ei! – falei. – Adam Agostini, eu preciso falar com você. – ele se virou, e eu pude ver, talvez, um pouco de pânico em seus olhos.

- Victoria Miller! – o pânico em seus olhos havia se dissipado. – Sinto muito, estou sem tempo. – ele checou o bolso da calça em busca de algo, mas pareceu não encontrar nada.

- Eu não estaria incomodando-o se não fosse importe.

Ele parou e olhou-me nos olhos, como se quisesse me intimidar.

- Estou ouvindo! – ele checou novamente os bolsos da calça, pareceu frustrado por não encontrar nada novamente.

- Sábado... Eu me lembro de você. Você me salvou daquele lobo enorme.

- Não me recordo! Eu fiquei o dia todo em casa, não poderia ser eu. – ele se aproximou. – Você deve ter se enganado. – ele falou colocando fim a conversa e voltando a caminhar.

- Não! - o corredor estava vazio, apenas os passos de Adam e os meus ecoavam. – Eu vi você, e a sua lâmina atravessar aquele animal. – ele continuava a andar, parecia não me ouvir.

- Não existem lobos em Sirius Falls! – ele falou sem esboçar nenhuma reação. – Eu realmente estou atrasado e Mr. Johnson odeia isso.

Adam Agostini me evitou pelo resto da semana, ele começou a evitar até o armário que ficava ao lado do meu, as aulas de pinturas e o refeitório. Na sexta-feira eu o encontrei na biblioteca da escola. Adam estava sentado em uma poltrona do dobro de seu tamanho, ele segurava uma maçã tão vermelha quanto sangue, parecia entretido com um grande livro, a sua mão esquerda esta enfaixada. Não estava disposta a incomoda-lo, me sentei o mais longe possível.

Eu estava tentando deixar aquilo para trás. Mas esquecer, não parecia ser uma opção. Prometi a mim mesma que não iria mais incomodar ninguém com aquele assunto.

- Estou incomodando-a? – a voz era suave.

Olhei para a tela do notebook e olhei de volta para Adam.

- Não! – eu respondi.

- Eu sinto muito. – ele falou, e sentou ao meu lado. – Aquele dia... Eu estava tendo um péssimo dia.

- Eu me precipitei, não deveria ter dito aquilo a você. – fechei o notebook. – Eu bati com a cabeça naquele dia, talvez nada tenha sido real. – coloquei-me em pé. – Eu preciso ir!

Caminhei para casa sentindo o ar de outono tocar o meu rosto. Adentrei a porta do meu quarto e o ar gelado me abraçou, parecia inverno, mas era apenas Charlie.

- Eu senti tanto a sua falta!

Charlie se virou e os seus olhos tristes e cansados encontraram os meus. Ele parecia diferente como se algo lhe incomodasse. Sentei cautelosamente ao seu lado, como se eu tivesse medo que ele desaparecesse.

- Senti como se devesse a você um último... - Charlie pareceu procurar por alguma palavra. - adeus.

Ele tocou a minha mão, seu toque parecia mais gélido que o normal.

- Eu não pertenço mais a esse lugar. - ele me olhou. - Você sabe disso. A cada minuto fica mais difícil para me materializar e me manter. Dói, dói muito, Victoria! É como tivesse um buraco em minha alma.

- Você prometeu sempre estar aqui, Charlie! – ele estava quebrando uma promessa.

- Talvez eu esteja aqui, mas, você não poderá me ver e me sentir. - Charlie suspirou. - Eu estou esgotado há muito tempo. Mas, você me fez mentir para mim mesmo. Fez-me parecer bem. Eu me sentia bem, e era só isso que me importava.

- Charlie...

- Não, eu não vou leva-la para baixo. A superfície é o seu lugar, o mundo real é o seu lugar! O peso do mundo está sobre os meus ombros, me puxando para baixo. Sinto como se eu estivesse nadando em um lago congelado, sobre a minha cabeça há centímetros de gelo e neve. Eu nunca consigo chegar à superfície, está me faltando oxigênio...

- Eu quero ajuda-lo Charlie...

- Você não pode me ajudar! Eu estou morto.

O Silêncio tomou o lugar frio, e ele observava um globo terrestre sobre o criado mudo.

- Qual lugar você deseja visitar no futuro? – ele sorria agora, um sorriso distante.

Nunca, ninguém, além de Charlie, havia me perguntado sobre o futuro, talvez, pensem que eu não aguentaria esse fardo.

- Noruega!?- eu sorri. – Observar as auroras boreais.

A sua presença parecia me deixar mais sonolenta. Acordei naquela manha e não o encontrei. Meu peito apertou ao ler o seu bilhete.

Victória Miller,

Você conseguiu fazer alguém que estava morto, se sentir vivo

Não só vivo, como feliz.

Desculpe-me.

- C. F.


Seres das Sombras - O ValeOnde histórias criam vida. Descubra agora