Vagamente

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Tom passava boa parte dos seus dias no cemitério, Lexia passava seus dias com Pedro Lafaiete, e Cameron estava fora da cidade. Há três dias fui visitar o túmulo de Monalisa, rosas vermelhas e brancas tomavam conta dele.

Na manhã de domingo, fui despertada por vozes. Vó Mia e Leonardo discutiam no andar de baixo.

-... Faz quatorze anos desde que ela se foi! – a voz soou baixa. – Você precisa esquecê-la, Leonardo. Ela se foi e nunca mais vai voltar.

- Saia! Vá embora! – a porta foi aberta.

- Ela escolheu a morte! – e então a porta se fechou e algum objeto se quebrou.

Quando ele me avistou, me encarou por alguns segundos, mas seus olhos logo se voltaram aos cacos de vidro no chão.

Meu pai foi quebrado há quatorze anos, ele não tem mais conserto. Apenas o seu corpo restou, sua alma se foi junto a Elizabeth.

Algo pareceu me puxar em direção ao seu túmulo. Eu queria encara-lo, por mais que soubesse que ela nunca esteve ali. Queria perguntar o porquê ela havia escolhido a morte ao invés de sua família. Nada era capaz de cobrir o buraco que ela nos deixou.

Caminhei desejando que o céu claro da manhã de domingo se tornasse tão escuro quanto o dia em que coloquei os pés em Sirius Falls. Choveu forte naquele dia, como eu nunca havia visto em toda a minha vida.

Suspirei ao chegar aos gigantescos portões que separavam os mortos dos vivos. Mausoléus eram visíveis, tão grandes quanto às casas, eles eram capazes de cobrir a luz solar, deixando o lugar frio. Era inicio de outono e as folhas secas ganhavam o chão. Do topo de um carvalho um corvo observava atentamente cada passo meu. Parei a alguns metros do túmulo de Elizabeth, engoli em seco, senti as minhas mãos suarem e o coração acelerar. Uma pessoa estava ali parada, um capuz escondia o seu rosto.

- Ei?! – gritei no momento exato do garoto se virar. Uma paz pareceu invadir o meu corpo ao ver seus olhos, e logo em seguida, senti como se algo esmagasse o meu coração. Doeu e o garoto pareceu incomodado por algo.

O garoto parecia um anjo e uma ligação forte parecia conectar os nossos corações. Senti como se fossemos próximos, como se fossemos separados há muito tempo. Um vento extremamente forte soprou o topo das arvores fazendo-as estralarem e despertando-o. Ele apenas correu. Seus pés esmagavam as folhas secas sobre o chão enquanto ele desaparecia entre os túmulos e o nevoeiro.

A partir daquele dia, uma sensação estranha me acompanhou. Ainda sinto aquela ligação muito forte, parece habitar meu peito. Todas as noites eu sonhei com o seu rosto e acordei desesperada.

- Como era essa sensação? – quis saber Cameron, tomando sua cerveja em um copo extremamente exagerado.

Cameron e Lexia estavam a minha frente, sentados em uma mesa do Smoothing Pub eles me encaravam, pareciam dois detetives de uma serie policial. Passava do meio-dia, o sol que atravessa as janelas empoeiradas incomodavam meus olhos, eu não havia dormido bem na noite passada.

Soltei um leve suspiro e logo em seguida tirei a jaqueta jeans e coloquei sobre a cadeira. Observei por alguns segundos a porta antes de responder.

- Era forte, mas não como uma paixão de uma vida passada e sim como um lanço de sangue.

- Você não tem irmãos? – Lexia levou uma xicara de Chaí Indiano à boca.

Quando Jordan nasceu, ele não chorou, ele não abriu seus olhos, o ar não entrou em seus pulmões, ele nunca soube o que é respirar. Ele não resistiu à gestação. Eu havia roubado todos os seus nutrientes, eu havia o matado e logo depois a minha mãe. Eu a matei, ela não suportou viver sem os seus gêmeos. E aquele garoto havia trazido todas aquelas lembranças à tona.

- Precisamos confrontar esse garoto! – Cameron disse ao final

A porta se abriu e Adam Agostini entrou. Seus olhos instantaneamente pousaram em mim, em passos lentos ele se aproximou no exato momento em que Cameron se levantou.

- Ei, Agostini. – ele falou, encarando Adam.

- Ei, Lafaiete. – Adam proferiu.

Eles se encararam por alguns segundos, como se fossem inimigos mortais em alguma vida passada. Cameron se afastou segurando seu copo de cerveja e logo em seguida foi embora sem dizer mais nada. Adam sentou na cadeira a minha frente enquanto Lexia o observava.

- Vocês vão ao Baile de Outono, não é mesmo?

- Não sei. – respondeu Lexia. – Tenho um teste de Economia e preciso estudar.

- Qual é, Lexia!? – Adam encarou-a. – E você, Victoria?

- Talvez!

- Eu tenho certeza que vocês não terão nada melhor para fazer no final da tarde de sábado! – Adam se levantou. – Eu aguardarei a presença de vocês!

...

Quando ela deitou a cabeça no travesseiro, caiu no sono quase instantaneamente.

Sobre um crânio de um pássaro gigante havia uma vela acesa que queimava sem parar enquanto dois homens conversavam. Nas sombras, um dos homens sentado em uma poltrona bebia vinho em uma taça de vidro. E o outro estava encostado em uma parede cinza, um chapéu cobria boa parte de seu rosto, mas Victoria conseguiu ver seus olhos verdes por um instante. A garota queria acordar, piscou inúmeras vezes, mas nada aconteceu, pois aquele sonho não era um sonho qualquer. Ela enxergava tudo em um tom escuro de mais como se estivesse sobrevoando em outra dimensão.

- Não se preocupe se algo acontecer e eu for descoberto, matarei todos que forem necessário para não expor o Triangulo.

- Confio em você! – a voz soou quase inaudível. – Ele nos deu tempo, você só precisa honra-lo. - o homem das sombras se levantou e observou com um ar de desconfiança tudo ao seu redor. E em seguida esmagou a taça em sua mão. - Há alguém nos observando... – Victoria os ouviu sussurrar antes de acordar.

Com um solavanco ela acordou. O seu corpo estava tão gelado que parecia ter voltado da morte. Tossiu quando o ar entrou queimando seus pulmões e atordoada, ela permaneceu acordada. Quando amanheceu e o céu ganhou o tom de azul profundo, Victoria se lembrava vagamente do sonho.


Seres das Sombras - O ValeOnde histórias criam vida. Descubra agora