O corvo

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Seus olhos se abriram lentamente enquanto se estabilizavam com a claridade. Sobre o sofá da casa de vó Mia uma dor quase lancinante habitava seu corpo e um emaranhado de vozes era ouvido. A garota ruiva enrolava uma mecha de cabelo em seu dedo; Pedro, o garoto que parecia ser descendente de Thor, girava uma adaga sobre a mesa de centro; Mia olhava através da janela com seus óculos embasados pela recém xicara de chá que as tomará minutos antes, e o único Agostini presente na sala que daria a sua vida pela garota, caminhava atônico de um lado para o outro.

O sofá rangeu quando ela se sentou com dificuldade e instantaneamente todos a olharam com seus semblantes aflitos, eles se entreolharam e apenas a avó e Adam se arriscaram a se aproximar. A cabeça de Victoria doía ao se lembrar da noite passada, apenas alguns fragmentos regressava repetidamente e dolorosamente: Garras e dentes afiados; sangue e espadas e por fim, cinzas.

- O que vocês são? O que era aquele monstro? – os olhos da pobre garota se esbugalharam e o coração do garoto de cabelos negros como as trevas se apertou.

- Acalme-se, Victoria. – Mia disse, tocando seu ombro.

- Não! – ela se esquivou daquele toque. – Quais segredos mais vocês escondem? Diga-me.

- Você quer a verdade? Essa é a verdade. – ele não a esperou responder. - Aquele monstro era um Hellhound, achamos que ele foi designado para mata-lá. – Adam falou sem olha-la.

- Por quem? Pelo garoto estranho? – sua voz tremia, ela estava com medo.

- Garoto? – Lexia se levantou.

Todos ouviram em silencio as poucas informações que ela tinha sobre o garoto e ao final Pedro comentou:

- Ele tentará novamente, não desistirá até ter êxito.

- Mas por quê? Por que eu? – Victoria estava frustrada.

Seu coração batia rápido, e ansioso, ela sabia que estava por descobrir o maior segredo da sua vida e desvendar esses segredos a deixava impaciente e lá no fundo da sua alma, o medo se alastrava como uma doença contagiosa.

A tempestade ressoava do lado de fora, e a sua ira era sentida. Por mais espertos que pudessem ser; eles não perceberam que um gato preto espreitava através da janela.

- Essas não são as melhores circunstâncias, querida. – a avó se aproximou, e tocou o rosto dolorido da neta. – Vou lhe contar tudo! Só lhe peço para ficar calma. Tudo pode soar estranho e insano. Você não precisa ter medo, pois nunca estará sozinha.

Quando os olhos de Victoria encontraram os de Adam, ela teve a certeza que ele seria o farol em meio as suas piores tempestades, seria ele quem a consolaria depois de pesadelos.

- Há um mundo, o Mundo das Sombras, onde as criaturas maléficas habitam. Pense nele como um Mundo Paralelo, sem luz solar, sem natureza viva, onde a Escuridão reina. Alguns o chamam de Mundo das Sombras, outros de O Vale das Sombras. Às vezes, Portais são abertos, e Seres como o Hellhound escapam. Escondemos muitos segredos, e um deles é que caçamos esses Seres das Sombras.

- Isso não é possível!

- Apenas escute Victoria. – Adam falou.

- Não estamos sozinhos no mundo Victoria, a raça humana não é a única. O mal se esconde no mundo, às vezes em rosto bons e outras não, desconfie de todos. – Mia se sentou ao lado da garota. – Você é diferente! Há uma profecia que a Ultima Caçadora de Sangue Negro nasceria.

Aquelas palavras lhe causavam dores na cabeça, levantou cambaleando, suas pernas ainda doíam e ela soltou um grunhido baixo, amaldiçoando aquele Hellhound. Aproximou-se da porta, puxou uma capa amarela e saiu para a tempestade. Sua avó ainda falava, mas, não conseguia mais entender suas palavras.

