Interfêrencia

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Logo após a apresentação de Ethan Agostini, Adam dirigiu em direção ao Smoothing. Ele comentou o quanto odeia o Starbucks, e de como, a cada dia é construído um novo. Poucas almas habitavam o Smoothing e apenas uma música melancólica ecoava dos velhos alto-falantes.

- O prefiro assim. – falou Adam, se sentando. – Sinto-me sufocado em meio a tantas pessoas.

- Eu também. – observei as poucas pessoas que se encontravam aqui, todas pareciam solitárias naquela noite. – E como estar se afogando em mar aberto.

Não pretendia dividir com Adam a Old Discs, poderia parecer infantil da minha parte, mas, aquele velho lugar pertencia a Charlie e a mim. E a Old Discs era um achado em Sirius Falls, que crescia cada dia mais.

O telefone celular de Adam tocou alto e estridente.

- Desculpe-me, mas eu preciso atender. – ele se levantou tão rápido quanto um foguete em direção a Marte.

A porta do Smoothing se abriu com um rangido e um vento gelado entrou. Adam caminhou alguns passos com o telefone celular sobre o ouvido e parou sobre a luz de um poste, que iluminava boa parte de seu rosto. Ele levou à mão a testa e pareceu lamentar por algo.

- Um tio-avô morreu. – a sua voz soou diferente. – Desculpe-me Victoria Miller, mas minha cabeça está a mil. Eu preciso ir!

- Eu lamento Adam. – coloquei-me em pé. – Apesar de tudo, hoje foi um dia legal.

Um sorriso emergiu de seu rosto tenso e em seguida, ele caminhou em passos apressados em direção à saída. Eu o observei rapidamente sumir de vista e se tornar apenas um borrão em meio ao horizonte alaranjado. The Smiths tocava em meus fones enquanto eu caminhava pelas ruas frias da Costa Oeste. Cantarolava I Know It's Over, até que meu celular parou a musica e avisou-me de uma ligação de um numero desconhecido.

- Alô? – eu disse, ouvindo minha voz ecoar milhares de vezes. A ligação resumia-se em ruídos, sem outras vozes. - Alô?- perguntei novamente.

Apenas a minha voz ecoou e se repetia. Alguém deveria estar fazendo alguma brincadeira de mau gosto comigo. Apertei o botão para desligar a ligação. O número não me ligou mais, enquanto eu seguia para casa.

Abri a porta de entrada e deparei-me com meu pai deitado no sofá, ele assistia a uma comedia na tevê, mas ele não ria.

- Oi. – falei e fechei a porta atrás de mim.

Ele me ignorou, apenas ficou olhando fixadamente a tevê, ainda sem rir. Não fazia nenhum sentido alguém assistir as comedias e não rir das piadas. Ao final da escada fui abraçada pelo longo corredor frio e escuro. Minha cabeça pareceu pesada quando a deitei no travesseiro, mas logo adormeci com um galho de árvore batendo sobre o vidro. O telefone celular tocou me tirando de um sonho sereno.

- Alô. – a minha voz saiu sonolenta.

Observei o abajur e a tela do meu notebook acenderem e apagarem repetidamente e do outro lado, ninguém respondeu.

- Qual é o seu problema? – falei, sentando-me.

- Victória?!

- Charlie?

- Não me pergunte como isso é possível, pois nem eu mesmo sei!

Escutei seu riso, e era aliviante ouvir aquela voz depois de certo tempo sem ouvi-la. Eu não conseguia acreditar que estávamos conversando.

- Eu realmente não estou acreditando que isso está acontecendo! Estamos desafiando as leis da Física.

- Para ouvir a sua voz... Eu desafio ate mesmo as leis da física, da geografia e da filosofia. – ele parou de falar. – Poderia virar um livro e depois um filme. Você poderia virar milionária com "As Novas Leis da Física de Charlie e Victória Miller".

- Caramba! Eu senti muito a sua falta Charlie.

- Eu também senti a sua, Victória! Eu gostaria de ser mais forte que este lugar, mas nem todo mundo nasceu super-herói.

- Eu escreveria sobre você em meu diário, escreveria até mesmo um livro. Mas eu não escrevo muito bem. – um silêncio nos tomou. - Minha consciência está gritando para tentar entender como isso tudo é possível. A ligação.

- Eu também não sei muito. Mas vou dividir o que eu sei. Esse lugar onde estou, ele tem falhas e às vezes, ele recebe algumas interferências de rádios, telefones celulares e todos os tipos de redes de comunicações. - ele fez uma pequena pausa. - Raramente essas interferências acontecem. Não prometo voltar tão cedo...

A ligação caiu e a luz do abajur voltou a funcionar, junto ao notebook. Eu o esperei que ligasse novamente. Mas logo me dei conta da realidade. Aquilo era quase impossível. Não era tão simples como esperar uma ligação internacional. Adormeci imaginando os olhos azuis de Charlie.

Seres das Sombras - O ValeOnde histórias criam vida. Descubra agora