Enquanto lutava contra o vendaval, suspirou de alívio ao perceber que ninguém ousará segui-la. Ela não imaginou, mas Adam tentará, ele queria tornar aquele momento mais fácil. Aquele sentimento é algo que ele jamais entenderá; há uma diferença quando se nasce um Agostini, desde crianças já sabem quem são e o que precisaram fazer.

Depois que se afastou da casa, o vento diminuiu, a chuva se cessou e por alguns segundos o sol surgiu e ela observou com serenidade a luz iluminar o topo das árvores e sentiu uma paz a invadir.

Quando chegou a praia isolada, o céu estava coberto por nuvens cinza e os ventos zumbiam alto. As ondas do mar batiam com força nas pedras cobertas por musgos, o oceano parecia furioso. Respingos caiam sobre a pele pálida e avermelhada da garota que pareciam congelar e alguns fios de cabelo chicoteavam seu rosto coberto de cortes causados pelo vidro.

O cheiro fresco do clima frio tomavam suas narinas e ela pode se lembrar de como adorava o inverno e sorriu com dificuldade, mas logo se lembrou do porque escolherá se afastar. Aquelas loucuras sobre Seres das Sombras confundia sua mente. Saber que todas as lendas e histórias que ouvirá quando criança são reais e que ela precisa caça-las a amedrontava. Ela não pedirá por aquilo, nunca quis ser diferente, pelo contrario, queria ser igual, mas lá no fundo sempre soube que ela não era como as outras pessoas. Era esperta e ágil, estranhamente diferente do normal e sempre esconderá isso de todos para conseguir amigos.

Victoria queria gritar para o mundo e ouvir a sua voz ecoar, queria dizer que estava cansada de se esconder nas sombras do seu quarto e ela prometeu para si mesma que nunca mais iria fugir, mesmo que lhe causasse medo, mesmo que precisasse caçar monstros como aquele que quase causará a sua morte na noite passada.

Mesmo com todas aquelas revelações ela não sentia que sabia de tudo, sentia que ainda escondiam segredos, grandes mistérios, sobre ela, sobre eles mesmos, sobre a cidade e ela se perguntava, se podia mesmo acreditar em todos novamente. E ela soube que sim quando encontraram aqueles olhos escuros e preocupados em seu quarto.

Sentado em sua cama Adam Agostini parecia o mesmo garoto que ela conhecerá; seu cabelo desgrenhado cor da noite e o seu cheiro de hortelã permaneciam iguais. A garota tremia de frio e era estranho como às vezes ela não sabia o que dizer diante dele, mas se sentia plena quando seus braços a envolvia levando o frio embora.

- Sinto muito... – a garota disse afastando sua cabeça do peito dele.

- Tudo bem ter medo. – Adam segurou-a ainda mais firme em seus braços. – Eu não cometerei o mesmo erro que cometi com Emma. – ele sussurrou. – Eu estarei sempre aqui por você, Victoria Miller... Para todo o sempre eu estarei aqui!

O garoto de cabelos negros se afastou alguns centímetros e retirou sua espada com agilidade da cintura e a deitou sobre as palmas das mãos, ajoelhando com a perna direita dobrada a frente, ele se pronunciou olhando-a nos olhos. Aqueles olhos azuis brilhantes que sempre o fazia esquecer tudo.

- Minha espada é sua, minha vida é sua, meu coração é seu.

Aquele era um juramento que ele sempre estaria ao lado dela, na vitória ou derrota, daquele dia até o seu ultimo dia.

Sem ninguém perceber novamente, o gato que observará tudo, mudou de forma para um corvo, ele se afastou, voando para longe na escuridão da noite em direção à mansão dos Agostini's. Ele pousou sobre o braço de Rose Agostini, sentada em uma poltrona de couro vermelho que observava a cidade com desdém, e das sombras, Ethan Agostini a espreitava. 

Seres das Sombras - O ValeOnde histórias criam vida. Descubra agora